A promoção da imaturidade (-J.C. Alexandre,19/11/2019, Destreza das dúvidas)
Uma criança de cinco anos faz uma birra. A mãe pega nela ao colo e apanha uma bofetada. Coitadinha, coitadinha, diz a mãe, perante a compreensão dos adultos que a rodeiam. Um jovem aluno comete uma vileza atroz. Um padre, altamente compreensivo, interpela-o: “Você não acha isso uma deslealdade?”. O jovem pergunta: “É preciso ser leal?”. ... Enclausurado no espírito do tempo, que lhe dizia que todas as inclinações dos jovens são boas, simplesmente porque são dos jovens, o padre não conseguia alcançar o “óbvio ululante”: aquele jovem era um canalha, um pulha.
O “poder jovem” era uma das principais embirrações ou obsessões do cronista brasileiro Nelson Rodrigues (1912-1980). ...A “unanimidade é burra”, sublinhava ele. Mas voltemos ao “poder jovem”. N.Rodrigues associa-o à ascensão imparável dos idiotas ... Ao fim de muitos milénios, os idiotas perceberam finalmente o “óbvio ululante”: tinham uma vantagem numérica. A partir de determinada altura (...), os idiotas perderam a sua natural humildade e deixaram de ter vergonha da sua idiotia. Hoje, estão em todo o lado. No governo, nas universidades, nos media. Têm as melhores mulheres. Por uma questão de sobrevivência, rapazes inteligentíssimos, dotadíssimos têm de se fazer passar por idiotas. São os “falsos cretinos”.
Não foram os jovens que pediram o poder, nem tal coisa jamais lhes passaria pela cabeça. Foram os velhos idiotas, cobardes, que deram total cobertura à imaturidade. Sacerdotes, professores, psicólogos, artistas, sociólogos. Não percebem que os jovens participam muitas vezes na nossa infeliz e, por vezes, abjecta natureza humana. O jovem é o ser humano com as suas fragilidades, tentações, corrupções, canalhices. O jovem tem todos os defeitos dos adultos e mais um: a imaturidade, lembra esta "flor de obsessão", este "velho reaccionário" chamado Nelson Rodrigues.
--- Isidro Dias: (...)-- Exacto e posso assegurar que não se trata de ideologização, muito menos de desprezo pelas crianças e jovens. Numa associação local de Pais e Encarregados de Educação sabia-se que, em caso de indisciplina grave, tinha de existir uma sua intervenção clara a favor da responsabilização (e sanção), porque os professores, (... estavam condicionados na sua actuação e carregados de burocracia)...
-- A imaturidade é tão essencial na nossa formação que o tempo relativo dos humanos antes de serem adultos é muito maior que o dos restantes animais. Sem tal tempo de imaturidade possivelmente continuaríamos onde estavam os nossos antepassados há cerca de dez mil anos - sem saberem escrever e ler, sem terem aptidões musicais e poéticas e sem sentido crítico q.b. O encurtamento da infância nunca deu bons resultados. O que, ainda assim, não invalida uma regra-mestra sugerida pelo grande "João dos Santos": "As crianças têm direito a sofrer!". (...) exageros de "Entitlement". É que se generalizou a ideia de elogiar as crianças e os jovens por coisas triviais que deveriam ser percebidas como mínimos ...
-- ( e de ceder/dar às crianças/ adolescentes/ jovens 'direitos' e bens em demasia... , de os desresponsabilizar pelos seus actos, ou pior, de os promover a posições de decisão de interesse colectivo/público sem estarem preparados/ aptos, nem terem vivência ou experiência ...).
------ Perfil do idiota (-por Ernesto Sampaio, 1935-2001)(- no Diário de Lisboa, de 12/6/87.; via [FV] , 04.09.15, Luminaria.]
O idiota é geralmente competente, moralmente irrepreensível e socialmente necessário. Faz o que tem a fazer sem dúvidas ou hesitações, respeita as hierarquias, toma sempre o partido do bem e acredita religiosamente nas grandes ficções sociais.
A incapacidade de relacionar as coisas, as ideias e as sensações transforma-a ele em força, e como lhe escapam as causas e os fins do que lhe mandaram fazer, fá-lo com prontidão e limpeza, sem (questionar/ pensar/) introspecções inúteis. Do mesmo modo, como vê no destino o único regulador da vida, acha que se uns dão ordens e outros obedecem é porque todos cumprem misteriosas injunções da providência, as quais é não só inútil, mas criminoso sondar.
O idiota só pode ser bom. Para o mal, precisa-se de imaginação, inteligência descriminativa, espírito científico. Como também não dispõe de virtualidades poéticas e é, portanto, incapaz de se criar a si próprio, idolatra quem o criou: Deus em primeiro de tudo, e depois os pais.
O idiota é um bom cidadão. Sem ele, a sociedade entraria em curto-circuito, incendiada entre os polos do dever heróico e da desobediência revolucionária. Dado ser-lhe vedado apreender o nexo que liga a evolução dos meios de produção à transformação das relações de propriedade, acredita de facto que o corolário das novas tecnologias é o reforço da iniciativa privada, da livre empresa e do livre mercado. É o único que acredita nisso e ainda bem. Se ninguém acreditasse, esta sociedade parava. O idiota é todo liberdades.
A idiotia também faz bem às artes, principalmente às audiovisuais. A concentração do idiota numa ideia fixa, torna-o especialmente receptivo às músicas de ritmo simples e batida forte, o que facilita extraordinariamente o comércio discográfico, com todas as vantagens que daí advêm para producers e performers, enfim, para o tecido social. No que diz respeito às artes plásticas, tudo é mais fecundo se não houver interferências entre os olhos e as mãos. As ideias perturbam, turvam o olhar, atrapalham o gesto e, nos casos de ideologite aguda, daltonizam as cores. Sem imagens, uma cabeça vazia endoidece.
Embora para um idiota seja uma desvantagem não saber que o é, normalmente ninguém lho diz: segundo Brecht, «tornar-se-ia vingativo como todos os idiotas». Aliás, o mesmo Brecht diz que ser idiota não é grave: «É assim que você poderá chegar aos 80 anos. Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem. E então na política!»
O idiota puro é o idiota jovem. Com o tempo, torna-se cínico, adquire hábitos esquisitos, sempre à procura do que lhe serve ou lhe rende, em busca de técnicas para obter sucesso e se sentir bem, sereno, de boa saúde e belo aspecto: cristianismo, ioga, dieta macrobiótica, drogas, parapsicologia, psicanálise, etc.
Para o idiota, os sentimentos e as emoções são «uma boa», constituindo dados manipuláveis. Em si mesmos, não lhes acha qualquer sentido ou valor, mas de qualquer modo são coisas que lhe podem trazer vantagens ou desvantagens: é preciso, portanto, avaliar-lhes as implicações e consequências. Ao lidar com sentimentos e emoções, os próprios e os alheios, o problema, para o idiota, consiste em controlá-los, guiá-los, desfrutá-los, e isso implica trabalho, cálculos complicados e a aprendizagem de técnicas nem sempre fáceis.
Impossível, realmente, para o idiota, é a espontaneidade criativa. É algo que lhe surge como uma perspectiva insegura e assustadora. À criação, prefere os sucedâneos que se aprendem nos «workshops» e nas escolas. É uma vida dura, a do idiota: de curso em curso, de colóquio em colóquio, de ciclo em ciclo. Se tem dinheiro, o idiota não se priva de ir ao sexologista e ao psicanalista aprender a libertar os apetites e fantasias sexuais e sentimentais. Com o tempo, tudo se torna para ele aprendizagem e contabilidade: do prazer, da espontaneidade, da criatividade. Cautelosa, como a contabilidade do dinheiro. Ao idiota, repugnam os ímpetos passionais, poéticos e místicos: procura prazeres seguros, previsíveis, e afasta tudo o que possa perturbá-lo.
No plano do consumo e da vida social, o idiota português aprecia as coisas cómodas, os pequenos e grandes privilégios, planeando com minúcia o modo de obtê-los. Sejam quais forem as suas petições de princípio políticas, no fundo é um céptico, despreza o «povinho», vive fechado para os outros. Aos generosos e altruístas, considera-os parvos ou hipócritas. O idiota circula à volta do sucesso como a borboleta em redor da chama, agarrando-se como lapa ou mexilhão a quem o alcança. Espertalhão, agrada-lhe receber, mas dá o menos possível, e arranja sempre qualquer explicação ética para justificar este comportamento. Na realidade, a sua lógica, elementar como as suas poucas ideias e imagens, consiste sempre em receber mais do que dá.
Na actividade económica, não existe em Portugal correspondência entre o surto idiotista e o crescimento empresarial. Em muitos cavaleiros da phinança idiotófila prevalece ainda um conceito patrimonial da riqueza. Uma bela casa no campo é ainda o sinal mais espaventoso de bem-estar e opulência.
Entre os idiotas, também começa a manifestar-se, se bem que de modo caricatural, algo que recorda o hedonismo e o utilitarismo da aristocracia de outrora: o gosto de ser servido, de se distinguir do «vulgar». Como única crítica a filmes, espectáculos, livros, etc., é frequente ouvi-los dizer: «Mas que mau gosto!»
Os idiotas andam sempre juntos: consomem os mesmos produtos, frequentam os mesmos locais, lêem os mesmos livros e jornais, e têm uma habilidade notável para descobrir e evitar quem não é idiota. Graças a Deus! A política, porém, unifica o conjunto da sociedade sob o signo da idiotia: pessoas estimáveis, notáveis até nos diversos domínios do saber e da cultura, quando chegam à política tornam-se idiotas. Triunfam, quer-se dizer. Tornam-se, enfim, (figuras) públicas.
------ [ Pais e cidadãos, digam : NÃO ! aos idiotas e aos irresponsáveis ! ] (sejam jovens ou adultos) ... e lembrem-se que críticas aos jovens já eram feitas de modo semelhante na Antiguidade, por 'sábios' ... -(ver citações em comentário)
-porque será que a maioria (jovens e adultos) tem má educação e aparenta pouco juízo (e iliteracia e pouco civismo) ? ...
-porque os seus pais e a maioria da sociedade são maus educadores ? ...
-porque a elite prefere ter uma maioria de idiotas que manipula facilmente?...
-porque é mais fácil e gostoso seguir a moda e os prazeres ?...
FNE (UGT) e/ versus FENPROF (CGTP) (-por João Paulo, 3/6/2015, Aventar)
Portugal tem um carácter profundamente bolorento e, o ódio do senso comum aos sindicatos, é uma das marcas desse material genético, que o ditador nos deixou. Qualquer conversa de café, rapidamente nos leva ao facto dos sindicatos serem sempre do contra, de nunca estarem de acordo com nada, de só pensarem nos seus sócios. E, nem é preciso, pensar no BES ou no BPN para explicar a diferença de carácter entre um Manuel Carvalho da Silva, um verdadeiro líder e qualquer dos ladrões Banqueiros que nos roubou. Mas, a (propagandeada) culpa continua a ser dos sindicatos (, das greves, dos direitos, dos trabalhadores !!).
Poderia até fazer uma pergunta – qual foi o direito dos trabalhadores que foi conseguido sem a luta dos trabalhadores? Horário de trabalho? Férias? Etc…
Será que parte desta marca impressiva resulta do papel que os sindicatos da UGT (e a FNE) têm tido, sempre disponíveis para ceder/ dar a mão ao poder ? (do 'centrão', seja PSD e/ou PS) e da sua rivalidade/oposição à CGTP (e à FENPROF), conotados com o PCP / mais à esquerda do PS, na oposição ao poder do centrão neoliberal.
Nos últimos dias, temos vindo a assistir a uma luta pública entre as duas maiores organizações sindicais de Professores. De um lado a FNE, liderada, desde 2004, pelo laranjinha João Dias da Silva e a FENPROF, liderada pelo Mário Nogueira (2007). O tema, a carreira dos professores do ensino particular. Aqui, a questão é clara – a FENPROF (a mais representativa) perguntou aos seus sócios o que pretendiam e estes foram claros. Não a este acordo com os patrões. O que faz a FNE? Assina, contra a vontade dos professores.
E, com a história da Municipalização da Educação (e a dependência das escolas, currículos, contratação e financiamento, das 'cores' humores e caciques locais, da 'filiação' e nepotismo), estamos a ver um filme de série b, visto vezes sem conta. Por estes dias, a FENPROF está a levar a cabo uma iniciativa de forte impacto na vida das escolas, consultando os professores sobre o processo de municipalização. Não tenho dúvidas do rotundo não que irá resultar desta consulta, onde milhares de Professores participam.
Perante isto, o que diz a FNE ? O que pensa a FNE de um processo que gera unanimidade total entre a classe? Será que a FNE e o João Dias da Silva estão apenas ao serviço do PSD em tempo de campanha eleitoral?
----
A Educação perdeu o estatuto de um direito e ganhou o estatuto de uma mercadoria
(-por Santana Castilho, professor do ens. superior, 3/6/2015)
Não conseguiremos, sós, à revelia da Europa em que nos integramos, particularmente sem cumplicidade política estabelecida com os países cujos problemas se assemelham aos nossos, mudar a maior parte das variáveis que condicionam a nossa vida futura. Mas podemos mudar a Educação. Se queremos mudar Portugal, temos que dar atenção à Educação e alterar-lhe o rumo. Cada vez instruímos mais (e em sentido errado) e educamos menos. Em nome de uma economia sem humanidade, construímos autómatos e roubamos a infância às nossas crianças. Em período de pré campanha, o que se vê (ou não se vê) é desolador. ... (ver texto completo em comentário) tags: Min.Educ.; IAVE (ex-GAVE); exames; ...
O Negócio do Século (-por Raquel Varela , 25/11/2013, 5Dias e em Revistarubra.org )
Como é que o salário de um dia de trabalho acaba nas mãos de um Banqueiro que, sorridente e em directo na televisão, diz que o país aguenta tudo? A história é simples, demasiado simples.
Leio nas notícias que a Câmara de Mafra, como tantas outras, está falida ou em risco de falir ou com «sérios problemas financeiros». Uma das razões principais da falência autárquica neste país, se não for a principal, é as autarquias serem, no negócio imobiliário, a face pública dos fabulosos lucros privados que resultam do loteamento das terras agrícolas ou ecológicas, e da sua transformação em prédios urbanos.
O investigador Pedro Bingre do Amaral explica-o como ninguém — a margem de lucro entre um terreno passar de rural a urbano fica, no caso português, em mãos privadas. Trata-se de um negócio — cito Paulo Morais — que só «tem margens de lucro semelhantes no negócio de tráfico de droga no grossista, porque no retalhista já é mais baixo». Se o terreno valia 5, passa a valer 50 000, por exemplo. A diferença fica toda nas mãos privadas, desde 1965 até hoje. No resto da Europa, essas mais-valias revertem sobretudo para o público sobre a forma de impostos. Às Câmaras compete fazer, além disso, a urbanização — esgotos, estradas, etc. — deste interminável conjunto de prédios que se vai construindo.
Entretanto, um dia, pelo real funcionamento da lei da oferta e da procura, os Bancos descobrem que têm na mão 5 e não 50 000. Os Bancos chamam o Governo que emite dívida pública para que os Bancos não assumam o risco do negócio. O Governo, para garantir a dívida pública, emitida para dar aos Bancos, corta salários e pensões.
A Câmara de Mafra anunciou estes dias um aumento do IMI de 0,3 para 0,5%. Entretanto, aumentou o horário de trabalho dos seus funcionários para as 40 horas, quando quase todos os municípios suspenderam e mantêm o horário de 35. A CM anunciou também a redução da derrama — que incide sobre o lucro tributável das empresas. Em poucas palavras : aumenta-se os impostos que incidem sobre o trabalho e reduzem-se os impostos das empresas. Negócio do século!
Historicamente, legitimava-se o capitalista como o homem que colocava o seu capital num negócio e que, por isso, assumia lucros e perdas — e lucro seria assim o prémio pelo risco que corria. Embora eu nunca tenha concordado com esta visão — tudo a mim me parece extracção de trabalho, nada mais —, hoje, o que se verifica é que quando as grandes empresas sofrem perdas (não as pequenas, afogadas em impostos) o Estado assume-as, todas, emitindo dívida e enviando a conta para os que vivem do salário e que não podem resistir ao saque fiscal. Para reduzir o salário, corta-se no salário directo, mas faz-se mais, despedem-se trabalhadores e exige-se aos que ficam que deixem de ter vida e trabalhem por 2 ou 3.
Hoje, por acaso justamente em Mafra, numa grande superfície, vi escuteiros a embrulhar presentes. Perguntei à responsável porque estavam eles ali, ao que ela me respondeu que estavam ali «a fazer aquele trabalho e a angariar fundos para ajudar as famílias carenciadas». Esclareci-a que, num país decente, aquilo era:
1) trabalho infantil mascarado de trabalho voluntário;
2) substituição de trabalhadores que ocupam aquelas funções por trabalhadores que não recebem ou recebem muito abaixo dos outros da mesma empresa;
3) que isso descapitaliza a Segurança Social e o Estado Social porque há cada vez menos gente a descontar.
Finalmente, disse-lhe, com quietude, que ela NÃO estava ali a AJUDAR famílias carenciadas, estava a contribuir para as produzir: estava a ocupar, com crianças, lugares de trabalhadores que, por aquela via também, não são contratados.
Acredito que ela o faça por bem… tenho quase a certeza disso, na verdade; mas há homens que matam as mulheres porque «elas jamais conseguiriam viver sem eles»— ou como dizia certo velho com barbas: de boas intenções «está o inferno cheio!»
Pais e professores contra novos (mega-) agrupamentos de escolas
O Ministério da Educação e Ciência anunciou a criação de mais 67 novos agrupamentos e as primeiras reacções não se fizeram esperar. Pais e sindicatos dos professores estão preocupados com a decisão de constituir mais mega-agrupamentos — pelo menos um deles, em Lisboa, terá quase quatro mil alunos.
A reorganização cria 12 novos agrupamentos com mais de três mil alunos e apenas dois têm menos de mil estudantes (ver ficheiro em anexo). Trata-se de um "crime pedagógico", classifica Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), ouvido pela agência Lusa. Os chamados mega-agrupamentos são "instrumentos fundamentais para despedir", continua.
João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE), concorda que esta medida vai ter como consequência o despedimento de pessoal docente e não docente. É uma medida "meramente económica", reage Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), que, segundo confessa à Lusa, "não tem quaisquer expectativas positivas" em relação a esta decisão da tutela.
"Quando dessa agregação resultam grandes unidades organizacionais com um número elevado de alunos, cria-se um distanciamento entre quem dirige as escolas e as pessoas que aí trabalham como os professores, os trabalhadores de apoio educativo e até os alunos”, avalia João Dias da Silva à Lusa.
O "distanciamento" é também uma preocupação para os pais. Albino Almeida recorda que há dias, em Lisboa, foram detectados casos de crianças com fome que não tinham chegado ao conhecimento do director do agrupamento. Mas não só: existe outro factor — a "distância" — que pode obrigar os alunos a deslocarem-se para outras escolas, mais longe, por falta de oferta.
“Acima do interesse da educação e dos alunos hoje está a questão financeira. Estes mega-agrupamentos têm o único objectivo de poder reduzir, eliminar, extinguir lugares, quer de docentes, quer de não docentes”, resume Mário Nogueira, que lembra que no anterior Governo socialista, quando a medida dos mega-agrupamentos começou a ser aplicada, o PSD se posicionou contra.
“Quando a doutora Isabel Alçada [ex-ministra da Educação] implementou os primeiros agrupamentos escolares, o PSD apresentou um projecto de resolução em que dizia ao Governo de então que não havia estudos nem evidências que comprovassem a eficácia dos mega-agrupamentos. Não há seriedade nenhuma da parte deste Governo, porque faz exactamente o mesmo que criticava antes”, condena.
O Ministério da Educação e Ciência anunciou a criação de mais 67 novos agrupamentos e as primeiras reacções não se fizeram esperar. Pais e sindicatos dos professores estão preocupados com a decisão de constituir mais mega-agrupamentos — pelo menos um deles, em Lisboa, terá quase quatro mil alunos.
João Dias da Silva nota que há países que estão a fazer o contrário, a constituir pequenas unidades organizacionais, porque a "ordem pedagógica e a organização pedagógica das escolas exigiria formas mais próximas de gestão e de trabalho pedagógico". Mário Nogueira considera que "um mega-agrupamento de quatro mil alunos é a negação de tudo aquilo que é tido como a qualidade do ensino, é a negação da escola".
Por seu lado, Albino Almeida defende que as autarquias devem ser envolvidas. Mais: “É absolutamente necessário que esta política seja avaliada no futuro e permitir também que as escolas proponham o seu próprio modelo de gestão dentro de um quadro, como a Confap tem defendido, de uma lei-quadro do funcionamento do ensino público em que as escolas fossem financiadas por aluno ou por turma.”
O ministério diz, em comunicado de imprensa, que esta medida tem como objectivo "reforçar o projecto educativo e a qualidade pedagógica das escolas, através da articulação dos diversos níveis de ensino, do pré-escolar ao secundário", permitindo aos estudantes fazer todo o seu percurso no mesmo agrupamento; "facilitar o trabalho dos professores, que podem assim contar com o apoio de colegas de diversos níveis de ensino"; e "racionalizar a gestão dos recursos humanos e materiais das escolas, dando-lhes o melhor aproveitamento conjunto possível". Os agrupamentos anunciados vão entrar em vigor assim que forem nomeadas novas comissões administrativas provisórias.
Gás pimenta na Pátria que nos pariu (-por Daniel Oliveira, Arrastão)
O que diríamos de um pai que lançasse
gás pimenta sobre os olhos do seu filho? O que diríamos de um professor que fizesse tal coisa a um aluno?
O que devemos dizer sobre um polícia que o usa, levando a que crianças e jovens, entre os 12 e os 15 anos, a receber assistência hospitalar? Foi isso que a polícia fez na última sexta-feira, em Braga, para abrir um portão de uma escola perante uma manifestação que não representava qualquer risco para a segurança dos cidadãos.
Como pode o Estado português garantir o cumprimento da lei nacional e das convenções internacionais por ele assinadas, que proíbem qualquer forma de violência sobre crianças, se são as suas forças de segurança a usar, ao mínimo pretexto, violência contra crianças? Sim, violência. Devo recordar que a Amnistia Internacional considerou, quando foi usado, na Califórnia, este tipo de arma contra manifestantes adultos, que se tratava de um ato "cruel, inumano e degradante". Porque o gás pimenta causa um ardor extremamente doloroso, irritação nos olhos, náusea, choque e vómito quando usado contra a cara de alguém. Pode ter efeitos dramáticos em pessoas com asma ou outros problemas respiratórios.
... ...
Nos telejornais de sexta-feira, esta notícia, que deveria ter merecido uma indignação geral, foi brevemente referida. Em dois dos três casos sem nunca se referir as idades das vítimas desta brutalidade.
Da fraca de reação geral a um caso que deveria levar à uma ação criminal contra o responsável policial que deu ordem para assim se atuar e, provavelmente, à demissão do ministro da Administração Interna; e do pouco destaque que este caso mereceu na comunicação social, só posso concluir uma coisa: quem viveu quase meio século em ditadura habitua-se rapidamente a qualquer sevícia, desde que esta venha do Estado. E já nem os seus próprios filhos sabe proteger. Esta foi, lamentavelmente para a geração em que ainda podemos ter alguma esperança, a Pátria que os pariu.