SINDICATOS EUROPEUS DEBATEM FUTURO !
AS GREVES EM PORTUGAL ou o que parece nem sempre é!
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Outro dia perguntaram-me a opinião sobre a greve do Metro ...
Declaração de interesses: Eu não sou accionista, administrador, dirigente, sindicalista ou trabalhador do Metro Lisboa. Mas sim um utente/cliente/ 'pagante', regular, entre muitos. Resposta à pergunta:
1- No presente, a greve afecta-me. (e essa é a intenção de qualquer greve: afectar a produção ou serviço, para ... mudar/ tentar conseguir algo).
Afecta-me negativamente porque é um transtorno/ custo acrescido (em tempo e/ou dinheiro e/ou não-qualidade de serviço) para me deslocar de casa para o trabalho. Pelo que devia exigir à empresa uma compensação (ex: desconto no passe mensal, correspondente a um dia de não-uso forçado, por não-disponibilização do serviço contratualizado. - Lembrar-me disto e protestar/ reclamar futuramente.).
E afecta-me positivamente porque é (mais) uma oportunidade de fazer exercício, de caminhar (o que acabei por fazer, na ida e à volta, e com gosto, ... até porque estava bom tempo).
2- No futuro, a greve também me afecta. Pois, se esta(s) greve(s) Não atingir(em) os objectivos pretendidos (melhor serviço para os cidadãos e melhores condições de trabalho e de remunerações para os trabalhadores, ...), -a acreditar nos que lá trabalham e no que se vai sabendo pelos media - a empresa e o serviço degradam-se, perdem clientes, nome/mercado (face ao rodoviário), ... e pode ser mais um factor a levar ao seu encerramento e/ou venda/concessão a privados por preço rebaixado, ou a novo aumento do preço dos bilhetes ... ou à injecção de capital/subsídios públicos, que afectam o orçamento, os impostos, outros serviços públicos e ... o meu bolso e o meu corpo.
Se esta(s) greve(s) atingir(em) os objectivos pretendidos (...), os trabalhadores obtêm o que pretendem e os utentes passam a ter maior qualidade de serviço. Mas, a tutela/administração, tem de repensar a gestão, organização e o financiamento (face ao aumento de remunerações, qualidade, ...e dívidas), ou a empresa torna-se inviável ... (e eles também perdem os seus cargos) e todos perdemos com o eliminar de um serviço de interesse público, reconhecido, e de menores custos ambientais e financeiros para a sociedade.
Mas a perspectiva da administração (ao não querer ceder às reivindicações dos trabalhadores) será mais válida do que a dos trabalhadores? Não conheço todas as envolvências, mas sei que a qualidade do serviço prestado tem vindo a baixar ... e sei que não é aceitável fazer passar para os trabalhadores o ónus das eventuais dificuldades da empresa. "Espremer" os trabalhadores (para «obter mais "produtividade", mais "valor", ...») e aumentar as desigualdades sociais, para beneficiar o factor capital não é digno de uma sociedade que se diz querer mais justa e solidária.
E também sabemos que, em qualquer organização, os maiores responsáveis estão no topo ... sendo que os maiores problemas geralmente advêm de falhas da organização e de más decisões de gestão, ... às vezes agravadas por incompetência, nepotismo, corrupção, desvio de recursos, sujeição a interesses privados, partidários e/ou governativos diversos.
3- Ou seja, a greve é um direito constitucional e é um "braço de ferro" entre entidades patronais e trabalhadores, com visões e defesa de interesses não coincidentes. Note-se que, 'à cabeça', os grevistas perdem a remuneração do dia de greve... (e geralmente são 'agredidos' na sua avaliação, carreira e emprego), pelo que este direito e 'arma' não deve ser desvalorizada, nem banalizada e/ou vilipendiada. Não valorizar (a greve e) a posição dos grevistas (e sindicatos) é desvalorizar todos os trabalhadores e os direitos constitucionais... e substituir a democracia e o "estado de direito" pelo "direito do mais forte", pela ditadura e/ou barbárie.
A greve afecta todos os cidadãos (uns mais do que outros), por isso (tal como a resolução pacífica e justa do conflito) deve interessar a todos, e (em vez de só acusar o factor trabalho e o sindicalismo) deve exigir-se sempre melhor organização, administração, eficiência, e diálogo construtivo, para benefício de todos, ... sem o qual todos nós perdemos.
O mesmo raciocínio é aplicável a outras greves e organizações ...

(«Ah, os "bons velhos tempos"... antes de os sindicatos "estragarem" tudo»). Ao ler tantos e tantos comentários negativos relativamente a quem faz greve, compreendo que trabalhar com um mínimo de direitos e condições em Portugal é, não só uma realidade que cada vez menos pessoas têm acesso, como uma verdadeira prova de valentia e coragem psicológica. Estas pessoas, além do serviço diário que naturalmente já fazem, são alvo quase que diariamente de uma lavagem cerebral atroz de que aquilo que têm são ‘regalias’ e que ‘há quem esteja disposto a trabalhar ainda por menos’. Eu não consigo imaginar a culpa e a pressão que muitas dessas pessoas devem sentir e acho isso abominável. Uma sociedade de lobos ávidos de sangue.
Ao defender o direito à greve de tanta gente trabalhadora que fala mal da mesma, sinto-me completamente num filme. Num filme cheio de pessoas, infelizmente miseráveis, a defender com unhas e dentes o direito à sua própria miserabilidade. É triste.
Os meus parabéns a todos os trabalhadores com direitos por aí fora. Que não se sintam mal nesta sociedade que cada vez mais lhes aponta o dedo e que façam, mesmo, o oposto: lutem por manter o que têm e, mesmo, por ganharem mais! E obrigado por existirem e serem realmente, o motor do país.
EUROPEU SEM TABUS, PORTUGUÊS SEM COMPLEXOS.
António José Seguro colocou em cima da mesa o tema do federalismo. Vamos então debater, sem complexos nem tabus. Importa saber do que se trata, até porque o federalismo vai muito para além dos eurobonds, da harmonização fiscal e da governação económica da zona euro. E também porque, ao contrário dos EUA, a Europa é constituída por nações antigas, com uma grande diversidade de línguas, identidades e culturas. Não é algo que se dissolva.
Segundo o método de Jean Monet, a Europa deveria ser construída passo a passo, sem saltos bruscos. Não um projecto global, mas projectos discretos, num processo deliberadamente ambíguo. Depois alguns dirigentes aceleraram.
As recentes revisões dos Tratados da UE (de Maastricht a Lisboa, passando por Nice) aprofundaram dois eixos fundamentais, que nos trouxeram a esta encruzilhada:
no plano económico (com Maastricht), a organização do mercado interno segundo os princípios da ideologia neoliberal;
no plano institucional (de Nice a Lisboa) – com o alargamento a Leste em plano de fundo – a redistribuição do poder em favor dos países mais populosos.
O BCE dedica-se em exclusivo à defesa intransigente dos princípios monetaristas, aplicando ao euro as regras que fizeram do marco alemão uma moeda forte, agravando as assimetrias económicas no espaço da zona euro. O BCE tem a obsessão do controlo da inflação, mas nada faz em termos de política cambial e promoção do crescimento económico. Nesta Europa há dumping fiscal – os nossos grandes grupos pagam todos os seus impostos na Holanda – mas não há políticas coordenadas tendo em vista um salário mínimo europeu digno.
No plano político e institucional, os sinais não vão propriamente no sentido do federalismo.
O processo de decisão das instituições europeias está cada vez mais reduzido às mini cimeiras Merkel – Sarkozy, numa indisfarçável tentação de directório. A Europa, de democracia e transparência, tem já muito pouco. E a Comissão Europeia, garante dos tratados, está desaparecida em combate.
Estamos longe do sonho de Victor Hugo: Estados Unidos da Europa com a capital em Paris. Por ora a capital está em Berlim. No primeiro discurso que pronunciou sobre este tema, em 1946, Churchill foi claro:
“A estrutura dos EUE, se bem construída, deverá tornar menos importante a força material de um determinado Estado. As pequenas nações contarão tanto como as maiores e ganharão a sua honra através da contribuição para a causa comum.” Sabe-se a que Estado ele se referia. Por seu lado, Martin Wolf, num artigo publicado, no dia 13, no Financial Times, afirma que é tempo dos dirigentes alemães escolherem entre a zona euro e a Grande Alemanha.
A lógica das solidariedades de facto, iniciada com a Comunidade do Carvão e do Aço, com benefícios mútuos, tendo em vista a criação de uma prosperidade partilhada, solidária e interdependente – desenhada para trazer a paz definitiva à Europa – deu lugar a um sistema em que a prosperidade de uns é construída à custa dos outros.
O excedente comercial alemão (2/3 das exportações alemãs são destinadas ao mercado da UE) é feito à custa do endividamento dos países “periféricos”, fomentado pelos bancos alemães, com a ajuda diligente dos bancos das periferias. Sabemos, no caso português, o que nos têm custado as parcerias público-privadas.
No topo da pirâmide da dívida (e importa lembrar que no caso português a dívida privada é o triplo da dívida pública, por causa da “liberdade” concedida por sucessivos governos às práticas irresponsáveis e à ganância dos bancos, desde a entrada no euro e o acesso a dinheiro “barato”), estão os maiores bancos franceses e alemães.
Os planos de 'resgate' visam, em primeira instância, proteger estes credores, e não os povos dos países recebedores de “ajuda” a taxas de juro que garantem um lucro seguro a quem empresta.
Nas horas de crise, foi frequente ver parte das nossas elites a vacilar e a colocar os seus interesses à frente do interesse nacional. Poucas nações com a dimensão de Portugal deram um tão valioso contributo para a história da Humanidade. A nossa democracia foi conquistada a muito custo. Ora não podemos sacrificar a democracia e a soberania – que são duas faces de uma mesma moeda – de uma penada, por causa de um excesso de zelo europeísta, sem correspondência com a teimosa realidade dos factos.
Sem tabus e sem complexos, há perguntas que têm de ser colocadas num debate sobre federalismo:
• Qual será o papel do nosso parlamento, que competências manterá?
• Continuaremos a ter uma política externa autónoma – justificada pela nossa presença global, com interesses específicos em África, no Brasil, no Espaço atlântico, na protecção da nossa língua (a 5ª mais falada do mundo) e das nossas comunidades – ou entregaremos esse reduto da nossa soberania às instituições europeias, que serão sempre e fatalmente dominadas pelos países mais ricos e populosos
• Continuaremos a ter FA autónomas? Ou enviaremos os nossos soldados, nas guerras do futuro – que muito provavelmente acontecerão, independentemente da nossa vontade actual – para servirem num exército também ele comandado por generais alemães e franceses?
• Nesse sistema federal do futuro, será que os nossos parceiros mais populosos – que tanto poder ganharam com as recentes revisões dos Tratados – aceitariam a criação de um Senado europeu, em que a composição seria paritária entre os Estados, independentemente da respectiva população? Recordo que, no actual desenho institucional da UE, não há nenhum nível em que os Estados soberanos estejam efectivamente em igualdade.
E como pergunta final :
se enveredarmos por um federalismo de “cheque em branco”, será que valerá a pena, no futuro, os portugueses continuarem a eleger um Presidente da República, um Parlamento e um Primeiro Ministro?
Estou a fazer de advogado do diabo, porque o tema é sério. Sou um europeu sem tabus, mas também um português sem complexos.
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(A resposta poderá estar em diferentes exemplos de organização política como: Rep. Federal da Alemanha, Rep. Federativa do Brasil, União Indiana, E.Unidos da América, Canadá ('domínio'), ... e da Confederação Helvética/Suiça. - democracias com características bem diferenciadas, incluindo existência de diversas línguas oficiais, religiões, culturas, graus de desenvolvimento económico, ...)