----- Regras da UE: 114 furos no défice e na dívida (-L.Toscano, 4/7/2016, geringonça)
As contas são do prestigiado instituto alemão IFO. 114! O número de vezes que, entre 1995 e 2015, os países da União Europeia furaram o objectivo de 3% de défice público, definido pelo Tratado de Maastricht. Sabem qual o país que mais vezes violou esta regra? Portugal? Não. Grécia? Também não. Espanha? Tampoco. Irlanda? No. França? Oui!
A França violou 11 vezes o objectivo dos 3% para o défice público! Grécia, Portugal e Polónia dez vezes. Reino Unido nove, Itália oito e Hungria sete vezes. Mas será que a Alemanha respeitou sempre as regras? Será que os alemães, esses amigos de Passos e Maria Luís, esses mesmos que vivem na capital onde Marcelo e Costa têm que ir pedir clemência e compreensão para os números do défice de 2015, nunca violaram as regras?
Pois bem, a Alemanha já violou a regra de ouro não uma, nem duas, nem três nem mesmo quatro, mas sim 5 vezes! A Alemanha já furou a regra do limite de défice público por 5 vezes. Mas que autoridade tem a Alemanha para pedir, exigir e clamar o cumprimento das regras? Nenhuma. Ou o ministro das Finanças alemão para mandar recados sobre o que quer que seja a outro país soberano? Nenhuma.
Ok, mas quando os alemães e/ou os franceses não cumpriram foram sancionados? Não! Nunca foram e tiveram até uma benesse quando, em 2004, violaram ambos o défice dos 3%. O cumprimento da regra foi suspenso, imagine-se! Durante dois anos, aliás. Mas então para que serve esta regra? Para ser violada. E a regra dos 60% de dívida pública no PIB? Para ser contornada. Então, se as duas principais regras europeias são sistematicamente violadas, para que servem? Pois bem, é aqui que queria chegar.
Fomos habituados a acreditar que o projecto europeu se construía de acordo com a racionalidade e consentida transferência de competências soberanas para a União. O chamado “princípio de atribuição”. O desmoronamento da Europa, o assalto ao poder de Bruxelas pela tecnocracia neoliberal tornam-nos a todos peões da arbitrariedade e chantagem da burocracia europeia. Será que o podemos catalogar como “princípio da subjugação”? Até quando, eis a questão.
----- Europa dura (-por CRG, 12/7/2016, 365forte)
"As regras são as regras" - Sapin, Ministro das Finanças Francês
Das poucas coisas que retive do estudo do direito romano foi que a expressão "dura lex sed lex" surgiu no seu declínio: por falta de talento, os romanos tornaram-se incapazes de arranjar novas soluções que fossem justas, pelo que se limitavam a seguir cegamente a lei, insensíveis aos mais básicos princípios de justiça. Na verdade, quando o único argumento para aplicação da uma norma é a sua existência, o mais provável é que esta seja injusta. E quando a possível sanção, ou a sua promessa, dificulta o cumprimento da norma, chega-se ao cúmulo da irracionalidade. E, finalmente, quando quem profere estas palavras é o Ministro do país que mais vezes incumpriu com os limites do défice, sem nunca ter sido sancionado chega-se a um nível que nem André Breton julgaria possível.
No entanto, o episódio das sanções não se resume à questão jurídica. Sendo, aliás, sobretudo política. A primeira tenta esconder-se sob a autoridade da primeira (regras) do mesmo modo que a opção política de combate à crise refugiou-se sob uma suposta autoridade económica. Em ambos os casos, uma análise mais cuidada desfaz esse manto de autoridade, revelando uma instituição disforme e arbitrária. Em declínio?
---- O triunfo dos porcos (-J.Mendes, 12/7/2016, 365forte)
É oficial:
a hecatombe governativa a que PSD/CDS-PP nos sujeitaram atingiu o zénite e
foi punida no Ecofin,
que acaba de aprovar a abertura do procedimento que poderá levar às sanções defendidas pela Comissão Europeia, liderada pelo amigo da direita incompetente que por cá temos e que, como qualquer
terrorista liberal que se preze,
se bate pela promoção da evasão fiscal e outros tipos de gatunagem legal.
Tenha cuidado: uma série de palermas, fundamentalistas, terroristas financeiros e restante seita, deliberadamente ou apenas por serem parvos, vão tentar convencê-lo de que o que está a acontecer é fruto da acção do actual governo, o que em teoria é tão verdade como as cores do equipamento do Benfica serem o azul e o branco. Na prática fará algum sentido na medida em que o facto do actual governo não sentar, rebolar e dar a pata aos ayatollas de Bruxelas como o anterior, teve como consequência uma manobra mediática absolutamente desonesta e demagógica, que responsabiliza António Costa pela porcaria feita por Passos Coelho e restantes compinchas além-Troika. Contudo, importa reforçar para quem ainda esteja sobre o efeito da propaganda neonacional-socialista, as sanções dizem respeito aos valores do défice de 2015, durante o qual a clique do PàF repetiu a façanha do incumprimento. Importa também referir que, tal como Portugal e Espanha, os dois únicos e inéditos potenciais sancionados, também a Croácia, a Grécia, o Reino Unido e a França violaram as metas estabelecidas. Mas nesta espécie de união com “u” minúsculo, impera a iniquidade. Dois pesos, duas medidas.
Um agradecimento especial a esse grupo de burocratas não eleito que é o Eurogrupo, que tudo fez para punir Portugal, ao responsável pelo Mecanismo de Estabilidade Europeu, Klaus Regling, que perante o Brexit e o Deutsche Bank a falhar os testes de stress do BCE conseguiu a proeza de eleger Portugal como o caso mais preocupante no seio da UE, ao nazi das finanças alemão, esse verme totalitário que há uns dias decidiu prejudicar deliberadamente o nosso país por imperativos ideológicos, e, claro, ao lacaio-chefe dos anteriores, mestre da aldrabice e incumpridor fiscal, homem que pouco mais fez na vida do que ser jota, dominar os corredores da política subversiva, abrir portas e chegar a primeiro-ministro sem ter feito, uma vez na vida que fosse, algo de útil ou produtivo para o país. Há dois meses, alinhado com o discurso fanático do PPE, Passos Coelho pedia “força máxima” na aplicação de sanções contra o péssimo trabalho que liderou desde São Bento. Já era tempo de Pedro Passos Coelho atingir uma meta a que se havia proposto. Escusava era de ser esta.
A ver vamos como esta novela termina. E ainda que acabe por não haver qualquer sanção, ou mesmo sanção zero, este episódio é revelador do estado a que a União Europeia chegou: um projecto sem rumo e cada vez menos democrático, onde comportamentos e resultados iguais recebem tratamento diferenciado dependendo da ideologia (ordo-neoliberal) dominante nos diferentes governos e dos humores e frustrações daqueles que efectivamente mandam nos restantes, e onde os mais altos responsáveis políticos estão dispostos a promover a destruição e o caos financeiro para vergar aqueles que não se submetem de forma absoluta ao totalitarismo burocrata de Bruxelas e da Alemanha de Adolf Wolfgang Schauble. Precisamente o oposto daquilo a que nos propusemos. Depois admirem-se que a construção europeia esteja em risco e que a palavra referendo esteja tão em voga. São estes fanáticos que a estão a destruir com punições contraproducentes e autodestrutivas.
---- Democracia na UE? A machadada de Costa (-por D.Moreira, 12/7/2016, 365forte)
Talvez isto sirva para acordar os euro-entusiastas que ainda acham que a UE é algo que tem valores democráticos, em vez de ser uma ameaça à própria democracia.
A redução do voto no Brexit a uma questão de xenofobia ou provincianismo (o que não quer dizer que não sejam elementos relevantes) é não perceber as dinâmicas sociais: de acordo com as sondagens, foram os denominados "perdedores da globalização" - a classe trabalhadora com pouca instrução - que votaram em maior número no Leave (saída do RU da UE, 'Brexit').
Na ausência de um discurso de esquerda, a direita populista de Le Pen, passando pelo Boris ao Trump, são os principais beneficiados deste movimento de insurreição contra as elites no poder (da direita à esquerda da terceira via). Esta camada de população insurgiu-se contra as promessas que durante anos lhes venderam: a globalização e os mercados abertos (comércio livre, TTIP, CETA, ...) seriam vantajosos para todos; a austeridade iria promover a confiança e, por via disso, o crescimento económico; o aumento da produtividade tornaria todos mais ricos, e não apenas uma pequena percentagem da população.
Na realidade, assistem a uma estagnação dos salários (no Reino Unido o rendimento médio dos trabalhadores está 7,5% mais baixo que em 2009), desemprego, deslocalização da indústria para o estrangeiro (pela primeira vez o estrangeiro não precisa de ser emigrante para se constituir numa ameaça ao seu posto de trabalho) e uma desigualdade crescente dentro dos países.
Neste contexto, a UE, enquanto veículo que intensifica a globalização, é um dos principais alvos dos políticos que procuram agradar àquele eleitorado. E esta é a ironia do projecto europeu porque a UE é, ao mesmo tempo, uma das poucas instituições que, caso assim queira, pode reduzir os efeitos nefastos da globalização. Será que ainda vamos a tempo? Ou será que - como as primeiras reacções ao referendo parecem prever - a UE, parafraseando Orwell, vai escolher a estupidez e manter tudo como está?
[?- Seguir-se-ão mais referendos/ votações maioritárias (de trabalhadores e classe média, fortemente penalizados) em partidos/movimentos radicais e populistas ?!...]
---- Eis a razão porque o status quo é insustentável (-por D.Moreira, 27/6/2016, 365forte)
Lembram-se daquele sujeitinho checo de nome Kafka? Afinal «o processo kafquiano» não tem nada de imaginário! No nosso País, com a bênção deste desGoverno, é tudo bem real! Duvidam? Leiam p.f.
MEDO e 'raiva' é o que o que este país nos inspira! Uma distracçãozinha e lá estamos com um problema dos diabos! E com um (des)governo de fraldas, andamos todos borrados! Pudesse eu e emigrava ! Sem pestanejar !
---- Carta aberta ao Senhor Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social
Lisboa, 29 de Abril de 2015 Exmo Senhor Ministro, Dr. Pedro Mota Soares
... Escrevo-lhe esta carta com uma enorme raiva. Vai, assim, perdoar-me um ou outro termo menos correcto para si, para os serviços do seu Ministério ou para os políticos e povo português de um modo geral.
Sou Pai de quatros filhos (um rapaz emigrado e três raparigas), todos já a viverem fora de casa, com as suas vidas encaminhadas; todos com algumas dificuldades financeiras, uma em "estágios" que duram há dois anos, mas todos trabalhadores esforçados, honestos e cumpridores das suas obrigações com o Estado, com a sociedade onde estão integrados e pagadores de todas as dívidas assumidas. Nenhum tem empréstimos bancários, seja para imóvel, seja para crédito ao consumo. Nunca gastaram mais do que ganham.
Sou avô de quatro netos e 7/9 de outro que nos vai trazer felicidade a mim e à minha mulher de há 37 anos, juntamente com a minha filha e genro que esperam o seu terceiro filho. Ontem, esta minha filha, psicóloga e funcionária autárquica, grávida de 7 meses com gravidez de risco, com o respectivo subsídio entregue desde Fevereiro pelos serviços que V. Exa dirige, foi a uma farmácia comprar um remédio para uma doença crónica do seu filho mais velho de 6 anos. O pagamento por multibanco não "passou"... foi a uma 'atm' para levantar o dinheiro e recebeu, pela primeira vez, o recado de que a conta não estava disponível. Conta única pois o marido recebe o seu ordenado nesta mesma conta.
Deslocou-se ao banco tentando averiguar o que se passava. Resposta pronta: A Senhora tem a conta congelada por dívida à segurança social!
Ficou surpreendida e muito envergonhada...
"O quê?! Impossível..." - telefonou para a Segurança Social. Resposta: "tem uma dívida de 301,56 euros (78,09€ do mês de Abril de 2010, 99,38€ do mês de Outubro de 2010 e 124,09€ de Outubro de 2013 por mudança de entidade patronal) e acrescem juros ultrapassando já os 700 euros. Marcaram reunião para hoje às 13:30, no atendimento geral da divisão (?) de gestão de dívidas (?).
Entretanto, em consulta aos documentos que tinha em seu poder, e que a SS, serviços dirigidos por V. Exa., também tinham, verificou que:
. Em Abril de 2010 estava de baixa de risco da sua segunda filha, pelo que estava isenta de pagamento à SS!!! Em Outubro de 2010 estava de licença de parto dessa 2ª filha, pelo que estava isenta de pagamento à SS; em Outubro de 2013 a Junta de Freguesia de S. João, local onde trabalha há nove anos, foi integrada num conjunto de freguesias e, de acordo com a lei aprovada pelo Conselho de Ministros a que V. Exa pertence, o seu contrato de trabalho manteve-se pelo que não existe outra entidade patronal (como, aliás, seria evidente...mas das leis aprovadas neste país, o que é evidente às vezes torna-se absurdo...).
Chegou assim à conclusão que haveria um engano da SS e que seria fácil no dia seguinte resolver o problema! Deslocou-se hoje à SS que faz a "gestão das dívidas", acompanhada por mim, pois já não tinha dinheiro para os transportes, na Av. da República. Foi atendida por uma senhora de seu nome Emília Gião que, quase de imediato reconheceu a inexistência da dívida, mas ... a minha filha teria que preencher dois impressos ("requerimento genérico" e "pedido de regularização de dívida") entregando fotocópias de todos os documentos comprovativos. Ás perguntas que se seguiram foi respondendo:
P: "- desculpe, mas estes documentos já foram entregues à SS... onde vou agora tirar fotocópias?" R: "- Se quer que o processo ande rápido este é o caminho. Existe uma empresa de fotocópias mesmo aqui perto..."
P: "-Olhe lá, eu não pretendo regularizar uma dívida que não tenho, pretendo corrigir um erro destes serviços ... não tem um impresso para esse fim?" R: "...risos..."
P: "-Explique-me como é que, numa alegada dívida de 301,56 euros, e recebendo eu de vocês um subsídio de gravidez de risco de perto de 500 euros, vocês me congelam a conta toda, com um saldo superior ao valor pretendido e sem qualquer aviso prévio?" R: "- Nós mandamos congelar todas as contas em nome do devedor, independentemente do saldo e a senhora foi notificada em Set. de 2014!"
P: "-????, notificada, eu?!"; R:"- Sim, a notificação não foi entregue - depois de consultar o computador - mas nós consideramos para todos os efeitos como se tivesse sido".
P: "-Mas o que é que eu tenho que fazer para acabar com este martírio?!" R: "-Pagar a dívida! Não a pagando, só lá para Setembro/Outubro terá a conta descongelada..."; P: "Mas, como é que eu posso pagar essa alegada dívida se tenho a minha única conta congelada? E como vou fazer para pagar a renda de casa, a luz, a água, os remédios do meu filho, os transportes, o parto em Junho, tudo... como é que eu vou fazer?!" R: "- Peça emprestado!"
Entregamos a documentação e viemos embora ... com muito mais raiva do que a que tínhamos quando entramos.
Senhor Ministro: isto é a completa miséria! Isto é muito pior que uma ditadura! Isto é muito pior que mandar matar! Isto é muito pior que Salazar! Isto é muito pior que incompetência! Isto é o total desespero por saber que V. Exa. em nome do Estado Português, manda para a miséria uma família de 5 pessoas pouco importando se a Mãe dessa família está com uma gravidez de risco, porque esse facto, embora importante, não é o factor principal de raiva incontida ... a RAIVA é de nos sabermos impotentes para despedir V. Exa., todo o governo a que V. Exa pertence e todos os deputados desta pobre Nação que discutem o regresso da censura prévia para que ninguém saiba do estado a que isto chegou e, no final, ter uma pena enorme de todo este pobre povo que está com muito MEDO!
Sim, medo de ser despedido, medo de ser mal classificado pelo chefe, medo de perder o subsídio, medo de ser mal atendido no hospital, medo de ficar velho e morrer desamparado, medo do funcionário do fisco, medo do funcionário da segurança social, medo das rendas da EDP, medo das taxas, taxinhas e taxonas das autarquias, do IMI, do IUC, da taxa verde, do director e subdirector corrupto, do estágio sem garantia, do trabalho escravo, do (presente e) futuro dos filhos e netos, ... MEDO !!!
Obrigado por me ter deixado "desopilar"...
Melhores cumprimentos. Gaspar de S. Pinto
Acção inspectiva na Banca e Seguros - Trabalho de borla ! (-por A.B.Guedes, 13/2/2014)
A caminho de uma cultura AUTORITÁRIA ! A
ideologia neoliberal e as práticas do ajustamento da Troica estão a criar as condições para uma nova
situação autoritária no país! Vislumbram-se várias
práticas, atitudes e comportamentos que pressagiam um
neofascismo laboral, cultural e político. Podemos incluir aqui como indícios dessa cultura algumas práticas sádicas, hierárquicas e dominadoras entre a juventude estudantil, nomeadamente nas praxes académicas e nas relações violentas de namorados. Podemos incluir certos comportamentos de claques desportivas incitadoras de ações violentas.
Ainda mais preocupante é, sem dúvida, o que se passa em algumas escolas onde o bullying e o assédio vitimizam todos os dias crianças, funcionários e professores. Por outro lado, alguns programas de TV, com sucesso popular, desenvolvem sentimentos rasteiros, estimulando a vulgaridade e a superficialidade. Respira-se em vários setores da sociedade um certo amorfismo, uma não crença nas virtudes da democracia e da participação cívica. Luta-se por interesses imediatos e individuais e parece que poucos querem saber do chamado «bem comum».
Mas é no mundo das relações laborais onde mais cresce esse neofascismo, incluindo na Administração Pública! O assédio moral, a bajulice, o autoritarismo puro e duro, bem como o medo de ser despedido crescem de forma assustadora! Concomitantemente cresce o discurso e a prática antissindical nas empresas e na comunicação social. Desprestigia-se o sindicalista falando dele como um «pau mandado» dos partidos! Envia-se a mensagem para toda a organização que a militância sindical não é boa para quem quer fazer carreira. Os documentos sindicais são sonegados por chefias e por colegas, não se coloca placard para a informação sindical e criam-se outros constrangimentos. Pratica-se formalmente a lei fazendo de conta que se ouvem as organizações de trabalhadores, mas verdadeiramente não se ouvem!
O que mais impressiona é que estas práticas não são apenas apanágio de gestores e dirigentes da direita política! Inclui dirigentes e gestores que votam ou militam em organizações de esquerda. Isto significa que a cultura da repressão e do autoritarismo está a ser abrangente e pode, tornar-se, ou já é, dominante! Esta questão merece uma profunda reflexão! Até que ponto a cultura democrática e participativa está a perder terreno no nosso país e na Europa? Como enfrentar esta questão que está no coração de qualquer mudança profunda da sociedade? A cultura autoritária e opressiva apenas interessa ao capitalismo e á desigualdade social!
AVALIAÇÃO de DESEMPENHO é VENENO !
O poder do burocrata está em não se fazer entender (-por Daniel Oliveira)
Ia escrever sobre o caso da senhora de 79 anos que vive num bairro social do Porto. Tem as rendas em dia, não tem segunda habitação e não é rica. Tudo em ordem. Mas foi despejada por não ter respondido a notificações exigindo a apresentação nos serviços de declaração de IRS, recibos de vencimento, prova efetiva de ocupação do fogo e prova de inexistência de uma segunda habitação. O filho, que deveria ter entregue tudo isto, disse ao JN: " não sei se entreguei ou não, porque
ia lá e faltava uma coisa e depois outra...".
Henrique Monteiro antecipou-se. Como sobre o despejo, a frieza burocrática, a insensibilidade social e a incapacidade de resolver os problemas junto das pessoas disse tudo o que havia para dizer, quero aproveitar o mote que aqui deixou: "eu também me farto de receber papelada do Estado em casa e, muitas vezes, não percebo o que querem. É papelada com palavras a mais, citações de leis a mais e língua portuguesa a menos. Muitas vezes desespero e vou lá e não percebo que raio mais eles querem." Ou seja, quero falar aqui da complexidade da burocracia como forma de (abuso de) poder. Em coisas graves como estas e em coisas simples como uma multa de trânsito.
Acho que posso contar pelos dedos de uma mão as vezes que recebi uma notificação das finanças e percebi se devia alguma coisa, quanto devia e porque é que devia. E considero-me uma pessoa razoavelmente informada, que domina moderadamente a lei e a língua portuguesa.
Em alguns casos, trata-se de uma incapacidade. A mesma que leva a escreverem-se leis de interpretação duvidosa.Quem não sabe escrever ou falar não se sabe fazer entender. E quem não se sabe fazer entender não está capacitado para estipular as regras da vida social e de as aplicar. Porque leis e normas escritas, assim como a sua aplicação, se fazem através de palavras. E é tão doloroso ler algumas leis. Não tão doloroso como ler alguns acórdãos assinados por meritíssimos juízes.
Mas, em muitos casos, é bem mais do que isto que está em causa. Na minha infância, os meus avós, quando me queriam esconder uma coisa, falavam francês entre si. Aquilo, aos meus ouvidos infantis, fazia deles pessoas portadoras de segredos extraordinários. Coisas que me estavam vedadas e que deveriam ser ou sórdidas ou maravilhosas. E isso dava-lhes um poder absurdo. Até que aprendi francês e tive uma das maiores desilusão da minha vida. Desconhecedores que eram, como são todos os avós (e quase todos os pais), do que as crianças já sabem mas não dizem à sua frente, as suas conversas eram, na realidade, bastante desinteressantes para mim. Por vezes falavam mal, de forma inofensiva, de alguém. Outras trocavam piropos de outros tempos, que, na década em que eu cresci, já eram quase pueris. Quando percebi finalmente as suas conversas mais secretas o seu poder desvaneceu-se. Deixaram de ser adultos sábios e passaram a ser velhinhos inocentes. É que as palavras, mesmo quando são ditas na nossa língua materna, não se limitam a revelar. Também escondem. Não exibem apenas o poder que se tem, simulam o poder que se queria ter. E ao simulá-lo, esse fingimento torna-se em poder real.
O jargão académico, por exemplo, pode ser necessário. Por resultar de um acordo entre especialistas, que se traduz numa maior economia descritiva e num maior rigor na utilização de conceitos estabilizados. Mas muitas vezes tem apenas duas funções.
A primeira: selecionar quem é e quem não é da tribo, não por ser capaz de compreender ideias que por vezes são simples para todos, mas por poder desencriptar os códigos daquele grupo. O mesmo que fazem os jovens ou determinados grupos sociais quando usam calão em público. Não ser entendido por todos, mas apenas por alguns, é uma forma de selecionar. E quem seleciona dá poder a si e aos que seleciona.
A segunda: fazer parecer complexo o que é simples. Fazer parecer inteligente o que é básico. Fazer parecer que é novo o que é banal.
É desse mesmo poder que usa o burocrata. Na complexificação de procedimentos, que nos põe à sua mercê, incapazes de perceber onde acabam as regras e começa o abuso. Que lhe dá o poder de travar, de forma discricionária, os nossos direitos, bastando para isso mais algum zelo. Ou de nos fazer um favor, simplificando o que já podia ser simples. E no uso de uma linguagem codificada, que apenas os próprios e aqueles que se especializam em traduzi-la para nós podem entender. Estas duas armas do burocrata dão um poder extraordinário aos detentores do poder de Estado e aos que têm recursos culturais ou financeiros (contratando advogados ou contabilistas, por exemplo) para lidar com o Estado. São antidemocráticos porque aumentam a desigualdade na relação com o Estado.
Partimos sempre do princípio que a simplificação da linguagem a empobrece. Antes de mais, não é verdade. Escrever e falar de forma simples, clara e rigorosa é mais difícil do que usar jargão. Seja ele académico, profissional, burocrático ou geracional. Explicar ideias complicadas através de uma linguagem simples exige mais talento do que explicar ideias simples de uma forma complicada. Mas no caso do Estado a coisa é mais grave: a complexificação da linguagem e dos procedimentos permite a opacidade e a arbitrariedade, reduz o acesso democrático de todos aos seus direitos e afasta o Estado daqueles que o Estado deve servir.
Se eu, que tive acesso a uma educação razoável, sinto isto sempre que me relaciono com os serviços públicos, não é difícil imaginar o que sente uma senhora de 79 anos que viva num bairro social. Não, não foi a frieza burocrática dos serviços que despejou esta senhora. Foi o autoritarismo antidemocrático de uma determinada forma de ver o Estado e o seu papel na sociedade. Que se exibe em todos os momentos. É um Estado que "notifica" mas é incapaz de falar com os cidadãos com palavras que a generalidade das pessoas entenda. Porque é na incapacidade de se fazer entender que está o seu poder. Tanto maior quanto mais frágil for a sua vítima.