Sábado, 05.07.14

A zona nobre e a zona pobre ou a cidadania A e a cidadania b    (-por F.Campos, 2/6/2014)

     A nação é de todos,
a nação tem de ser igual para todos.
    Se não é igual para todos,
é que os dirigentes que se chamam estado,
se tornaram quadrilha
            - Aquilino Ribeiro   (Quando os lobos uivam)
     Para além da estupidez confesso que também convivo mal com a injustiça. Reconheço que, num meio cultural permissivo a toda a sorte de iniquidades, isso talvez faça de mim uma espécie de excêntrico; o que, de certo modo, reduz a minha vida a uma melancólica misantropia, que eu tento comedir (ou sublimar) através do humor: em doses homeopáticas de sarcasmo e derisão.
     Cultivo um conceito de cidadania, e de cidade, que não se harmoniza de todo com o padrão da maior parte dos meus concidadãos. Estes, se aceitam pacífica e bovinamente a desigualdade entre si, também aceitam, lamentavelmente com a mesma naturalidade ruminante, os conceitos de cidade nobre e de cidade pobre na gestão do espaço público.
     Penso que, se os cidadãos são, em princípio, todos iguais, a cidade também o deveria ser. Não tolero leis que consagrem o contrário - com arrepiante e medieval banalidade – com a complacência resignada da maior parte dos cidadãos. Tenho dificuldade em tolerar posturas municipais que tratam distintamente espaços de cidadania (ruas, praças, parques, bairros, etc), que deveriam ser tratados de forma igual.
      Na Figueira da Foz, curiosamente, os últimos exemplos de urbanização projectados pelo anterior regime (no final dos anos sessenta) são muito mais “iguais” do que os perpetrados pelo poder local democrático: apesar de trabalharem para o eng Jordão (um autarca nomeado por um governo não eleito), os urbanistas do gabinete de Alberto Pessoa, imbuídos do espírito de um certo modernismo e decerto influenciados pelo exemplo, então recente, de Brasília, conseguiram impôr uma certa ideia de cidade “igual para todos” – a mesma rua larga, o mesmo passeio amplo, o mesmo lancil de calcário, a mesma calçada portuguesa, o mesmo candeeiro de iluminação (em aglomerado de pedra), a mesma placa toponímica, etc. - no bairro do cruzeiro e na avenida oceânica, no Museu e na Rua Heróis do Ultramar.
      A ideia de “zona nobre-zona pobre” é um conceito que, paradoxalmente, cristalizou e foi consagrado pelo poder local democrático. Depois do vintecincodAbril o poder foi por fim entregue ao povo, que depressa porém o delegou em sucessivas gerações de políticos venais que, por sua vez, delegaram alegremente a arquitectura no desenhador-de-construção-civil e o urbanismo no empreiteiro. E assim foi sendo imposto um conceito de cidade à la carte, à vontade do freguês e do mestre d’obras. Uma cidade cada vez mais desigual, desenhada por ignorantes, ao gosto boçal de patos bravos, com a conivência venal de imbecis (ainda que eleitos). As ruas e os passeios estreitaram-se, as habitações acumularam-se na vertical, em busca de cada vez mais espaço útil, transformando a paisagem urbana num emaranhado informe, caótico e intransitável de guetos sem identidade onde, em novelos infames, cabos eléctricos amarinham pelas paredes e automóveis e contentores de lixo pelos passeios – dificultando o fluir do trânsito e dos peões, a recolha do lixo, a entrega do correio, a acção dos bombeiros e até a da polícia.
      Agora, no entanto, o poder municipal parece querer chamar a si, de novo, a gestão do espaço público. O paradoxo é que parece que, para os seus novos “arranjos urbanísticos”, está a recorrer aos mesmos gabinetes ignorantes de desenho-de-construção-civil geridos pelos mesmíssimos patosbravos cujo gosto e sensibilidade exclusivista estão bem vincados nos critérios dos “arranjos urbanísticos” da envolvente do Forte de Stª Catarina, na Figueira e do largo da Feira Velha, em Maiorca.
      Do primeiro caso, e da sua inacreditável ostentação de materiais nobres (o granito natural, o aço inox e o patinável, os candeeiros de design xpto, etc., etc.), já me pronunciei aqui.
      A propósito do arranjo do Largo da feira velha, também cheguei a manifestar as minhas reservas quando soube da sua aprovação em Assembleia Municipal. Na altura, em Janeiro último “(...)não gostei de saber foi que o projecto aprovado (será executado com meios de QREN) está “fechado” – ou seja, os fregueses de Maiorca poderão, muito“democraticamente”, opinar sobre uma intervenção definitiva num dos seus espaços cívicos mais emblemáticos mas nada podem fazer para influir nos critérios que presidem à sua concepção. Fiquei assim esclarecido sobre o conceito de poder local que informa a sensibilidade da maioria absoluta que governa o concelho – uma sensibilidade que revela uma mentalidade que se acha legitimada para impor de cima soluções concebidas num gabinete por quem não conhece o local, o uso que lhe dão as gentes, as necessidades destas ou os seus costumes(...)” .
     -Bem dito, bem feito. Os meus receios confirmaram-se. O projecto aprovado não contempla afinal todo o Largo, mas apenas o que se situa a norte da antiga EN111. Quanto às obras, uma visita breve chegou-me para ver que de granito natural e aço inox ou patinável nem sinal; nem de candeeiros de design. Do que lá pude observar foi que os lancis e os ladrilhos são de betão celular e os candeeiros de lata zincada.
Como também previ de um projecto executado “por quem não conhece o local, o uso que lhe dão as gentes, as necessidades destas ou os seus costumes”, também não lobriguei nenhum espaço destinado à música e à cultura (Maiorca tem uma Filarmónica e organiza anualmente, há uma porção de tempo, um festival de folclore), nem para o tronco de Natal; tampouco para o pau de sebo ou outros jogos populares. Enfim, chegou-me para perceber que o que se pretende do largo da mais antiga povoação do concelho é uma espécie de logradouro para estacionamento.
     Estes dois casos são paradigmáticos daquilo que julgo ser uma opção consciente e deliberadamente assumida pelo poder local: segregar os seus cidadãos, tratando-os de modo diferenciado; uns como gente-fina; outros, com explícito desprezo, como simples labregos.
     Bem sei que muitos destes não se importam (porventura a maior parte deles); é isso aliás que torna tudo tão revoltantemente repugnante.
A verdade é que não existe emancipação possível para uma cidadania que aceita acriticamente tudo o que vem de cima, nem que seja um escarro, porque ou “não sabe-não responde” ou porque pensa que “qualquer coisa é melhor que nada”, porque “caladinho é que se vai longe”.
     O Largo da Feira Velha já é um largo mártir; ou seja, é um palco habitual de atrocidades. Uma delas também a comentei aqui. Na imagem (de ontem) continua a ser “o retrato alarve, bisonho, grotesco e boçal, mas fiel, da choldra triste e nefanda que é este país profundo”.


Publicado por Xa2 às 07:32 | link do post | comentar

Quarta-feira, 15.05.13

Não haja duvidas que para certa gente, sobretudo quando lhes convém, a memória é curta, mesmo muito.

Essa gente esqueceu, por completo, todo o debate que antecedeu a elaboração e aprovação da lei de delimitação de mandatos dos titulares de presidentes dos órgãos executivos autárquicos.

Olvidam que os fundamentos e preocupações para a tomada dessa iniciativa legislativa giraram (e giram ainda para os eleitores e pessoas de boa fé) em torno dos detentores dos cargos e por causa de situações como as surgidas em Gondomar, Oeiras, Braga, Guarda, Santarém e tantos outros lugares onde existiram indícios de corrupção e conflitos de interesses caciqueiros.

Tais conflitos e atos corruptos não se deveram aos territórios mas sim a comportamentos de alguém, com influência nos meandros das burocracias, prejudicando o erário publico concomitantemente com o enriquecimento elícito de alguém.

Entender que a lei “não é um castigo sobre os autarcas, sobre a função é uma limitação territorial” é claramente uma interpretação desviante em função do interesse próprio.

Morreira da Silva, responsável do PSD para a coordenação autárquica, pode entender que a lei não deva ser interpretada, objectivamente, como um castigo de quem exerce a função de presidente de junta ou de município. Também assim o entendemos. Agora, afirmar que a dita legislação se destina a uma limitação territorial seria aceitar que qualquer cacique e traficante de influências em obras municipais se anula mudando-o de território e que o mesmo se pode mudar, por exemplo, de armas e bagagens de Cintra para Lisboa, de Gaia para o Porto, de Santarém para Oeiras, de Braga para Faro ou de Bragança para Lagos.

O senhor Moreira da Silva até pode ludibriar os militantes do PSD mas não pretenda atirar, a todos os eleitores, com areia para os nossos olhos. Isso é abusar da nossa paciência!

Outra nota muito estranha, (olhe que não, olhe que não) na entrevista que deu ao DN, é quando Moreira da Silva que diz que “é preciso proteger os mais pobres” só que para este governo, do qual é um dos primeiros mentores, “os mais pobres” são os que recebem menos de 600€ de reforma, os sem-abrigo que nem recorrem ao SNS, ou reclamam qualquer apoio do Estado. Todo aquele que reclamando os seus créditos do acumulado no fundo de pensões e tenham direito mais dos 600€ são considerados ricos a que se carrega com impostos.

Querem um país de pobres e indigentes pedintes às portas das misericórdias.



Publicado por Zé Pessoa às 12:15 | link do post | comentar | comentários (1)

Sexta-feira, 27.04.12

              Escola da Fontinha: just do it  (-por Daniel Oliveira)

      A Escola da Fontinha era um edifício abandonado durante cinco anos, usado por toxicodependentes. Como é num bairro pobre, nunca Rui Rio se preocupou com isso. Um dia, um grupo de cidadãos resolveu fazer o que a Câmara não fazia: dar um uso àquele espaço. Arranjaram, limparam, pintaram.

      E durante um ano aquele edifício abandonado foi usado pela comunidade: atividades culturais, acompanhamento escolar para os miúdos, aulas. As pessoas que ali trabalharam faziam-no de graça. E isso Rui Rio nunca entenderá.

Muito menos a ideia de um grupo de cidadãos se juntar, na "sua" cidade, sem a sua superior autorização, para fazer alguma coisa pelos outros. Muito menos para desenvolver qualquer tipo de atividade cultural que não passe pelo seu crivo provinciano. Rui Rio matou a vida cultural do Porto, transformando uma das mais vibrantes cidades portuguesas numa pequena cidade de província. Porquê? Porque Rui Rio é um verdadeiro autoritário. Abomina a liberdade dos outros, a criatividade dos outros, a opinião dos outros.

     Mas a Escola da Fontinha carregava outro perigo: ao usarem uma ruina da incúria do poder local para fazerem qualquer coisa de útil para os outros, coisa que todos os vizinhos agradecem e aplaudem, aquelas pessoas exibiam, sem terem de abrir a boca, a negligência do presidente da Câmara. E passavam uma mensagem que Rio não aguenta: se quem te governa não cumpre, faz tu. Muito menos quando quem o faz não procura o lucro.

     O despejo violento de gente que usa um espaço abandonado, ao qual o Estado se recusa a dar uso, para ajudar a comunidade, é um excelente retrato da cultura política e cívica o poder Estado português. Não serve para servir a comunidade.

Serve para impor a vontade do governante. E para exibir o seu poder, não se importa de deixar um edifício emparedado no lugar onde alguém fazia alguma coisa de útil. O gesto autoritário do Presidente da Câmara, injustificável aos olhos de qualquer pessoa com o mínimo de sentido cívico, faz todo o sentido: não é Rui Rio que serve o Estado para este servir os cidadãos. É o Estado que serve Rui Rio para os cidadãos se vergarem ao seu poder

Querem saber porque somos um país atrasado e subdesenvolvido? Porque admiramos a autoridade de homens como Rui Rio. Como se a força bruta fosse a única forma de poder que entendemos. 

Do meu lado, aqueles que fizeram a Escola da Fontinha só podem merecer o respeito, admiração e solidariedade. Eles são, com a sua vontade e generosidade, quem pode fazer deste país uma sociedade decente. Rio, na sua soberba autoritária, é apenas um reflexo da estupidez arrogante do poder que nos atrasa há séculos. E não encontro melhor data para escrever este artigo do que o dia 24 de Abril. 

        

   Fontinha  (-por Bruno Sena Martins)   "Activistas do movimento Es.Col.A reocuparam a Escola da Fontinha, no Porto, em 25 Abril 2012." 

 



Publicado por Xa2 às 11:46 | link do post | comentar | comentários (2)

Sexta-feira, 16.03.12

Vir a público (como fez agora o vice presidente da Associação dos Municípios) esgrimir como argumento de defesa das suas teses a acusação de que o governo injecta, todos os meses, rios de dinheiro nas empresas públicas sem distinguir a realidade dos factos é de má-fé, é hipócrita e revela ignorância.

Esses autarcas esquecem que cobram impostos e aplicam taxas cujo valor já pesa, significativamente no bolso dos contribuintes, coisa que tais empresas, mesmo as dos transportes, não podem fazer.

Os autarcas (a grande maioria) que fazem demagogia eleitoral em vésperas de eleições têm de assumir as respectivas consequências, fazem-no em proveito próprio.

Já as empresas do SEE, nomeadamente as dos transportes, têm sido, abusivamente, utilizadas por todos os governos que passaram nos últimos trinta anos por São Bento, com a conivência da Assembleia da República, para fazerem as mais desbragadas promessas eleitorais, obrigando as mesmas a endividamentos cujos encargos se tornaram incomportáveis e a que estão subjugadas.

Só no caso do Metro de Lisboa a divida acumulada ronda os quatro mil milhões de euros na sua esmagadora parte contraída para realizar obras mandadas fazer em épocas de eleições e a expensas da própria quando seria normal que quem manda devesse pagar tais desmandos.

Demagogias, populismos e irresponsabilidades é o pão de cada dia começando e acabando nos próprios órgãos que deveriam exercer controlo em tais desvarios: AR, TC, PJ, PGR, PR… e o povo, pois claro!



Publicado por DC às 14:15 | link do post | comentar

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