Quinta-feira, 05.01.17

Breve encontro

     A propósito de uma morte que deixa um lugar vago. (...) 
     E (na entrevista) perpassou igualmente uma sensação de dissabor, de frustração, com tudo o que se estava a acontecer, a desmoronar pela Europa naquele ano maldito de 2012. Quatro anos passados, o ambiente mudou um pouco, mas tudo está ainda por fazer.

   Entrevista a  Anthony Atkinson: austeridade tem de passar por mais impostos e menos cortes de despesa     ,

O professor britânico Anthony Atkinson diz que a preocupação europeia de reduzir o fardo das dívidas públicas, em nome dos filhos e netos dos cidadãos, não vê que os cortes nas infra-estruturas públicas não tornarão as suas vidas mais fáceis. E defende que tem de haver outra (forma de) austeridade.

Anthony Atkinson (nascido em 1944) tem um dos mais impressionantes curricula vitae. Foi conselheiro do Parlamento britânico e do primeiro-ministro francês Jospin, é dos mais conceituados especialistas em distribuição do rendimento e, na semana passada, veio a Portugal receber o seu 19.º título de professor honoris causa, concedido pelo ISEG, de Lisboa.Escreve desde os anos 60 sobre a desigualdade na distribuição do rendimento. E o tema continua actual. É um combate perdido para si?

[risos] O que me está dizer é que perdi os últimos 50 anos... [risos] Bem, penso que a resposta é não, porque temos de nos perguntar se as coisas melhoraram ou pioraram. Felizmente, acho que melhoraram. E o mais importante é que o tema está no debate público. No princípio dos anos 60, no Reino Unido, pensava-se que não havia pobreza. Tínhamos Estado-providência, pleno-emprego, crescimento económico e ninguém era pobre. Uma das coisas que me fizeram estudar Economia foi ler um livro intitulado Os Pobres e os Mais Pobres [um livro de Brien Abel-Smith, então ministro do Trabalho, 1965]. Um estudo muito famoso que mostrou que, apesar disso, havia um problema sério, nomeadamente nas famílias com crianças. E desde aí as coisas melhoraram. E pioraram também. Mas penso que as pessoas já estão alertadas e discutem esse problema ao nível europeu.

E como vê o debate actual?

Há três ou quatro anos, em plena crise, pensava-se que a adopção da Estratégia 2020 (pela U.E.) era um sinal de que se estava consciente de que a Agenda de Lisboa [que queria tornar a Europa numa das zonas mais competitivas do mundo] era insuficiente. E, na maioria dos países, fomos particularmente bem-sucedidos, em termos de crescimento do emprego. Afinal, não se estava tão consciente disso. Interessante é notar que, nesse período, o país em que a pobreza se tornou mais importante foi... [Anthony Atkinson cria suspense] Qual pensa que foi?...

A Alemanha.

Exactamente. A Alemanha expandiu o emprego, criando muitos empregos mal pagos.

Como pôde isso acontecer?

Por política deliberada. Cortando nos subsídios de desemprego para encorajar as pessoas a aceitar salários mais baixos. Mas, ao mesmo tempo, criando empregos mal pagos. E também tomando medidas para que a negociação colectiva se tornasse menos importante. E ainda pela privatização de um número considerável de sectores.

Muitas dessas medidas fizeram, nos últimos dez anos, com que subissem os baixos níveis de pobreza da Alemanha. E como se trata de um grande país, isso significa que, no seu todo, o mesmo aconteceu à Europa. E acabou por encobrir as melhorias observadas, por exemplo, em Portugal, Reino Unido e num número considerável de países.

Mas diz-se que essas medidas ajudaram a Alemanha. Há um conflito entre competitividade e coesão social?

Não penso que tenha de haver. Os custos do que foi feito é que não foram tidos em conta. O que se pensou foi que era só necessário criar empregos. Acho que é perfeitamente possível combinar esses dois aspectos. Mas não acho que se consiga reduzindo a protecção social, como fizeram. E essa foi a receita política recomendada pela OCDE noutros países. Mas acho que a própria OCDE já se apercebeu de que não resultou. Há já uma mudança de opinião.

Acha mesmo?

 Sim. Porque a OCDE produziu dois importantes relatórios nos últimos quatro a cinco anos. Um chama-se Divided We Stand, Why Inequality Keeps Raising, sobre a ineficácia em reduzir a protecção social.

Mas em Portugal todas essas medidas estão a ser tomadas.

Talvez o que se tenha de fazer é lembrar aos dirigentes governamentais que há um conjunto de objectivos de longo prazo, para lá da consolidação orçamental. E que já há movimentos a defender ideias novas que o tornam possível.

Em parte, é reconhecer que se queremos baixar o nível da dívida nacional – porque é um fardo para os filhos e netos - ter-se-á de reconhecer que também não é bom para eles caso se corte em infra-estruturas públicas, hospitais, estradas, escolas, etc. E que, se o fizerem, será muito gravoso para a educação. As crianças são quem mais vai sentir esse esforço de ajustamento. É desonesto reduzir a dívida nacional para ajudar os nossos filhos e netos e, ao mesmo tempo, passar-lhes um país sem bons hospitais, escolas ou estradas e onde não lhes são dadas oportunidades para trabalhar. As suas vidas serão afectadas para sempre. Há que reconhecer que, se estamos a alterar as regras orçamentais, as despesas de capital não deveriam fazer parte do cálculo do défice orçamental. Tal como, em certos países, as despesas em educação por criança. Seria uma forma de encorajar esses países a não cortar nas escolas, etc. Isso fará com que tenham mais crianças e ajudará, no futuro, esses países. E isso é também uma forma de olhar para o futuro da Europa.

Há uma visão curta na forma como se combate o défice?

Uma visão curta e socialmente injusta. Porque, como no meu país, os mais velhos têm sido protegidos. Tirámos vantagens do crescimento anterior e os nossos filhos estão a confrontar-se com dificuldades crescentes. Exemplo disso são as mudanças climáticas que, no futuro, trarão problemas consideráveis. Há uma questão muito séria em que é preciso pensar: não é apenas como introduzir austeridade, mas igualmente quem a paga. E o aumento de impostos é uma parte importante dessa questão. Começa-se já a reconhecer – pelo menos no Reino Unido – que os impostos são motivo de discussão moral. Nomeadamente, sobre quem evita a tributação. O primeiro-ministro já veio dizer que isso até pode ser legal, mas não é correcto. Todos devem pagar impostos. Pelo menos os mais ricos.

Mas a Estratégia 2020 ainda está no papel.

Está no papel, mas acho que... As pessoas acham que se trata de conversa barata. Não é inteiramente verdade. Acho que é um desafio para os nossos cidadãos também. “Vocês assinaram isto, querem reduzir a pobreza e exclusão social na Europa em 20 milhões de pessoas, como o vão fazer? Como o vão conseguir se cortam aquilo e ali?”

É possível combinar essa estratégia com a austeridade?

Penso que sim. O que é preciso é um pacto intergeracional ou algo parecido. Temos de lidar com finanças públicas, sim; mas isso significa aumento de impostos, mais do que cortes orçamentais. Temos de mudar a forma como a austeridade está a ser feita, tendo em conta quem é que a está a pagar. Ou seja, cobrar os impostos às pessoas que não estão a pagar. Fico chocado quando há tanto dinheiro envolvido em esquemas [de planeamento fiscal, evasão fiscal]. São literalmente milhares de milhões de euros que desaparecem. Mas os objectivos da Estratégia 2020 são bastante prospectivos. Por exemplo, expandir o número de postos de educação universitária. Mas isso não se pode fazer aumentando as propinas. Temos de encorajar as pessoas. Ter-se-á de desenhar um pacote de austeridade que ajude esse esforço, e não o inverso. Pode ser feito, por exemplo, com impostos na área ambiental. Ou com impostos sobre rendimentos mais elevados.

Mas isso não afectará a competitividade da economia?

Há poucas provas que sugiram esse efeito. Muito poucas.

E tributar a propriedade?

Essa é uma boa questão que geralmente é deixada de fora. Se olharmos para a riqueza não apenas como propriedade de terras ou imóveis, mas também como acções e outras formas, nos últimos 10/20 anos a quantidade dessa riqueza duplicou face ao rendimento nacional. Aconteceu no Reino Unido e nos Estados Unidos. Isto sem contar com as pensões. A riqueza tornou-se muito mais importante do que nos anos 80. Por isso, temos de voltar a olhar para como se tributa a riqueza. Mas, mais importante ainda, como se faz a transferência dessa riqueza, através dos herdeiros. Em França ou no Reino Unido, essa riqueza tem aumentado nos últimos 10-15 anos. As pessoas recebem somas consideráveis de dinheiro sem ter de trabalhar mais.

Tributar a “morte”?
Quais as suas previsões sobre a desigualdade na Europa?

Há um relatório muito interessante sobre diversos países, sobre o período a seguir à crise de 2008. Nos primeiros dois/três anos, houve alguma quebra nos rendimentos mais altos na maioria dos países. Em parte, isso deveu-se ao que foi feito pelos Governos em todo o mundo – China, Estados Unidos, G20 – que, em 2009, aprovaram o pacote de estímulo, como forma de manter os rendimentos familiares e os rendimentos mais baixos. E foi um sucesso. Nunca percebi por que isso nunca foi sublinhado. Então o PIB caiu ao redor dos 5%, mas até 2011 os rendimentos familiares não caíram tanto. Agora estão a cair. O pacote de estímulo está a chegar ao fim e começam a cortar nos subsídios. Haverá um renascimento da pobreza e acho que as coisas tenderão a piorar. Portanto, a minha previsão não é muito boa. No longo prazo, depende de como se pretende atingir os objectivos.

 --[veja-se a desgraça e problemas causados pelo «neoliberalismo»/ defensores/ apoiantes e políticos neoliberais, ...https://www.theguardian.com/books/2016/apr/15/neoliberalism-ideology-problem-george-monbiot]

----- Essencialmente, a dívida pública não pára de aumentar desde… sempre?

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Fonte: Banco de Portugal, via Jornal Económico

      Realidade pura e dura: o crescimento da dívida pública tem sido constante, tanto no anterior governo PSD/CDS, como no actual governo PS. É um indicador que continua mau, mesmo com aquele solavanco para baixo em Novembro passado.

A PAF lá vai procurando malhar na Geringonça com os números que ainda não se endireitaram, esperando que os portugueses se tenham esquecido que:

  1. A dívida pública não parou de subir com a PAF;
  2. E que, apesar dos vários aumentos (brutais) de impostos, não conseguiram uma única vez chegar aos resultados positivos que Costa conseguiu, como por exemplo controlar o défice.

Este crescimento da dívida é insustentável. Era-o no tempo de Passos Coelho e é-o agora com Costa – alguma coisa terá que mudar. Mas, para variar, nem tudo é negativo. Não precisamos de optimismo saltitante, pois a situação não dá para tanto, mas, sinceramente, está claríssimo que o rumo que a direita escolheu no passado não nos levaria, como não levou, a lado algum.



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Quinta-feira, 10.11.16

---  A “Europa” está podre :    França fez “acordo secreto” com Comissão da UE para não cumprir metas do défice (via Aventar)

(via  Entre as brumas ...):

 --- A mentira é a regra da União Europeia. (José Soeiro) 

«Que pensar então de tudo isto?    Primeiro, que este projeto europeu bateu no fundo, mesmo para quem achava que não havia mais fundo para bater. É uma teia de mentiras, de jogos de dissimulação e de degradação democrática.     Segundo, que a única atitude digna é desvincularmo-nos de um embuste que nos aprisiona. Esse embuste chama-se Tratado Orçamental e tem vindo a destruir as democracias e a própria União. A mentira é apenas o outro lado da estupidez das regras deste Tratado. Com elas, não há Europa que sobreviva.»

--- A Grécia não está parada

  Comissão de auditoria à dívida grega reuniu em Atenas.
       ««A comissão impulsionada pela ex-presidente do parlamento grego prossegue agora como associação cívica e promete continuar a luta pela suspensão do pagamento da dívida.(…) 
    Zoe criticou ainda a posição do novo governo, que deixou de falar na redução do montante da dívida, passando a reclamar apenas a sua restruturação de juros e montantes. E sublinhou a necessidade de continuar o trabalho da auditoria, agora sob a forma de associação cívica.»

--- Desobedecer aos credores para romper a austeridade. (E.Toussain e F.Martín) 

     «A experiência mostra que os movimentos de esquerda podem chegar ao Governo sem conquistar o poder. A democracia, ou seja o exercício do poder pelo povo e para o povo, requer muito mais.» 
---   O  tal  Summit      (-José Soeiro, no FB)
 
«Segundo os jornais, o Web Summit 2016 teve um financiamento público de 1,3 milhões de euros, pagos pelo Estado, para acontecer em Lisboa (os "empreendedores" que organizam estas coisas não sobrevivem afinal sem um subsídio generoso do bom e velho Estado). 
    Para partilharem as suas ideias de negócio e arranjarem uma "oportunidade", os participantes têm de pagar à organização um bilhete que oscila entre as módicas quantias de 700 euros e de 5 mil euros. 
   O evento tem 663 oradores, dos quais só 120 mulheres; 32 são portugueses, dos quais só duas mulheres (somos modernos, mas pelos vistos sucesso e negócios continuam a ser coisas de homens...). 
    Quem garante o funcionamento do encontro são cerca de 2500 voluntários, que, nessa condição, recebem zero pelo seu trabalho.
     Pergunto:  -- é mesmo a isto que se anda a chamar "futuro"?»
--- «Investigate Europe»: Desmitificar é preciso  (-N.Serra, 27/10/2016, Ladrões de B.)
 
 Nove jornalistas europeus de diferentes nacionalidades constituíram, em julho passado, o Investigate Europe, uma plataforma editorial que vale a pena acompanhar. Trata-se de uma rede transfronteiriça de jornalismo de investigação que se propõe cruzar dados e verificar factos, por forma a confrontar muitas das narrativas hegemónicas da crise, da austeridade e das opções políticas dos países. Para nesses termos desmontar mitos e ideias feitas, os enviesamentos e as perceções infundadas a que essas narrativas dão lugar, numa ampla difusão nas televisões, rádios e na imprensa escrita.
     Sabemos, desde o início da crise financeira, que a colonização do espaço público de debate pela narrativa dos «sacrifícios» e do «ajustamento», da «austeridade expansionista» e das «gorduras do Estado» foi decisiva para transmutar os efeitos nefastos da desregulação do sistema bancário e financeiro num problema de dívidas soberanas, apontando de caminho o dedo ao Estado, à social-democracia e às políticas keynesianas, como sendo os grandes responsáveis pela crise. Do «viver acima das possibilidades» ao «erro das políticas de investimento público e de redistribuição», das sacrossantas «reformas estruturais» ao mito dos «países preguiçosos» do sul e à necessidade de criar mercados e «flexibilizar» as relações laborais.
    De facto, se «o mundo dos nossos dias não se circunscreve às fronteiras nacionais, os jornalistas também não se devem aí confinar», defendem os nove autores do Investigate Europe. Tanto mais quanto, acrescentam, «os factos e as análises que demonstram a interdependência» entre países, economias e sociedades tendem a rarear na comunicação social, à escala europeia. Razão pela qual, referem ainda, a constituição de redes de jornalistas de diferentes países permite recolher e decifrar a informação e os dados necessários à desconstrução de mitos, ideias feitas e falsas narrativas. O Investigate Europe pretende ser uma dessas redes e o seu surgimento é pois uma excelente notícia, desde logo para o pluralismo, no debate político-económico.


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Quarta-feira, 13.07.16

---- Um Conselho Europeu em negação...

"Confrontados com o "Brexit" e outras provas do afastamento dos cidadãos do projecto europeu, exige-se um sobressalto, abandono da austeridade ultra-liberal, um caminho refundador para a União.
    Em vez disso, o Conselho E. mostra-se em negação da realidade: parece que já não há deveres de asilo,nem direitos humanos, nem sequer refugiados - evaporaram-se graças à negociata com a Turquia, replicada com regimes opressores africanos. O foco nas Conclusões deste Conselho está em retorno de migrantes e controlo de fronteiras.
     O Conselho deixa, assim, a extrema-direita xenófoba fazer-lhe a agenda, tal como deixa o Dr. Schäuble forçar a deriva inter-governamental, agora instigando injustas e imorais sanções contra Portugal e EspanhaUm Dr. Schäuble Strangelove que pode acabar por dar cabo da União, se Conselho e Comissão não acordarem e rapidamente arrepiarem caminho!"
    [intervenção de AG em debate no plenário do PE sobre as conclusões do Conselho Europeu de 28/29 de Junho]

---- Contra a selva fiscal na Europa    (-por AG, CausaNossa)

"Saúdo os co-relatores Jeppe Kofod e Michael Theurer por este relatório de seguimento da Comissão TAXE-2, que mostra que o Parlamento Europeu agiu face ao escândalo "Luxleaks" e segue na linha da frente do combate à fraude, evasão e ilisão fiscais

Queremos justiça e transparência para reverter o desastroso consenso de desregulação financeira e concorrência fiscal entre Estados-Membros nos últimos 20 anos, que acentuou a divergência  entre Estados Membros  e insuportáveis distorções económicas e sociais. Acossados pela austeridade ultra-liberal, os cidadãos e pequenas e médias empresas são os mais castigados pela opaca selva fiscal vigente na Europa, suportando desproporcionadamente a carga fiscal. 

Não nos conformamos com um Mercado Interno que não pode assegurar concorrência leal sem um mínimo de harmonização fiscal. E  que não pode continuar a tolerar "patent boxes" e outras  "ajudas de Estado" dadas às multinacionais em esquemas para evitarem pagar impostos.

Comissão E. e Conselho E. não podem demorar passar á prática as nossas recomendações, dos relatórios públicos país por país, a uma base comum consolidada de imposição, à protecção dos denunciantes e a sanções para quaisquer facilitadores de esquemas de "dumping" fiscal, incluindo o confisco de proventos

É preciso parar de atacar o projeto europeu com políticas que acentuam  injustiça e desigualdades, e que, portanto, desencadeiam compreensível revolta nos cidadãos. Como bem sublinhou o Comissário Moscovici - que saúdo pela sua interacção com o Comité TAXE - esta é uma questão essencial da democracia nos nossos Estados Membros e na Europa".

[Minha intervenção esta tarde no debate plenário do PE sobre "Acordos Fiscais e outras medidas semelhantes" (Comissão TAXE 2  sobre o escândalo "Luxleaks")]

---- Contra o Brexit: fiquem e ajudem a mudar a União Europeia !

    A ameaça de Brexit - que eu espero que o povo britânico não deixe concretizar-se - convoca-nos para avançar no aprofundamento da integração europeia. Contra a Europa da austeridade neo-liberal que semeou insegurança ao destruir emprego e extremar desigualdades. Contra a Europa fortaleza que desumanamente fecha fronteiras a quem pede proteção. Isolacionismo, intolerância e exclusão só alimentam radicalização e conflito nas nossas sociedades e globalmente. 

    O referendo de hoje está longe de ser apenas sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia e, acima de tudo, de ser apenas sobre o Reino Unido: afecta toda a Europa e terá repercussões por todo o mundo. Por isso estive no passado fim-de-semana em Norfolk, a acompanhar o meu colega trabalhista Richard Howitt na campanha contra o "Brexit": acredito que o futuro da Europa  - uma Europa mais unida, mais solidária e mais democrática - precisa da contribuição do Reino Unido. E que um Reino Unido pró-europeu pode ser determinante para fazer na União Europeia as mudanças de que ela tanto precisa.

    Muitos são os jovens britânicos que não concebem um futuro sem União Europeia. Fizeram Erasmus e voluntariado fora, não foram obrigados a partir para a guerra, estudam e trabalham com colegas de várias nacionalidades, viajam e sentem na pele as vantagens de fazer parte de uma União que trouxe a paz a uma Europa martirizada por séculos de guerras. O resultado do referendo dependerá, em grande medida, de estes jovens não ficarem hoje em casa e mostrarem nas urnas um Reino Unido que não abandona a União, antes deseja reformá-la, torná-la mais forte e eficaz na regulação global.

    Sou a primeira a defender que a UE precisa de reforma na sua estrutura e nas suas políticas - e por isso sou construtivamente muito crítica e me bato diariamente por mais democracia, mais transparência, mais responsabilidade, mais coerência e mais eficácia. É importante reconhecer que a União se afastou perversamente do projecto e dos valores fundacionais em muitos aspectos. E que o descontentamento e a desconfiança que suscita hoje em muitos cidadãos não acabará amanhã, seja qual for o resultado na Grã-Bretanha. As políticas de desregulação neo-liberal criaram desemprego, exclusão, desigualdades e injustiças que explicam o ressentimento político e o sentimento de insegurança instalados em amplos sectores das nossas sociedades, contamináveis e instrumentalizáveis por discursos populistas xenófobos e intolerantes e por radicalismos que podem resvalar para o extremismo violento e até para o terrorismo. Deixámos instalar desunião e desconfiança, em vez de promovermos solidariedade e tolerância. E o ódio e a extrema direita fazem vítimas, como o brutal assassinato de Jo Cox (deputada trabalhista pró-UE) tragicamente ilustra.

Este referendo será sobre a sociedade em que querem viver os britânicos. Importa fazer dele, qualquer que seja o resultado, impulso determinante do que queremos nós todos, europeus, sobre a sociedade e o mundo em que vamos viver. Importa fazer valer as palavras que Jo Cox não se amedrontava de usar: "Temos muito mais em comum do que aquilo que nos divide"!    

(nota: venceu o Brexit, o R.U. sairá da U.E.  ... esperemos que fique na Europa dos Cidadãos)

----- O BREXIT e o mais que adiante se verá    (R.P. Narciso, 28/6/2016, PuxaPalavra)

"Os Prós e os Contras", quiçá por masoquismo fiquei por ali um pouco. Logo havia de aparecer a perorar o gnomo Moedas que agora é comissário europeu. O Moedinhas "explicou" como devemos entender os resultados do referendo do Reino (des) Unido. "Que o mundo mudou muito! Há 30 anos a Europa representava 30% do PIB mundial e a China 2% e agora a UE 20% e a China 14% e portanto coisas destas, como o Brexit não admira que aconteçam e tudo se resolverá como deve ser" e tal. Que ele está bem e os seus patrões ainda melhor e a "arraia miúda" não se deve meter onde não é chamada porque só tornaria as coisas piores, etc.

    Os países, os respectivos governos, é óbvio, que contam alguma coisa para a condução da ALTA POLÍTICA mas quem efectivamente a comanda é o poder globalizado do, chamemos-lhe assim, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL que mais ou menos directamente controla os governos ou estes são a sua expressão, através de eleições "bem conduzidas" pelas suas máquinas de propaganda globais.

    Mas em que consiste essa tal alta política? É uma coisa simples, velha como a humanidade: COMO VAMOS REPARTIR A RIQUEZA CRIADA? Sem retirar importância a «COMO criá-la».

    A guerra é menos entre nações do que entre classes sociais dentro de cada nação e, com o mundo globalizado, entre os despossuídos do meu e do teu país, à escala europeia e à escala mundial e os 0,1% "donos disto tudo". É uma guerra internacional transnacional, de magnatas e grandes empresas (sem pátria nem lei, com base em 'offshores'...), contra os cidadãos e os Estados (para controlar/ capturar/ explorar seus cidadãos e recursos).

    A saída do RU da UE vai colocar a burocracia de Bruxelas, os Moedas e Ciª, os Schauble's, as Merkel's ou o lambreta-Holande, em estado de choque? Só um pouco. Vão então transformar a UE dos mercados financeiros na Europa dos Cidadãos? Obviamente NÃO e NÂO. Mas  perturbará, o Brexit, a maquinaria de (Londres/City/) Bruxelas/Berlim/Frankfurt e incendiará a mente do "povão" europeu a ponto de a obrigar a inverter o rumo político? Isto é, a redistribuir a riqueza? A canalizá-la para o investimento produtivo em vez da especulação financeira, para a criação de emprego, para a educação, a saúde, os apoios sociais? Talvez um pouco. Talvez crie algum sobressalto mas só e só a elevação do grau de consciência, de organização e de luta dos cidadãos/ vítimas de Bruxelas/Berlim/Frankfurt/City_of_London/WallStreet/..., isto é, dos "MERCADOS" poderá encaminhar ou refundar esta UE, cada vez menos democrática, menos social, menos solidária para a tão sonhada Europa dos Cidadãos.

----- Para os britânicos que residem em países da UE é de considerar facilitar-lhes a obtenção da cidadania (dupla) do país onde residem - tal como afirmou S.Gabriel, vice-chanceler da Alemanha.

---- “Não podemos ser sancionados por uma política que os eleitores já sancionaram nas urnas

 Numa iniciativa inédita que assinalou os 10 anos do esquerda.net, Catarina Martins respondeu em direto a questões dos leitores no Facebook sobre as sanções a Portugal. 5/7/2016.

Catarina Martins começou por referir-se ao funcionamento das sanções previstas no Tratado Orçamental e o seu processo de decisão, a partir da proposta da Comissão Europeia ao Conselho Europeu. “São sanções políticas, não são sanções técnicas. São decididas sem que as pessoas dos países afetados sejam ouvidas”, lembrou a coordenadora do Bloco. (...)

“A Comissão Europeia foi responsável por estas políticas. Os resultados foram tão maus que os eleitores já sancionaram o anterior governo nas últimas eleições. Se estão a julgar o que aconteceu, não podem fazer sanções pelo que vai ser”, declarou Catarina, sublinhando que “Portugal não se devia ter obrigado a respeitar tratados e regras que são absolutamente absurdas”.

Catarina Martins destacou a diferença de tratamento dada agora aos países do Sul, com estas “sanções propostas pela direita europeia contra Portugal e Espanha num contexto em que nunca houve sanções na Europa”. A esse propósito, lembrou que no caso da França, “que teve o mesmo incumprimento, não se fala sequer de sanções”.

“A Comissão Europeia nunca previu sanções para países com desequilíbrios comerciais, a Alemanha tem vários excedentes comerciais e nunca sofreu sanções por causa disso. Nem sequer deixou que se regulasse qual era o tipo de sanções para casos iguais ao seu”, prosseguiu Catarina. 

“Não devemos aceitar as sanções. Não podemos ser sancionados por uma política que os eleitores já sancionaram nas urnas”, reforçou a coordenadora do Bloco, apontando responsabilidades ao PSD, PS e CDS pelo “tremendo erro” quando os seus eurodeputados votaram em Estrasburgo as regras que permitem as sanções, e no parlamento português ratificaram o Tratado Orçamental. E voltou a defender que no caso da aplicação de sanções seja convocado “um referendo para perguntar a quem vive neste país se quer mesmo viver neste regime de sanções”. (e discricionárias !)

A coordenadora bloquista saudou a proposta do PCP da realização de uma conferência intergovernamental para acabar com o Tratado Orçamental. “Mas o problema é saber se temos aliados numa conferência intergovernamental em que se senta Merkel, Hollande e Rajoy. O importante é que em cada país se pergunte a quem cá vive o que quer desta Europa”, defendeu.

Nas respostas de Catarina, não faltaram críticas ao atual estado da União Europeia que é hoje “uma construção de dominação e subalternização”. “Somos internacionalistas e europeístas. Mas para um governo hoje ter força na Europa tem de ter a coragem de debater abertamente com o seu povo o que é a Europa hoje. Não podem ter medo da democracia”, sublinhou, acrescentando que “para um governo fazer um confronto tão difícil tem de saber que tem apoio popular”.

“Esta Europa já não promete o nivelamento por cima, afirma-se claramente como o lugar onde os estados grandes dominam e os estados pequenos sofrem”, prosseguiu Catarina, defendendo que “a Europa não tem sentido se disser que em Portugal não pode haver emprego ou Estado Social”. “Se Portugal não souber defender a sua economia, não haverá recuperação de rendimentos. Se aceitarmos que a Europa funciona sem democracia, então o que estamos aqui a fazer?”, questionou.

A responsabilidade dos partidos da direita no apoio às sanções foi outro dos temas focados nesta entrevista online dos leitores do esquerda.net. Catarina Martins lembrou que o Partido Popular Europeu – que integra PSD e CDS – “é o mais forte na Europa”. “Era interessante perguntar a Assunção Cristas, que defende que não deve haver sanções, continuará no PPE se houver sanções. Ou ao PS se continua a achar que foi uma boa decisão apoiar todos os tratados que colocam Portugal na posição em que está”.



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Terça-feira, 12.07.16

----- Regras da UE: 114 furos no défice e na dívida  (-L.Toscano, 4/7/2016, geringonça)

As contas são do prestigiado instituto alemão IFO. 114! O número de vezes que, entre 1995 e 2015, os países da União Europeia furaram o objectivo de 3% de défice público, definido pelo Tratado de Maastricht. Sabem qual o país que mais vezes violou esta regra? Portugal? Não. Grécia? Também não. Espanha? Tampoco. Irlanda? No. França? Oui!

A França violou 11 vezes o objectivo dos 3% para o défice público! Grécia, Portugal e Polónia dez vezes. Reino Unido nove, Itália oito e Hungria sete vezes. Mas será que a Alemanha respeitou sempre as regras? Será que os alemães, esses amigos de Passos e Maria Luís, esses mesmos que vivem na capital onde Marcelo e Costa têm que ir pedir clemência e compreensão para os números do défice de 2015, nunca violaram as regras?

Pois bem, a Alemanha já violou a regra de ouro não uma, nem duas, nem três nem mesmo quatro, mas sim 5 vezes! A Alemanha já furou a regra do limite de défice público por 5 vezes. Mas que autoridade tem a Alemanha para pedir, exigir e clamar o cumprimento das regras? Nenhuma. Ou o ministro das Finanças alemão para mandar recados sobre o que quer que seja a outro país soberano? Nenhuma.

Ok, mas quando os alemães e/ou os franceses não cumpriram foram sancionados? Não! Nunca foram e tiveram até uma benesse quando, em 2004, violaram ambos o défice dos 3%. O cumprimento da regra foi suspenso, imagine-se! Durante dois anos, aliás. Mas então para que serve esta regra? Para ser violada. E a regra dos 60% de dívida pública no PIB? Para ser contornada. Então, se as duas principais regras europeias são sistematicamente violadas, para que servem? Pois bem, é aqui que queria chegar.

Fomos habituados a acreditar que o projecto europeu se construía de acordo com a racionalidade e consentida transferência de competências soberanas para a União. O chamado “princípio de atribuição”. O desmoronamento da Europa, o assalto ao poder de Bruxelas pela tecnocracia neoliberal tornam-nos a todos peões da arbitrariedade e chantagem da burocracia europeia. Será que o podemos catalogar como “princípio da subjugação”? Até quando, eis a questão.

----- Europa  dura      (-por CRG, 12/7/2016, 365forte)

 "As regras são as regras" -  Sapin, Ministro das Finanças Francês

    Das poucas coisas que retive do estudo do direito romano foi que a expressão "dura lex sed lex" surgiu no seu declínio: por falta de talento, os romanos tornaram-se incapazes de arranjar novas soluções que fossem justas, pelo que se limitavam a seguir cegamente a lei, insensíveis aos mais básicos princípios de justiça. Na verdade, quando o único argumento para aplicação da uma norma é a sua existência, o mais provável é que esta seja injusta. E quando a possível sanção, ou  a sua promessa, dificulta o cumprimento da norma, chega-se ao cúmulo da irracionalidade. E, finalmente, quando quem profere estas palavras é o Ministro do país que mais vezes incumpriu com os limites do défice, sem nunca ter sido sancionado chega-se a um nível que nem André Breton julgaria possível.

    No entanto, o episódio das sanções não se resume à questão jurídica. Sendo, aliás,  sobretudo política. A primeira tenta esconder-se sob a autoridade da primeira (regras) do mesmo modo que a opção política de combate à crise refugiou-se sob uma suposta autoridade económica. Em ambos os casos, uma análise mais cuidada desfaz esse manto de autoridade, revelando uma instituição disforme e arbitrária. Em declínio?

----   O  triunfo  dos  porcos      (-J.Mendes, 12/7/2016, 365forte)

    Tenha cuidado:  uma série de palermas, fundamentalistas, terroristas financeiros e restante seita, deliberadamente ou apenas por serem parvos, vão tentar convencê-lo de que o que está a acontecer é fruto da acção do actual governo, o que em teoria é tão verdade como as cores do equipamento do Benfica serem o azul e o branco. Na prática fará algum sentido na medida em que o facto do actual governo não sentar, rebolar e dar a pata aos ayatollas de Bruxelas como o anterior, teve como consequência uma manobra mediática absolutamente desonesta e demagógica, que responsabiliza António Costa pela porcaria feita por Passos Coelho e restantes compinchas além-Troika. Contudo, importa reforçar para quem ainda esteja sobre o efeito da propaganda neonacional-socialista, as sanções dizem respeito aos valores do défice de 2015, durante o qual a clique do PàF repetiu a façanha do incumprimento. Importa também referir que, tal como Portugal e Espanha, os dois únicos e inéditos potenciais sancionados, também a Croácia, a Grécia, o Reino Unido e a França violaram as metas estabelecidas. Mas nesta espécie de união com “u” minúsculo, impera a iniquidade. Dois pesos, duas medidas.

  Um agradecimento especial a esse grupo de burocratas não eleito que é o Eurogrupo, que tudo fez para punir Portugal, ao responsável pelo Mecanismo de Estabilidade Europeu, Klaus Regling, que perante o Brexit e o Deutsche Bank a falhar os testes de stress do BCE conseguiu a proeza de eleger Portugal como o caso mais preocupante no seio da UE, ao nazi das finanças alemão, esse verme totalitário que há uns dias decidiu prejudicar deliberadamente o nosso país por imperativos ideológicos, e, claro, ao lacaio-chefe dos anteriores, mestre da aldrabice e incumpridor fiscal, homem que pouco mais fez na vida do que ser jota, dominar os corredores da política subversiva, abrir portas e chegar a primeiro-ministro sem ter feito, uma vez na vida que fosse, algo de útil ou produtivo para o país. Há dois meses, alinhado com o discurso fanático do PPE, Passos Coelho pedia “força máxima” na aplicação de sanções contra o péssimo trabalho que liderou desde São Bento. Já era tempo de Pedro Passos Coelho atingir uma meta a que se havia proposto. Escusava era de ser esta.

     A ver vamos como esta novela termina. E ainda que acabe por não haver qualquer sanção, ou mesmo sanção zero, este episódio é revelador do estado a que a União Europeia chegou: um projecto sem rumo e cada vez menos democrático, onde comportamentos e resultados iguais recebem tratamento diferenciado dependendo da ideologia (ordo-neoliberal) dominante nos diferentes governos e dos humores e frustrações daqueles que efectivamente mandam nos restantes, e onde os mais altos responsáveis políticos estão dispostos a promover a destruição e o caos financeiro para vergar aqueles que não se submetem de forma absoluta ao totalitarismo burocrata de Bruxelas e da Alemanha de Adolf Wolfgang Schauble. Precisamente o oposto daquilo a que nos propusemos. Depois admirem-se que a construção europeia esteja em risco e que a palavra referendo esteja tão em voga. São estes fanáticos que a estão a destruir com punições contraproducentes e autodestrutivas.

----  Democracia na UE? A machadada de Costa   (-por D.Moreira, 12/7/2016, 365forte)

   Quando o PM de Portugal declara em conferência de imprensa que o funcionamento do Conselho Europeu de Ministros das Finanças (EcoFin) é “um processo opaco e juridicamente discutível”, em que as suas dissensões internas são ignoradas em favor de “uma unanimidade artificial para o exterior”, não está a descrever uma instituição democrática. Muito pelo contrário.

    Talvez isto sirva para acordar os euro-entusiastas que ainda acham que a UE é algo que tem valores democráticos, em vez de ser uma ameaça à própria democracia.

“Para além de eventuais sanções ou da suspensão de fundos estruturais, que são claramente as medidas mais gravosas, o país pode também passar a ser alvo de uma vigilância mais apertada que poderá passar por:

• Análise prévia da Comissão ao programa de financiamento do país, que detalha os planos de emissão de dívida.

• Visitas trimestrais para acompanhar a evolução do défice a cada seis meses ou mesmo três meses, tal como durante o programa de resgate. Durante essas visitas, a Comissão pode concluir que o país precisa de tomar mais medidas para corrigir o défice e exigir que assim aconteça, mas apenas se a estabilidade financeira da zona euro puder ser afetada pela instabilidade nesse país.

• O Banco Europeu de Investimento pode reconsiderar os empréstimos ao Estado-membro em causa.”

-----  Catch-artigo 50º  (processo de saída da União Europeia)  (-por CRG, 29/6/2016)

    A redução do voto no Brexit a uma questão de xenofobia ou provincianismo (o que não quer dizer que não sejam elementos relevantes) é não perceber as dinâmicas sociais: de acordo com as sondagens, foram os denominados "perdedores da globalização" - a classe trabalhadora com pouca instrução - que votaram em maior número no Leave (saída do RU da UE, 'Brexit'). 

     Na ausência de um discurso de esquerda, a direita populista de Le Pen, passando pelo Boris ao Trump, são os principais beneficiados deste movimento de insurreição contra as elites no poder (da direita à esquerda da terceira via). Esta camada de população insurgiu-se contra as promessas que durante anos lhes venderam: a globalização e os mercados abertos (comércio livre, TTIP, CETA, ...) seriam vantajosos para todos; a austeridade iria promover a confiança e, por via disso, o crescimento económico; o aumento da produtividade tornaria todos mais ricos, e não apenas uma pequena percentagem da população.

    Na realidade, assistem a uma estagnação dos salários (no Reino Unido o rendimento médio dos trabalhadores está 7,5% mais baixo que em 2009), desemprego, deslocalização da indústria para o estrangeiro (pela primeira vez o estrangeiro não precisa de ser emigrante para se constituir numa ameaça ao seu posto de trabalho) e uma desigualdade crescente dentro dos países.

    Neste contexto, a UE, enquanto veículo que intensifica a globalização, é um dos principais alvos dos políticos que procuram agradar àquele eleitorado. E esta é a ironia do projecto europeu porque a UE é, ao mesmo tempo, uma das poucas instituições que, caso assim queira, pode reduzir os efeitos nefastos da globalização. Será que ainda vamos a tempo? Ou será que - como as primeiras reacções ao referendo parecem prever -  a UE, parafraseando Orwell, vai escolher a estupidez e manter tudo como está?

[?- Seguir-se-ão mais referendos/ votações maioritárias (de trabalhadores e classe média, fortemente penalizados) em partidos/movimentos radicais e populistas ?!...]

---- Eis a razão porque o status quo é insustentável  (-por D.Moreira, 27/6/2016, 365forte) 

“Populist movements arise from a huge disconnect between people’s dreams and the reality of their lives. People dream of prosperity, but they have poverty. They dream of being important, but they are insignificant. They dream of fulfilling, enjoyable work, but they have drudgery. They dream - but they have no hope. Populist movements sell them hope.” 

----- Pergunta a que se tem de responder   (-por D. Moreira, 5/7/2016, 365forte)

   Em países onde a crise se arrasta – com fraca criação de emprego, generalização da pobreza e perda permanente dos direitos sociais e laborais – cada vez mais pessoas se questionam: se é este o preço que se paga pelo mercado interno e pela moeda única (euro), para que queremos afinal a integração económica europeia?"



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Terça-feira, 01.03.16

A minha entrevista ao Il Manifesto ... (-R.P.Mamede, 29/2/2016, Ladrões de B.)

 
O jornal Il Manifesto publicou ontem a entrevista que dei ao Goffredo Adinolfi, correspondente do diário italiano em Lisboa, sobre a situação política e económica em Portugal. Fica aqui a versão traduzida.
-Q: Finalmente, com um atraso de alguns meses, o Orçamento do Estado para 2016 (OE2016) está na recta final: que avaliação é possível fazer ao governo das esquerdas liderado por António Costa? 
R: O esforço para distribuir melhor os rendimentos é o aspecto mais positivo. Esta foi uma preocupação central dos acordos feitos entre os partidos de esquerda e isso foi conseguido principalmente através de duas vias: a política orçamental e o aumento do salário mínimo. O aspecto menos positivo do OE2016 tem a ver com o facto de continuar a trajectória de redução severa do défice orçamental, que vai de 3,1% para 2,2% do PIB, num momento em que o desemprego ainda é muito elevado (muito mais do que os números oficiais mostram).
-Q: Valeu a pena? 
R: Tendo em conta a alternativa valeu seguramente a pena, mas ainda é insuficiente considerando as condições em que o país se encontra.
-Q: A direita e os meios de comunicação estão a tentar fazer passar a ideia de que o aumento de impostos previsto no OE2016 prejudica a classe média e as empresas.
 R: A direita e grande parte dos meios de comunicação tiveram uma reacção que é quase risível. Começaram por criticar a proposta de OE2016 porque consideravam os valores pouco fiáveis. Depois passaram a dizer que o OE não estava em conformidade com as regras europeias. Em seguida tentaram sustentar que os aspectos de redistribuição de rendimentos estavam ausentes. Finalmente, argumentaram que a estratégia do Orçamento – aumentar a procura interna – não iria funcionar na prática. Esta atitude dá a entender que a direita olha com grande nervosismo para a busca de alternativas.
-Q: O OE2016 respeita os critérios impostos pela União Europeia. Isso significa que a austeridade também pode ter uma interpretação de esquerda?
 R: Isso é parcialmente verdadeiro, mas há limites. Este Orçamento mostra que é realmente possível distribuir melhor os esforços de consolidação orçamental, mas também mostra que dentro das regras europeias não há nenhuma possibilidade de ter uma política que promova decisivamente o emprego. De facto, a “austeridade de esquerda” dá um contributo modesto para a resolução da crise social em Portugal.
-Q: Ao contrário do que se poderia pensar, a Comissão Europeia deu o seu aval ao Orçamento do governo de Costa, depois de exigir uma série de medidas compensatórias. Isto é um sinal de que algo está a mudar também em Bruxelas?
 R: Não, não creio que tenham ocorrido grandes mudanças de atitude. A Comissão Europeia teve em todo este processo uma postura extremamente agressiva com o Governo Português, e as coisas só não foram piores porque a posição negocial da Comissão não é a melhor neste momento. Seria um erro pensar que a Comissão teve uma atitude transigente. Em Bruxelas há uma grande preocupação em relação tanto ao resultado do referendo britânico como ao problema dos refugiados. Além disso, a Comissão Europeia teve de ter em conta os erros cometidos durante o programa de ajustamento. Um dos mais importantes que surgiram no contexto da negociação deste Orçamento foi o facto a Comissão ter tratado como medidas permanentes o que, na realidade, eram apenas medidas temporárias do anterior governo (tais como o corte dos salários da função pública). Isto criou dificuldades acrescidas ao actual governo português.
-Q: Algumas críticas também vieram da esquerda, especificamente foi dito que as medidas favorecem principalmente a classe média...
 R: Creio que a grande maioria das pessoas e organizações de esquerda vêem este Orçamento como o menor dos males possíveis. Em parte, é verdade que o tipo de medidas tomadas beneficia principalmente a classe média, mas isso também acontece porque foi a classe média o grupo mais penalizado em termos fiscais durante o programa de ajustamento. Mas é preciso ter em conta que há também importantes medidas que visam apoiar os rendimentos mais baixos: o aumento do salário mínimo, o aumento das transferências sociais e a alteração dos benefícios fiscais para os filhos. Por isso não é inteiramente verdade que o OE2016 penaliza as classes mais baixas em favor das classes médias. Dito isto, é preciso fazer muito mais para reduzir os elevados níveis de desigualdade que existem em Portugal.
-Q: Um aspecto-chave que está a emergir fortemente nos últimos meses tem a ver com o resgate dos bancos pelo Estado, que, segundo alguns cálculos, ascendem a cerca de 40 milhões de euros...
 R: Basicamente, existem dois motivos que levaram ao fracasso de quatro bancos, incluindo aquele que era o terceiro maior do país: por um lado, houve casos de má gestão; mas 15 anos de crescimento económico medíocre foram definitivamente o factor que mais determinou a acumulação de grandes quantidades de empréstimos malparados. É um fenómeno diferente do ‘subprime’ ou de outros activos tóxicos. Num país que está há muitos anos em crise também a actividade bancária acaba por ser penalizada.
-Q: É possível calcular quanto o Estado terá de gastar como consequência da falência de bancos?
 R: Não, é muito difícil fazer esse cálculo, porque há uma suspeita de que as dívidas incobráveis ainda não foram totalmente contabilizadas pelos bancos, a fim de manterem os seus rácios de solvabilidade.
-Q: O governo de Costa deveria, então, reduzir ainda mais as expectativas...
 R: É um dos muitos riscos que o governo irá enfrentar. Outros incluem a evolução muito incerta da economia internacional, a política monetária europeia e o impacto dos estímulos previstos no OE2016.
-Q: Quais foram os resultados de quatro anos de Troika?
 R: O programa de ajustamento Português teve três objectivos principais: assegurar a sustentabilidade das finanças públicas, melhorar a competitividade da economia e estabilizar o sistema financeiro. Hoje vemos que o sucesso nos dois primeiros eixos - as finanças públicas e da competitividade - é muito questionável. E no que respeita à estabilidade do sistema bancário parece que ainda está tudo por fazer.
-Q: Diz que o OE2016 tem muitos aspectos positivos, mas que é manifestamente insuficiente para resolver os problemas estruturais...
 R: No actual contexto Português é impossível simultaneamente criar emprego, pagar a dívida nos termos previstos e cumprir as regras orçamentais europeias – é o que eu chamo o triângulo das impossibilidades da política orçamental. A opção da troika e do Governo anterior consistiu em concentrar-se na aplicação das regras orçamentais e no pagamento da dívida pública, deixando o desemprego crescer. Um governo que queira contribuir para a criação significativa de emprego terá de abdicar de cumprir um dos dois outros objectivos. A não ser que as condições de pagamento da dívida as regras orçamentais venham a ser alteradas na União Europeia, não é possível fazer as três coisas ao mesmo tempo...
-Q: ... Logo?
 R: Logo, ou tomamos a iniciativa de renegociar a dívida e/ou de desrespeitar as regras orçamentais, sujeitando-nos à enorme pressão das lideranças europeias (como se viu no caso grego) ou desistimos de recuperar a economia, assistindo a mais 15 anos de estagnação, com efeitos dramáticos sobre o emprego e a emigração.
-Q: O rácio dívida pública/PIB, que passou nos últimos 4 anos de 100 a 130%, é sustentável?
 R: Portugal paga cada ano cerca de 4,5% do PIB em taxas de juros sobre a dívida pública. Isto significa que para o Orçamento estar equilibrado é necessário cortar todos os anos na despesa pública. Na verdade, não há nenhum país que tenha conseguido pagar uma dívida tão elevada sem ser num contexto de forte crescimento económico...
-Q: ... Mas depois do programa de ajustamento não deveria ter ocorrido esse crescimento?
 R: Portugal não pode crescer porque não tem controlo sobre sua moeda, não pode promover as exportações, ao mesmo tempo que tem de prosseguir uma política de contenção orçamental. Neste contexto, a reestruturação da dívida torna-se uma questão fundamental e acredito que, na realidade, todos o reconhecem, sem querer dizê-lo abertamente.
-Q: Por reestruturação da dívida entende a redução dos montantes ou o alargamento dos prazos?
 R: Do meu ponto de vista, o objectivo é reduzir significativamente os juros a pagar todos os anos, é pouco relevante como se lá chega. A economia portuguesa não pode recuperar se 4,5% do PIB têm de ser alocados anualmente ao pagamento dos juros da dívida. Este é um suicídio lento, pelo que tem de ser encontrada uma solução, seja qual for a via.
-Q: Considera possível reestruturar a dívida? Há sensibilidade para esta solução ou a alternativa é a saída do euro?
 R: A saída do euro ou uma situação de confronto unilateral entre o país e a UE é um cenário muito pouco provável, por duas razões: primeiro, porque o poder de negociação de Portugal é actualmente muito limitado; segundo, porque os custos de saída do euro são muito mais visíveis para o público do que os custos associados ao contexto austeritário actual. Dito isto, não posso descartar por completo a possibilidade de Portugal entrar em rota de colisão, levando ao abandono da moeda única. Em qualquer caso, os problemas fundamentais causados pela disfunção da zona do euro vão continuar, o que vai levar a um aumento das tensões políticas na UE e o desfecho é difícil de prever.
-Q: Qual é a lógica por detrás de uma política económica suicida?
 R: Portugal tem 3 tipos de desequilíbrio macroeconómico fundamentais: as finanças públicas, a dívida externa e o desemprego elevado. Não é possível corrigir os três ao mesmo tempo. O FMI privilegia a redução da dívida externa até mais do que a dívida pública. Na perspectiva do FMI, a dívida externa pode ser reduzida através da desvalorização interna, o que tem um efeito duplo: por um lado, permite ganhar competitividade baixando o preço das exportações; e, por outro lado, leva a uma redução das importações, porque o investimento e o consumo diminuem.
Q: Com que consequências?
 R: Os efeitos dessas políticas são devastadores não apenas sobre o emprego, uma vez que criam as condições para uma recessão permanente, mas também sobre as contas públicas, porque o impacto positivo das exportações sobre as finanças públicas é muito baixo. O Estado ganha mais quando os produtos das empresas são vendidos internamente, por meio de impostos sobre o consumo, do que quando são vendidos no exterior. Logo, a opção por privilegiar a correcção da dívida externa põe em causa a prossecução dos outros dois objectivos: crescimento do emprego e finanças públicas.
-Q: Se as consequências das políticas austeritárias são claros para todos, por que se insiste no erro?
 R: Não é possível ter economias com estruturas produtivas tão diferentes como as que existem na UE e, ao mesmo tempo, viver com as mesmas regras de política monetária, a menos que se verifique uma de duas coisas: ou há uma enorme transferência de recursos (como aqueles que existem, por exemplo, entre o norte e o sul de Itália); ou então há um empobrecimento acelerado e duradouro das economias que têm estruturas de produção menos competitivas. A maioria das instituições internacionais considera politicamente inviável a primeira hipótese – e, provavelmente, têm razão. Sendo assim, a solução para a preservação da zona euro tem de passar por promover a flexibilidade e a desvalorização interna das economias mais fracas.
-Q: A coligação entre PS, PCP e BE demonstrou nas últimas semanas grande solidez, o que se pode esperar no futuro?
 R: O facto de haver hoje em Portugal uma direita convictamente neoliberal é o maior seguro de vida para o actual governo, porque nenhum dos partidos de esquerda quer ser visto com responsável de um regresso a políticas extremamente agressivas para a população, que a direita continua a defender. Assim, embora o BE e o PCP enfatizem a sua posição crítica em relação ao comprometimento do PS com as regras orçamentais europeias, enquanto for possível obter políticas mais favoráveis para os trabalhadores e para o conjunto da população não espero que haja uma ruptura da coligação que permitiu a formação deste governo.
-Q: Como tem sido percepcionado pelo público o novo Orçamento de Estado: com entusiasmo, oposição ou indiferença?
 R: Por enquanto, não existe nem uma grande oposição, nem um grande entusiasmo. Parece-me que há boas razões para que não haja nem uma coisa nem outra, porque o que temos é o menor dos males – e o menor dos males nunca suscitou muitos ódios nem muitos amores.
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-- COMO É QUE CHEGAMOS AQUI ?      (- J.P. Pereira, 27/1/2016, Abrupto)
  Como é que, algures pelo caminho dos últimos anos, perdemos a independência?
   Como é que permitimos, todos, povo e governantes, o que se está a passar?
   E não me venham com a dívida. A dívida ajuda e muito, mas não é a questão central. A questão central é que ao abdicarmos de soberania, abdicamos também de democracia.
   E estamos agora governados por uma burocracia anónima, sem legitimidade eleitoral, que responde aos seus donos e nós não somos donos de nada. Nem sequer de nós próprios. 


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Quarta-feira, 24.02.16

Os limites da «economia do empobrecimento competitivo» (II)  (-N.Serra, 22/2/2016, Ladrões de B.)

     Um estudo recente mostra que «Portugal é um dos piores países da OCDE para trabalhar», com elevados níveis «de insegurança no mercado de trabalho e sendo um dos dez piores países em termos de qualidade das remunerações».   Aliás, na generalidade dos indicadores do relatório, Portugal surge de forma sistemática em posição desfavorável.   Em 25 países, é o 3º com maior «risco de desemprego»; o 4º com maior «insegurança laboral» e «desigualdade de rendimentos»; o 9º com níveis mais elevados de «stress laboral»; o 19º em matéria de «qualidade do rendimento» e «rendimento médio»; o 16º na «protecção no desemprego».   No indicador síntese da Qualidade do Mercado de Trabalho, estabelecido a partir deste conjunto de variáveis, Portugal ocupa a 20ª posição, apenas superando a Polónia, a Hungria, a Grécia, a Eslováquia e a Turquia.
     À escala europeia, o retrato que o estudo permite traçar é bem revelador das assimetrias existentes e do fosso de diferenciação entre centro e periferia, relembrando os círculos concêntricos de Heinrich von Thünen. Os elevados níveis de qualificação do mercado de trabalho nos países do centro e Norte europeu têm como contraponto a desqualificação do mercado de trabalho nos países da periferia e do Sul, num processo de clivagem e divergência que as políticas de austeridade e empobrecimento acentuaram nos últimos anos.
     Não por acaso, de facto, muitos dos países pior posicionados no ranking de qualidade do mercado de trabalho são os que registam uma evolução particularmente negativa em termos de saldos migratórios (como sucede no caso de Portugal, Espanha ou Grécia).  Do mesmo modo que muitos dos países melhor posicionados em termos de qualidade do mercado de trabalho são os que registam ganhos migratórios mais expressivos nos últimos anos (como é o caso do Luxemburgo, da Alemanha ou da Áustria).
     O mercado de trabalho não é pois imune às leis da oferta e da procura, reagindo aos processos de desregulação laboral, empobrecimento e alegado «ajustamento» das economias. Como referia há tempos o Luís Gaspar, «baixam-se os salários no pressuposto que o trabalho é demasiado caro. O trabalho vai-se embora. Mesmo para o mais ortodoxo dos economistas, isto deveria querer dizer que o trabalho não estava caro. A única transformação estrutural da economia arrisca-se a ser esta: em vez de serem os salários que se "ajustam" à economia, é a economia que se ajusta aos salários baixos». Ou seja, as políticas de austeridade não são almoços grátis, como dizia o outro. Têm contradições e limites intrínsecos, que as tornam contraproducentes e que se pagam caro, no presente e no futuro.
     Talvez sejam dados como os deste estudo que levam João César das Neves a concluir, nas Jornadas Parlamentares do PSD, que é necessário diminuir a «rigidez do mercado laboral» de um país que considera «em vias de extinção», devido à falta de nascimentos e à emigração.   Para enaltecer, logo a seguir, o facto de o anterior governo ter sido «o que mais liberalizou o mercado de trabalho» em Portugal, lamentando por não se ter, mesmo assim, conseguido aproximar o país dos seus parceiros europeus: em matéria de rigidez laboral, segundo César das Neves, «estamos à frente da tropa toda». Como os dados ali em cima permitem constatar, claro.


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Estamos a regressar a 2011? - 1      

      Quem veja televisão e leia jornais parece que, desde que o Partido Socialista chegou ao Governo, Portugal está em risco de voltar a 2011, mas antes da entrada da troika. Hoje, Passos Coelho repete aquela velha máxima desse tempo: "pusemo-nos a jeito", frase que é uma antecâmara do prato forte - um programa endurecido - bem regado com molho "não há alternativa" porque "temos de fazer o que os mercados querem". Um prato que, como se sabe, não saiu muito bem e ainda hoje está por digerir.
    Este "revivalismo" não é um acaso. E isso ficou bem patente no debate organizado pelo Observatório sobre Crises e Alternativas", dedicado ao tema "A narrativa da crise e crise das narrativas", que se realizou ontem em Lisboa, no ISCTE.
     Na minha participação, expus - muito sucintamente - a evolução entre 2010 e 2014 do pensamento de seis jornalistas económicos da nossa praça - Pedro Santos Guerreiro (PSG), Helena Garrido (HG), Camilo Lourenço (CL), António Costa (AC), Nicolau Santos (NS) e João Vieira Pereira (JVP). Em linhas gerais, o que se verificou nesse período foi um progressivo e crescente criticismo à eficácia da aplicação do programa de ajustamento. NS contra a própria filosofia subjacente; PSG, HG, AC e JVP dando conta dos fracos resultados do programa, mas criticando o Governo de falta de iniciativa; e CL defendendo veementemente a filosofia original do programa. A exposição - na presença de HG, NS e JVP - tornava evidente a alteração de posições dos jornalistas: desde uma recusa à vinda da troika, passando pelo seu entusiástico acolhimento, pela defesa da aplicação do programa e de um Governo PSD/CDS, pela crítica posterior aos técnicos da troika, antes erguidos - por eles - como "popstars" e que afinal demonstraram o seu falhanço; pela crítica ao vazio do poder da direita no poder. E tudo terminava com citações recentes de jornalistas, já em 2016, defendendo a necessidade de um programa de austeridade que nos tire o bafo dos mercados no nosso pescoço. Tal como acontecera em 2011.
             Mas - culpa minha - não concluí de forma mais clara.
     Quando os jornalistas presentes mais visados foram ouvidos, frisaram 1) que mudaram de opinião e isso não tem mal (HG); 2) que, na verdade, não mudaram porque se o programa falhou foi porque foi mal aplicado: dever-se-ia ter cortado na despesa pública e isso não foi feito, e que nenhuma reforma estrutural fora levada a cabo, o Estado continua capturado por interesses (HG e JVP).
     Ora, essa é que é a questão: a volatilidade dos jornalistas não mostra que tenham mudado o seu sistema de crenças. Na sua opinião, os magros resultados do programa não podem descredibilizar a "narrativa" de que mais cortes promoverão o crescimento económico. Pelo contrário. Tal como aconteceu em 2010/11 com o Governo Sócrates, defende-se que a austeridade então aplicada relutantemente não teve resultados por causa disso mesmo: eram insuficientes. E cada insucesso é um sucesso. Recusa-se o seu carácter intrinsecamente recessivo. Nega-se que a austeridade nunca pode ser expansionista, como ficou provado pela realidade.
     A questão que se põe é: e se tivesse sido? A resposta oficial é: nunca saberemos. Mas na verdade, nem Governo, nem troika insistiram muito na aplicação integral do programa. E por alguma razão foi.
    Em conclusão: todo o edifício cego de defesa da austeridade ainda está de pé e pronto a ser usado de novo. A ideia de base foi reforjada, reformatada, reconstruída das cinzas do fracasso. E vai ser reafirmada por completo, como se nada se tivesse passado e com um total despudor. Até por Passos Coelho. Como já se assiste...

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Sábado, 09.01.16

Tudo menos economia, de facto    (por David Crisóstomo, 6/1/2016, 365forte)

   (uma oferta que nos chegou por e-mail):

Ricardo Cabral escreveu recentemente dois posts (1) (2) sobre o processo de resolução do Banif no Tudo Menos Economia, blogue do Público que partilha com Francisco Louçã e Bagão Félix. Não consigo esconder algum espanto por este tipo de exercícios em que, pondo completamente de lado a realidade em que o objeto analisado se insere, se investe imenso em cálculos – o que confere sempre a ilusão de credibilidade – para chegar a resultados próximos de teorias da conspiração.

     O autor afirma, em ambos os posts, que “o Banif cumpria os rácios de capital mínimo legalmente exigíveis” quando foi intervencionado. Aparentemente, crê que existe algum interesse em aplicar medidas de resolução com enormes custos sociais, económicos e políticos a bancos que não necessitam destas. Conviria, no entanto, lembrar alguns detalhes da tal instituição financeira que respirava saúde. Por exemplo:

- existia um processo de averiguação da legalidade do auxílio estatal concedido ao Banif em janeiro de 2013;

- este processo de averiguação arrastou-se durante praticamente três anos, sem que o Banif conseguisse demonstrar que era, pós ajuda pública inicial, uma instituição bancária viável;

- a consequência imediata de o auxílio estatal ser considerado ilegal era a devolução da ajuda pública;

- estamos, portanto, a falar de um montante de 825 milhões de euros. Dado que o capital do Banif a 30 de setembro era de 675 milhões de euros… enfim, é fazer as contas sobre o Banif cumprir ou não cumprir os rácios de capital mínimo.

   Ricardo Cabral toma ainda como hipótese razoável, para chegar à extraordinária conclusão que a operação do Banif terá sido vendida com um rácio de solvabilidade quase a chegar aos 40% e que tal apenas foi feito para beneficiar os malandros dos espanhóis, “que as contas do Banif estavam “limpinhas e direitinhas” como afirma o seu antigo presidente”. Poderá ser interessante considerar, no entanto, que Jorge Tomé está em excelente companhia neste tipo de afirmações. Creio, aliás, ser impossível de encontrar, por mais que nos esforcemos, um antigo presidente de um banco que tenha ido à falência ou tenha enfrentado sérias dificuldades e que não tenha dito exatamente o mesmo tipo de frase. De facto, Ricardo Salgado, Oliveira e Costa, João Rendeiro ou até mesmo Jardim Gonçalves continuam a ser pródigos na defesa das respetivas damas. Caramba, tanto banco que escusava de ter ido à falência, não é? 

    De facto, tomando como boas as premissas do post de Ricardo Cabral qualquer pessoa se vê forçada a concordar com este, até porque as contas das tabelas que apresenta são irrelevantes face às hipóteses assumidas. Afinal, qualquer aluno de economia aprende muito rapidamente que todos os resultados são alcançáveis num modelo, dependendo apenas das hipóteses que nos forem úteis para a história que queremos contar. Agora vou só ali partir do princípio que tenho asas e saltar da janela. Desejem-me sorte.      (--António Marques)

 ----   "O que de facto aconteceu no Banif?"  (-por Diogo Moreira, 365forte) 

Por que foram chumbados oito planos de reestruturação do Banif em Bruxelas? 

-----------------   Ano novo, vida nova (?!?)   (por MCF, 5/1/2016)

...  O ano de 2016 promete, ao menos, uma oportunidade. A oportunidade de ter um ciclo político sem Cavaco Silva (foram muitos e longos anos), sem uma política austeritária que deixou um legado pesado ao País e sem – até agora – um discurso entre o miserabilista e o passa-culpas que pautou demasiadas vezes sucessivos Governos. 
         À economia será dado algum espaço para respirar e é preciso que ele seja aproveitado. Temos, é verdade, uma dívida pública maior do que nunca. Temos, é verdade, um défice que continua por controlar, pese embora o enorme aumento de impostos de Vitor Gaspar, que ainda estamos a pagar. Temos, ainda, um Estado menos capaz do que no passado de assegurar políticas sociais mínimas em áreas críticas como a Saúde, a Educação ou a Segurança Social. 
       Mas temos, por outro lado, a força de trabalho mais qualificada de sempre, mesmo descontando os que emigraram. Temos, também, uma dura aprendizagem feita a expensas próprias sobre a importância de exportar mais. Esse será, talvez, o único legado duradouro dos últimos anos e aquele que importa reter. Temos, por fim, uma Europa um tudo nada menos ortodoxa e intransigente porque, por um lado, a Alemanha está a braços com outras prioridades e porque, por outro, já percebeu que se mata a periferia do seu mercado interno, mais dia menos dia, isso lhe custará também qualquer coisa.
       Não é um cenário inteiramente brilhante, decerto, mas é o menos mau desde, pelo menos, 2011. Mas se o País onde nasceu a actual crise mundial em 2008 conseguiu sair dela com relativo sucesso, não podemos exigir a nós próprios menos do que isso. Precisamos de recuperar salários, a par do aumento da produtividade dos factores de produção (e não só do trabalho, como tanto se gosta de insistir), e de voltar a crescer. Pouco, dirão, mas alguma coisa sempre é melhor que sucessivos trimestres de recessão como vivemos recentemente.    ...

----  A grande fraude eleitoral de Passos (PSD/CDS)     (por Nuno Oliveira, 6/1/2016) 

     Paulo Núncio, Paulo Portas, Maria Luís Albuquerque e Passos Coelho enchiam a boca com o interesse nacional, com a preocupação com a economia nacional, com as empresas exportadoras.

     A confirmar-se a notícia de hoje do Diário Económico, fica revelado todo o cinismo político dos irresponsáveis que nos (des)governaram de 2011 a 2015. Martelar as contas públicas de 2015 e martelar a devolução da sobretaxa para iludir o eleitorado colocou em causa a tesouraria de tantas e tantas empresas e deve ser merecedor da maior censura política. Coloca o interesse partidário mesquinho da direita à frente da execução orçamental de 2015 e da economia nacional.

     Tivessem comunicação social e comentadores a exigência de que  tantas vezes se arrogam e estes (ir)responsáveis políticos não teriam o descaramento de voltar a pedir o voto dos portugueses.   ...  



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Quinta-feira, 26.11.15

O novo lema (neoliberal) : “Não podemos distribuir o que não temos”   (JRAlmeida, 25/11/2015, Ladrões de B.)

Ouvir a Helena Garrido (HG) na Antena 1, esta manhã, fez-me perceber o mote dos próximos tempos para o combate ideológico da direita. Citando de memória, disse ela sobre o futuro Governo Costa:
    1) Vai ser extremamente interessante ver como vai o Governo Costa quadrar a distribuição de mais rendimento com a redução do défice orçamental e do défice externo;
    2) Que o que importa é que o emprego cresça e que as desigualdades diminuam;
    3) Todos nós gostamos de ter mais rendimento, mas a economia tem destas coisas: tem consequências. E não podemos distribuir o rendimento que não temos;
   4) "Esperemos que tudo corra bem porque é importante manter o PS no espaço político português".
    A primeira frase é interessante porque a HG foi das directores de jornais económicos e opinion makers económicos que, de 2010 a 2014, abraçou literalmente a vinda da troika e defendeu uma estratégia recessiva ("A recessão de que precisávamos vem aí. Falta chegar a governação que oriente o país para o regresso da prosperidade", 14/5/2010); pugnou por um corte dos apoios sociais como única forma de equilibrar as contas orçamentais ("o congelamento dos apoios sociais, como o Rendimento Social de Inserção, reclama de todos nós o regresso a atitudes mais solidárias e menos dependentes do Estado no combate à pobreza", 22/3/2010); sustentou com veemência uma redução da dimensão do Estado, criticou o Governo quando este titubeou na reforma do Estado ("Sabia-se há muito, há mais de uma década, que a correcção das contas públicas era impossível sem reduzir salários, pensões e apoios sociais.    A troika chegada com a ajuda externa parecia ser a salvação para o bloqueio em que se encontrava o regime político. Foi essa a esperança de nós. Vã esperança", 26/11/2013); defendeu até em 2014 a redução salarial (mesmo dos rendimentos brutos) para aumentar a competitividade externa ("Os salários e as pensões terão inevitavelmente de ser reduzidos.   É uma ilusão pensar que se consegue resolver o problema de outra forma.   Não existe nenhuma despesa pública com dimensão suficiente para controlar a dinâmica da dívida pública", 19/6/2014; "Com inflação baixa, impedir que os preços e salários diminuam é condenar o país ao desemprego, é colocar Portugal a produzir menos do que aquilo que consegue", 17/12/2013;  "Proibir o despedimento, congelar rendimentos ou regras de aumentos salariais quando a empresa vende menos ou o Estado recebe menos impostos, ou tem de gastar mais para apoiar quem mais precisa, é reivindicar o direito a ter sol todos os dias", 7/3/2014).     E defendeu a austeridade como forma de clarificação ("Nós não estamos a empobrecer.  A questão é que nunca enriquecemos. Estamos basicamente a regressar à dura realidade do rendimento que tínhamos antes de entrarmos para a moeda única", 21/2/2014).   Uma austeridade que deveria prosseguir mesmo sem troika ("É da capacidade em disciplinar as contas do Estado que depende agora o nosso futuro e o sentido total dos sacrifícios que fizemos durante os últimos três anos", 1/1/2014).
       No âmbito desta luta ideológica, é interessante ver que, apesar dos falhanços económicos da estratégia (neoliberal) seguida pelo Governo (PSD-CDS) – fraca redução do défice orçamental e subida da dívida pública, aumento brutal do desemprego, subida da emigração, ampliação do fosso das desigualdades - e que apenas teve melhores resultados quando se atenuou a austeridade, ainda se pensa como dantes. Menos austeridade implica mais défice orçamental.
    Na verdade, nada parece ter mudado na cabeça da HG, apesar da sua responsabilidade sobre o que se passou em Portugal. Sim, responsabilidade. A comunicação social é um fortíssimo meio de condicionamento social. E a comunicação social não deve afastar de si as responsabilidades que igualmente teve neste país. Portugal aplicou das mais brutais "receitas" de austeridade de que há memória na nossa História, destruiu vidas profissionais e de famílias, empurrou – e ainda empurra - milhares de pessoas para a emigração. Tudo sob o lema "não há alternativa", um lema falso e - pior que tudo - ineficaz.
    E apesar disso, tudo aponta para que a comunicação social, não só não tenha aprendido com esse seu fardo social, como ainda por cima mantém de pé todo o edifício de crenças, de modelos económicos. Quando as dificuldades surgirem, não se tenha ilusões, todo o argumentário voltará intacto.
     O jornalismo é assim: em geral, não há tempo para pensar, quanto mais para estudar. Mas não podemos ser inocentados por isso. Temos culpas no cartório.
     Veja-se a frase   "Não podemos distribuir o rendimento que não temos".    O que está pressuposto é que o Governo vai lançar pela janela rendimento e, como não produzimos bem, será um rendimento artificial que vai encarecer o preço das mercadorias nacionais e dificultar a sua venda, provocando menos exportações, mais importações e mais desemprego.    Na verdade, este raciocínio em nada tem em conta a estrutura de custos das empresas, nem os impactos das medidas adoptadas, nem de uma nova redistribuição do rendimento.   Pressupõe apenas um primado das empresas, porque são elas que criam emprego, quando na verdade, as coisas são bem mais complexas.   Não há sociedades saudáveis com empresas em que os trabalhadores não tenham vidas saudáveis. O mal não está na simplificação da realidade, mas no pensamento distorcido sob a forma de lição para o povo.
      Mas a HG tem razão num ponto:   o desequilíbrio externo.  Vai ser um berbicacho.  E terá de ser resolvido.  Aliás, gostaria de ver este XXI Governo adoptar aquilo que nenhum outro o fez:   uma estratégia nacional de defesa da produção portuguesa, não apenas para exportação, mas de substituição de importações.     [Não é pôr barreiras físicas, 'técnicas' ou legais às entradas - proibidas pela UE e tratados comerciais-, mas sim melhorar/alargar valores, práticas e modelos. Os japoneses fazem-no há muitas décadas,  sendo na sua cultura considerado 'de mau gosto', 'quase traidores' os que adquirem arroz e outros produtos e serviços estrangeiros havendo nacionais (e também o fazem os alemães, os americanos, ...)].    Mas durante décadas, o pensamento económico de direita – adoptado igualmente pelo PS – desvalorizou essa questão, apoiando-se no facilitismo de que mais comércio era igual a mais rendimento para todos. E na verdade perdemos empresas, empregos, rendimento criado que passou a ser exportado.
      Interessante é o remate sobre o PS.   Pressupõe que, por detrás da ideia "queremos que isto corra bem" está a de que há uma elevada probabilidade de correr mal e que, nesse caso, o PS se vai desfazer, dilacerado entre a esquerda e a direita.   Mais uma vez, está subjacente aquilo que a HG sempre defendeu e que não vê como o fim real do PS:   um pacto PS/PSD/CDS (“Como saímos desta embrulhada? Basta que PS e PSD tenham a coragem de tomar as medidas que são necessárias", 23/9/2010;  "Nenhum político deseja para o seu povo uma austeridade contínua e feita de permanente instabilidade, em que não se sabe quanto se vai ganhar amanhã.  E todos os políticos dos partidos do arco da governação querem que Portugal se mantenha no euro (...).  Eis uma base bastante sólida para um entendimento", 13/3/2014).
      Eis o que vai ser defendido diariamente na Antena 1. (e na maioria dos outros media, academias, 'think tanks', consultoras, manifestações, associações patronais, ...)


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Quarta-feira, 25.11.15

---  24/11/2015:  Indigitado A.Costa (PS) para formar o 21º Governo constitucional.  (sendo a apresentação da lista de ministros na tarde do mesmo dia  uma ...'luva branca' ao PR).

--- Auditar e Responsabilizar o desgoverno; mudar para melhorar

--- Constrangimentos e prioridades dum governo de esquerda

       R.Paes Mamede no Le Monde diplomatique - ed.port. deste mês – Prioridades para um governo apoiado pelas esquerdas em Portugal. Na linha do seu livro, claro e distinto, este é um artigo sobre economia e política económica nacionais que articula e desenvolve três reflexões que o Ricardo já fez neste blogue e que vale sempre a pena revisitar neste novo e empolgante contexto: o triângulo das impossibilidades da política orçamental; a coligação de direita tem um projecto claro e coerente para o país; um terreno minado por todos os lados.  ...

... uma política orçamental que respeite os limites impostos pelas regras da zona euro. Como disse Mário Centeno, o muito provável novo ministro das Finanças, trata-se de seguir a trajectória exigida por Bruxelas, embora a um ritmo mais lento. O modelo dos economistas do PS diz-nos que a nova versão do seu programa mantém o saldo orçamental abaixo dos 3%, uma condição essencial para não despertar a fúria da Comissão Europeia, do Eurogrupo e das agências de rating. Por outro lado, sabe-se que os partidos da nova maioria aceitam rever as suas escolhas orçamentais para acomodar os impactos da crise bancária que se avizinha ou de outros imprevistos. Não acredito que a curto prazo surjam tensões sérias entre os signatários do acordo.  ...

---  Acordos à esquerda : Esperança, justiça, dignidade, ... democracia

--- «... precisa, antes de mais, de um Estado Social forte, público e universal, tendencialmente gratuito. E é essa classe média que, com a degradação dos serviços públicos, mais sofreu nos últimos quatro anos. E é para a classe média que o PS fala, quando fala da defesa do Estado Social.» --Da memorável entrevista de Pedro Nuno Santos ao Público, dia 4/11/2015.

 --------- actualizações ao post  -------

A  vez  da  esquerda     (-J.Bateira, 30/10/2015, Ladrões de B.)

  A leitura na internet dos comentários sobre a possibilidade de o país vir a ter um governo do PS, com o apoio parlamentar do BE e PCP, tem sido muito instrutiva. É particularmente interessante ler o que escrevem as pessoas ansiosas pela mudança de governo que se avizinha. Percebe-se que o sofrimento infligido pelas políticas do anterior governo não desapareceu e deixará marcas profundas na sociedade portuguesa. Como é comum nas redes sociais, as emoções andam à solta e turvam a avaliação dos riscos e das potencialidades desta solução política. Mesmo as pessoas ponderadas, e até com instrução superior, têm dificuldade em criar o distanciamento necessário a uma avaliação crítica da conjuntura política. Este clima psicossocial torna mais difícil uma intervenção realista que não queira assumir o papel de Cassandra.
     Num contexto de grande alívio para a maioria da população, por finalmente nos vermos livres do governo da PàF, percebe-se como é delicado fazer uma avaliação do que pode ganhar o país com esta experiência governativa. Antes de mais, é possível melhorar a vida de muitos cidadãos revogando legislação com evidente marca ideológica e escasso impacto orçamental em vários sectores, a começar pela legislação laboral. Depois, consegue-se evitar dois rudes golpes sobre o sistema de pensões. O primeiro, sobre as pensões mínimas, num valor para quatro anos estimado em 1020 milhões de euros. Graças ao acordo à esquerda, os militantes socialistas evitam passar pela vergonha de ver um governo da PàF aplicar uma medida que está no programa do PS e transformar um direito social – a pensão mínima como direito conferido pelo trabalho – numa medida de assistência pública sujeita a condição de recursos.
      O segundo golpe, a redução da TSU, diz respeito à utilização dos descontos para a Segurança Social como instrumento de política económica, o que frontalmente viola o contrato social que sustenta a nossa democracia. Este autonomizou o orçamento da Segurança Social e conferiu-lhe uma gestão tripartida no âmbito da concertação social. A medida constituiria o precedente necessário para, mais tarde, permitir tratar a TSU como um imposto que, de facto, não é – como contribuição* social, é receita consignada que confere o direito a uma contraprestação –, o que sujeitaria o financiamento da Segurança Social aos ciclos políticos esquerda-direita. Seria o golpe final no legado histórico das lutas de gerações de trabalhadores por uma vida decente e pela mutualização dos riscos sociais. Para formar governo, o PS teve de deixar cair uma medida que foi bem acolhida pela PàF.
     Há também uma distribuição um pouco mais justa do rendimento nacional que resultaria de uma política orçamental que, tanto quanto possível, transferisse alguns custos da austeridade para as classes de maior rendimento e património. Neste ponto, resta saber se a Comissão Europeia não invocará um imaginário impacto orçamental negativo dessas medidas para as recusar no exame prévio que fará ao Orçamento. E isto leva-nos ao ponto decisivo nesta experiência de “governo à esquerda”.   --Em que medida é possível fazer deslizar as metas do défice orçamental para acomodar os impactos das mudanças na política interna e da estagnação mundial?  --Como manter uma consistência mínima nesta política de esquerda, respeitadora das regras da direita, no quadro de um previsível endurecimento da atitude da CE e do Eurogrupo?
      A forma como as esquerdas vão explicar ao povo as dificuldades que António Costa encontrará em Bruxelas para aprovar o seu primeiro Orçamento determinará a percepção da nova maioria social quanto à margem de manobra que nos sobra para o exercício da democracia. Esta experiência governativa deve conduzir a um alargamento da consciência popular de que o euro é a causa desta crise. Esta é uma oportunidade que a esquerda não pode desperdiçar. Para que Portugal tenha futuro, os que se identificam com Cavaco Silva na submissão ao ordoliberalismo alemão têm de ser derrotados. 1/12/1640 (dia Restauração da Independência) não foi esquecido.  

Governo de esquerda pode mesmo estar a caminho? Coligação aproxima-se de 20 prioridades de Costa

Governo de esquerda pode mesmo estar a caminho?  Coligação aproxima-se de 20 prioridades de Costa

 A responsabilidade histórica do PS  (partes III, II e I)   (-por A.Gomes, CausaNossa,12/10/15)

Um PS equilibrado, progressista e pró-europeu pode, e deve, construir entendimentos  fazendo os partidos à sua esquerda aceitar guardar na gaveta a sua oposição  à UE, a NATO, o Euro e outros projectos que contestam.   Em troca disso, o PS deve comprometer-se a tudo fazer para, nos planos europeu e nacional, combater os impactos perniciosos e flexibilizar as medidas mais gravosas do Tratado Orçamental.   E procurar alcançar a consolidação orçamental com uma política fiscal justa e transparente que garanta ao Estado a recuperação dos recursos hoje perdidos para offshores e outras jurisdições estrangeiras, ao mesmo tempo que alivie PMEs e classes médias dos actuais níveis confiscatórios.   O compromisso deve assentar ainda em tudo aquilo em que a Esquerda pode convergir, como no apoio aos mais pobres e vulneráveis, na justiça social, na criação de emprego, no relançamento do investimento na economia verde e outros sectores produtivos, na sustentabilidade da segurança social, no reinvestimento na saúde e educação públicas, na ciência e inovação, no combate ao declínio demográfico e à desertificação do interior, etc... conjugados com rigor orçamental e redução progressiva e sustentada do défice e da dívida pública. 
     É por isso indispensável que o PS faça o que está a fazer:   avaliar em que se traduzem concretamente as disponibilidades anunciadas por PC e BE para apoiar um governo à  esquerda. Confrontando Bloco e PC com a escolha de continuarem a fazer o jogo da direita ou viabilizarem finalmente uma solução alternativa ao programa ultra-liberal. (da direita portuguesa)
     Conhecendo as linhas orientadoras do PS enunciadas por António Costa na noite de 4 de Outubro, se Bloco e PC esticassem estupidamente a corda nas condições a negociar, então é porque estariam a fazer "bluff" e persistiriam entrincheirados no conforto da oposição de protesto, inconsequente.   Se negociarem de má-fé ou com reserva mental - como alegam aqueles que avisam contra o "abraço de urso" ou a "inevitável picada de escorpião" antevendo que, a seu tempo, aqueles partidos precipitarão a queda de um governo socialista - pois caberá ao PS não lhes dar azo nem flanco, para além de, se for esse o caso, ter então de saber imputar-lhes o ónus.
     Se PCP e BE desperdiçarem esta oportunidade histórica para governar o país à esquerda e reforçar a voz da Europa anti neo-liberal, então serei eu a primeira a admitir que não resta ao PS, para não ser responsável nem responsabilizado pela ingovernabilidade do país, senão deixar passar um programa de governo da direita travando, depois, pela negociação orçamental, as medidas mais reaccionárias que esta sem dúvida traz no bojo. 
     O que o PS não pode fazer, de maneira alguma, é alinhar em mais austeridade cega e destrutiva, dando luz verde a um programa para Passos Coelho e Portas continuarem a vender o país a patacos e a empobrecer o povo, precipitando eleições quando julgarem poder obter a maioria absoluta.   Seria nefasto, suicida e realmente anti-europeu se o PS se deixasse enredar no engodo da direita que nos últimos quatro anos se aplicou a arrasar o país, continuando a sustentar o centrão dos interesses que afunda Portugal.
      (II) --    Não foi para o centro que o PS perdeu votos, foi para a esquerda, e sobretudo para o Bloco de Esquerda, que mais que duplicou o número de deputados (o PCP realmente estagnou, só obteve mais 4.500 votos do que em 2011).   E não foi nenhum expediente tecnocrático que tirou a maioria absoluta à direita:   foi a denúncia das injustiças, da incompetência e das fraudes da Coligação PSD/PP nos últimos 4 anos, feita com eficácia pelo Bloco de Esquerda, que desviou eleitores desiludidos com o PS. 
     Sem explorar seriamente a possibilidade de uma convergência à esquerda  - para formar um governo sustentado por uma maioria parlamentar negociada com o BE e o PC  ou mesmo um governo integrando representantes destes partidos - se o PS se dispusesse a viabilizar uma governação da mesma direita austeritária, cada vez mais votantes tenderiam a abandoná-lo, condenando o PS ao destino do Pasok.
      A direita omnipresente nos media e o seu apadrinhante Presidente Cavaco Silva procuram condicionar o PS e impedi-lo de buscar uma maioria à esquerda, proclamando - sem qualquer base constitucional -  que ele não pode entender-se com quem põe em causa a pertença à Europa, à NATO, ao Euro, ao Tratado Orçamental, ressuscitando até os combates de 75, o PREC, a Fonte Luminosa, etc...
     Para pressionar compromissos governamentais abrangentes, Cavaco Silva em tempos citou a Finlândia:  ora em Helsínquia reina hoje uma coligação que integra como Vice-PM o líder dos preconceituosos "Verdadeiros Finlandeses", que são declaradamente anti-NATO e anti-UE, pela direita. Sem que isso os impeça de se vincularem a um programa de governação tido por respeitoso dos compromissos europeus.
     Acresce que UE, Euro e NATO não se fizeram para afundar a segurança, progresso económico, emprego, justiça, Estado social, igualdade, democracia e a solidariedade europeia:   muito pelo contrário!   E, no entanto, é esse o resultado sentido pelos cidadãos em consequência das desastrosas decisões, economicamente neo-liberais e políticamente incapazes de fazer face aos desafios  - inclusivé aos gravíssimos problemas de segurança - com que a Europa está hoje confrontada.   Decisões determinadas pela da direita prevalecente a nível europeu.   UE e Euro manifestamente precisam de ser reformados e de voltar a ser postos ao serviço dos cidadãos, da democracia e da coesão europeia:   nesse sentido, todos os dias se constroem maiorias, mais ou menos à esquerda, "à la carte", com o Grupo político que integra os nossos PCP e BE no Parlamento Europeu.
    Porque não pode essa convergência acontecer também na Assembleia da República, para poupar aos cidadãos a mais da mesma política desastrada que a coligação de direita lhes infligiu
    ( I ) --   Uma clara maioria de portugueses foi votar no dia 4 de Outubro contra a austeridade radical da coligação PSD/PP.  É essa maioria que agora angustia a direita. Apesar da inegável derrota do PS que almejava obter a dianteira, a Coligação não pode cantar vitória: ficou sem maioria absoluta, perdendo mais de 700.000 votos e 25 deputados.
     E esta é a razão por que o PS, derrotado embora, se acha ironicamente na posição-chave de decidir como vai Portugal ser governado nos próximos tempos:  se à direita ou  à esquerda.  Uma responsabilidade histórica recai assim sobre os socialistas. 
     Uma responsabilidade que não tem apenas implicações nacionais:  tem impacto europeu, se Portugal tiver um governo que no Conselho da UE reforce as vozes - hoje em minoria - que procuram travar as piores consequências engendradas pela ideologia neo-liberal: como, há dias, sublinhou o Presidente Hollande no Grupo Socialista no Parlamento Europeu, referindo a barragem que conseguiu fazer com o PM Renzi para evitar o crime histórico que seria o "Grexit", activamente promovido pelo ministro Schäuble... Hollande vincou também as suas expectativas quanto ao PS, no sentido de poder vir ajudar a fazer frente ao neo-liberalismo na UE.
     Neste quadro nacional e europeu, o PS não pode atraiçoar quem nele pôs esperança e votou, indubitavelmente contra a direita austeritária. Não pode baixar braços e dispor-se a viabilizar um novo governo dessa mesma direita, quando ela perdeu a  maioria absoluta.


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