«Há quem defenda que, em Portugal, não vale a pena tentar taxar os ricos porque há muito que os ricos portugueses tiraram toda a sua fortuna do país.
A expressão usada costuma ser “os que têm dinheiro já o puseram a bom recato” e é dita em geral não só em tom compreensivo mas com uma indisfarçável admiração pela habilidade demonstrada. Quanto ao “bom recato” é, evidentemente, um sítio onde o fisco não consiga chegar, um paraíso fiscal. (…) É a posição dos que, no fundo, pensam, como Donald Trump, que os impostos são para os parvos e que fugir ao fisco é sinal de esperteza.
O mais espantoso é que, quem ouve, aceite muitas vezes com compreensão, esquecendo que essa colocação do dinheiro a “bom recato” é muitas vezes um crime e quase sempre uma imoralidade, que obriga os que não fogem ao fisco a suportar um esforço fiscal desproporcionado, pagando as estradas onde circulam os ricos.
O pensamento desses críticos da taxação dos ricos é que, se se taxarem os ricos eles fogem com os seus capitais e, sendo assim, é melhor deixá-los em paz sem os incomodar com o fisco, já que o resultado será o mesmo. Mas, mesmo que fosse assim (e não é) haveria a considerar a pequena questão da justiça fiscal. De facto, a política fiscal não serve apenas para financiar o Estado e deve ter uma função redistributiva, de forma a contrariar a acumulação crescente de toda a riqueza num número cada vez mais reduzido de mãos e a permitir que os mais desfavorecidos à partida possam ter a possibilidade de melhorar as suas condições de vida, nomeadamente através do sistema público de educação. (…)
Pessoalmente, situado como estou na grande área política das esquerdas, onde confluem muitas ideias e muitas tradições diferentes, não me sinto especialmente contra os ricos. Se há uma coisa que acho admirável é correr o risco de investir, de criar uma empresa, criar emprego e produzir coisas úteis. E acho da mais elementar justiça que uma pessoa dessas enriqueça, desde que pague os seus impostos, respeite as leis e trate os trabalhadores de forma digna. O que acontece e é lamentável é que os ricos que merecem o nosso respeito são escassos. O que merece o meu antagonismo declarado são aquelas pessoas que enriquecem de forma incompreensível e que, para mais, se recusam a fazer a sua quota-parte na sociedade. Ou aquelas que, em vez de pagar impostos em Portugal, registam as suas empresas na Holanda ou no Luxemburgo para pagar menos e decidem pôr o seu dinheiro” a bom recato” para que sejam apenas os que têm menos dinheiro a pagar as escolas e os hospitais.»
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Como criar ricos ( -oJumento, 4/10/2016)
A riqueza resulta de comportamentos virtuosos, a pobreza é o castigo que aponta o caminho do trabalho e da poupança aos que optaram pelo caminho da preguiça. Daí que aumentar impostos sobe o património desencadeie uma resposta tão encarniçada por parte dos nossos ideólogos. Ninguém viu a Assunção Cristas fazer ameaças de vinganças sobre os sindicatos quando o seu governo (direita) aumentou de forma brutal os impostos sobre os rendimentos do trabalho.
Infelizmente não é possível cheirar o passado de algumas fortunas com a mesma facilidade com que se deteta a presença de cocaína nas notas de cinco euros. E se há leis (ineficazes?) para evitar o branqueamento de dinheiro sujo, não as houve para impedir o branqueamento da história (e/ou dos antepassados).
A ideia de que a acumulação de riqueza resulta de gerações de gente virtuosa é uma mentira, Marx criou o conceito de "acumulação primitiva de capital" (burla, roubo, saque, apropriação de bens e direitos públicos/ da comunidade ou de pessoas/povos mais fracos ou pacíficos, actividades criminosas, comércio/ contratos/ tratados injustos ou forçados) para explicar a formação de capital nos primórdios do capitalismo, conceito que permanece válido. O destino tem destas coisas e hoje o mundo apresenta vários laboratórios deste fenómeno, é o caso de países como Moçambique, Angola, Rússia, onde só haviam modestos trabalhadores e funcionários do partido, mas que hoje apresentam fortunas e capitais de dimensão mundial.
O caso mais recente foi o desvio despudorado de cerca de 2000 milhões de dólares, dinheiro emprestado a Moçambique e que hoje ninguém sabe por onde para, ainda que todos imaginem onde poderá estar. De um dia para o outro os filhos dos velhos guerrilheiros que combatiam no Tete viajam em jactos particulares e são recebidos pelos presidentes dos grandes bancos. Aqueles que eram odiados pelos colonialistas, são hoje bajulados pelos seus filhos, num ciclo miseráel e pouco digno da história.
Se fosse possível cheirar o passado do dinheiro de muita gente e vermos como foi conseguido estaríamos a ver navios com nomes como “Amável donzela”, o “Boa intenção”, o “Brinquedo dos meninos”, o “Feliz destino” ou o “Caridade” a navegar com rumo ao Brasil. Eram os navios negreiros que enriqueceram famílias devotas de Portugal com o dinheiro do tráfico de escravos. Se prestássemos mais atenção ouviríamos o assobio dos chicotes nas roças de São Tomé ou os gemidos dos trabalhadores torturados nas cadeiras da PIDE depois de denunciados por patrões avessos a reivindicações.
Dizer que todas as grandes fortunas foram conseguidas com trabalho é gozar com os livros de economia, é o mesmo que acreditar no argumento dos corruptos (e ou ...) que dizem ter ganho o dinheiro na bolsa (ou no jogo). A tal ideóloga do Observador tem toda a razão, não foi dividindo os recursos que se criaram grandes fortunas, através de decretos ou com leis bondosas que se acumularam algumas das nossas grandes fortunas, foi mesmo com muito sangue e suor, o problema está em saber de quem.
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Classe média vs indignidades sociais (-por Zé T.)
Delimitar a classe dos 'ricos', dos 'pobres', da 'classe média' e suas subclasses é sempre contestável ... mas isso não invalida a categorização até por comparação de rendimentos e bens (de que se é dono ou usufrutuário) que permitem (ou não) uma melhor (ou pior) qualidade de vida.
Existem critérios internacionais (nível de pobreza, desvio de rendimentos em relação à média ou à mediana, ...), existe a consciência/moral de que a sociedade só se mantem estável, coesa e solidária (como comunidade/ nação/ estado) se existir justiça e a maioria dos seus membros conseguir suprir as necessidades consideradas fundamentais (incluindo alimentação, habitação, saúde, educação/literacia, ...). Por isso é que os países com melhor qualidade de vida são aqueles em que existe menor desigualdade/ disparidade de salários/rendimentos e tem uma grande classe média (sem ou com poucos pobres e poucos ricos).
Como actualmente muitos 'ricos' usam empresas ('offshore' -quase isentos de impostos- e não só ... e tb fundações) para deter bens e receber pagamentos/ remunerações/ comissões/ rendas/ dividendos/ benefícios ... e, como usufrutuários, fazem vida de ricos mas, legalmente, esses indivíduos não têm rendimentos ou bens que possam ser taxados como ricos ... aliás (quase) não pagam IMI, IRS, IRC, ... e mesmo o IVA nas aquisições de bens ou serviços pessoais ou familiares é pago não por eles mas pela empresa... que abatem aos lucros, pelo que também por esta outra via (quase) não pagam IRC...
E como os pobres estão isentos de impostos IRS e IMI ... quem paga para o Estado funcionar (segurança, saúde, infraestruturas, ...) é apenas a 'classe média', especialmente os trabalhadores por conta de outrem e os reformados, que não podem fugir ao IRS...
É necessário que aqueles que beneficiam de um elevado nível de vida também contribuam para a sociedade ... para isso é preciso taxar os fluxos mobiliários (dinheiro, acções, ...) e os bens imóveis (independentemente de serem detidas por empresas offshores ou isentadas e até subsidiadas! por ex. a sede do cds -partido que recebe subsídios- está em imóvel da 'igreja' isentado de IMI).
Como humanamente se pretende que o conjunto da sociedade tenha boa qualidade de vida deve-se diminuir a pobreza e as desigualdades aplicando impostos progressivos e diminuindo a abismal disparidade de rendimentos nas empresas -em algumas os 'trabalhadores' de topo (accionistas, administradores, dirigentes) chegam a receber mais de 100x e 200x o rendimento dos trabalhadores de nível mais baixo (às vezes abaixo do salário mínimo) !! e outros trabalhadores nem sequer são pagos pela empresa, trabalham à comissão ou são estagiários não pagos ou pagos pelo Estado/iefp/ss !! ou são trabalhadores precários, sem contrato (de média/ longa duração ou 'amarrados' a empresas de trabalho temporário), obrigados a sujeitar-se a salários baixíssimos, a horários extra e/ou irregulares, a serem constantemente ameaçados com o desemprego (sem justa causa nem indemnização) são explorados, assediados e maltratados !!
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O escândalo (silencioso) das rendas elétricas ( mariana mortágua*
Agora que a Direita se calou acerca do imposto sobre a fortuna imobiliária dos 1% mais ricos, muita gente se interroga: como foi possível tanto ruído, tanto insulto e manipulação contra uma medida de justiça social redistributiva? Como conseguem os 1% mais ricos ter tanta voz, e tão alta? Trato hoje de outro exemplo, este esquecido. Aqui é o silêncio (e não o ruído) que é de ouro. Falo das rendas excessivas do setor elétrico, os lucros garantidos que o consumidor paga na fatura da luz. (idem para outras actividades quase monopolistas, cartelizadas, e para muitas parcerias público-privadas PPP,...)
A privatização da EDP consistiu na criação de uma renda para os privados: um negócio com rentabilidade garantida pelo Estado a pagar pelos consumidores quaisquer que sejam os preços do "mercado". Em 2004, o Governo Barroso, assessorado pela Goldman Sachs, alterou estes contratos, fixando obrigações ainda mais gravosas para o Estado e para os consumidores. Este tipo de erro repetiu-se na introdução das energias renováveis, cujos promotores privados não só conseguiram contratualizar preços altamente subsidiados como fixar prazos muito longos - e difíceis de justificar - para esse subsídio. Foi assim que, no ano passado, a multinacional chinesa EDP Renováveis registou 21% dos seus lucros em Portugal, onde apenas produz 7% da sua energia.
O escândalo das rendas excessivas era tal que a própria troika achava necessário revê-las. Mas essa foi a parte esquecida do memorando. O secretário de Estado da Energia que iniciou esse trabalho acabou por ser afastado, com Mexia e Catroga a brindar nos gabinetes. Resultado: Portugal paga a eletricidade mais cara da Europa e bate recordes de mortalidade excessiva no inverno.
Para estancar esta dívida e baixar a fatura elétrica, para combater a miséria energética, é preciso a coragem de tocar nas rendas garantidas. O alargamento da tarifa social (a pagar pela EDP) foi o primeiro passo. Depois do alerta lançado pelo Bloco, o Governo prepara-se para poupar milhões desperdiçados no "subsídio de interruptibilidade" que tem sido pago a meia centena de indústrias por um serviço à rede que muitas nem estão em condições de prestar. Mas é preciso rever também as rendas das próprias elétricas e chamar as renováveis a contribuir para que o país acerte as contas da energia. Agora que estão estabelecidos e sustentados, os produtores renováveis devem deixar de estar isentos de qualquer contribuição e devem ajudar a equilibrar o sistema que os apoiou.
Não se vence a pobreza energética sem tocar nos lucros abusivos das multinacionais da eletricidade.
* Deputada do BE; outros artigos de MM: