Deflação espiral de queda (-por João Galamba, 12/1/2015)
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( boneco rapinado aqui ) |
«Na zona euro, se excluirmos a posição Alemã - que, por razões de trauma histórico, vive num mundo monetário e financeiro que é só seu -, parece haver um amplo consenso em torno de dois temas: 1) a deflação é um problema grave; e 2) só o Banco Central Europeu a pode combater. Se o primeiro consenso é positivo, porque a
deflação é, de facto, um gravíssimo problema para a zona euro, tenho muitas reservas quanto ao segundo.
Num contexto de
estagnação económica, endividamento elevado e taxas de juro diretoras próximas do zero, a deflação agrava o problema da dívida. Mas é uma ilusão pensar que só o BCE pode inverter a situação, porque, ao contrário do que pensava Milton Friedman, a inflação não é sempre e necessariamente um fenómeno monetário. É o caso atual.
Delegar no BCE a responsabilidade de combater a deflação,
mantendo a atual estratégia de austeridade e 'reformas estruturais', é a garantia de que nada de muito relevante irá acontecer, porque essa estratégia é hoje a maior responsável pelo clima deflacionário que afeta a zona euro. O BCE pode comprar dívida pública, pode comprar dívida privada, pode pensar nas políticas não convencionais que quiser, mas, se nada for feito para
aumentar a procura agregada e inverter a atual ideia de que a competitividade pressupõe compressão salarial, o ambiente deflacionário irá, infelizmente, manter-se.
Quem atribui ao BCE a responsabilidade de combater a deflação devia olhar para o exemplo do Japão, que anda há mais de duas décadas a fazer o mesmo, sem grandes resultados. O máximo que os japoneses conseguiram fazer foi desvalorizar o iene. O BCE tem instrumentos para
desvalorizar o euro, gerando, por essa via, inflação. Mas
essa inflação será sempre feita por via do aumento do preço dos bens importados, o que diminui o poder de compra dos salários. Mesmo admitindo que a desvalorização do euro pode
favorecer as exportações (o que não é inteiramente líquido) não é seguramente dessa inflação que a zona euro precisa.
O que a zona euro
precisa, e rapidamente, é de crescimento nominal dos salários e de procura agregada, ou seja, o que a zona euro precisa é de
abandonar o estúpido pacto de Euro Plus (competitividade assente na compressão salarial) e todas as 'reformas estruturais' que lhe estão associadas (desregulamentação do mercado de trabalho para embaratecer o fator Trabalho) e de inverter a atual estratégia orçamental,
invertendo, sobretudo,
a redução das prestações sociais, a redução do emprego e salários públicos e do investimento público. Se nada disso for feito, o problema da deflação nunca será resolvido.
E estaremos a alimentar e fazer crescer todos os outros problemas.»
A chance grega e a salvação da Europa (-por F. Louçã, 30/12/2014)
A Grécia terá eleições a 25 de janeiro e a possibilidade de eleger o primeiro governo de esquerda da história europeia das últimas décadas.
Talvez se possa dizer que o primeiro governo Mitterrand, que era uma coligação entre o PSF e o PCF, no seguimento de dez anos de “união da esquerda”, aplicou uma orientação para a mudança entre 1981 e 1983, quando nacionalizou todo o sistema financeiro e os principais grupo industriais nacionais (imagina hoje um PS a propor tal radicalismo?). No entanto, esse governo submeteu-se a partir de 1983 a uma política de austeridade e privatização. Ora, isso foi há mais de trinta anos. Desde então, os governos dos partidos de centro seguiram sempre uma orientação financeira alinhada com os interesses dos mercados, sem qualquer excepção em qualquer país europeu. A Grécia é portanto a primeira oportunidade em décadas para um país da União Europeia escolher uma alternativa de esquerda.
Isso não significa que o resultado esteja já definido. As próximas três semanas farão reviver os medos ancestrais, as campanhas de terror, as chantagens de todo o tipo, a polarização social. E a pressão internacional: durante as últimas semanas, a Comissão Europeia pronunciou-se em favor do candidato presidencial da direita e o comissário Pierre Moscovici, 'socialista', foi a Atenas reafirmar o mesmo. No sábado passado, em entrevista ao Bild, Wolfgang Schäuble veio garantir que o governo alemão obrigará a Grécia a pagar a conta. “As novas eleições não mudarão nada a respeito da dívida grega”, disse o ministro, para bom entendedor meia palavra basta. O FMI suspendeu os tratos com a Grécia assim que foram anunciadas eleições.
Os dados estão lançados mas ainda não se pode adivinhar quem ganha. O triunfalismo é portanto tão desaconselhável como o catastrofismo. Se a esquerda vencer, começará um ano vertiginoso: ou a dívida soberana (197% do PIB) é reestruturada em profundidade e com grandes perdas para o capital financeiro, ou a Grécia terá de ameaçar ou de forçar a sua saída do euro. O Syriza quer impor a primeira alternativa e evitar a segunda. Se, em contrapartida, a direita ainda for a tempo de recuperar e vencer, a Grécia prosseguirá a sua vertigem de endividamento e desagregação. Essa é a origem da contradição onde está a força da esquerda: é a única que representa a nação contra o protectorado, mas a sociedade está dividida.
No mapa político grego, este momento parece irrepetível. O partido socialista, o PASOK, que há quatro anos tinha maioria absoluta no parlamento e 40% dos votos, está hoje reduzido a uma franja e foi agora abandonado pelo seu anterior secretário geral, Papandreu, que forma um novo partido. Comprometido no governo de Samaras, é um resíduo do anterior sistema partidário. A Nova Democracia, o principal partido da direita, aparece atrás do Syriza (esquerda) em todas as sondagens. E os restantes partidos ficam muito à distância: o partido comunista (KKE), o Dimar (uma cisão social-democrata do Syriza e que participou no governo até há pouco), os Gregos Independentes (um partido de direita anti-troika) ou a Aurora Dourada (neo-nazis).
Caso a Grécia opte pela esquerda, será sem dúvida uma oportunidade difícil, mas ainda mais uma inauguração arriscada. Nenhum governo negociou jamais com as autoridades europeias a partir de uma posição de soberania ou de restrição às rendas financeiras da dívida pública. Nenhum governo enfrentou jamais a autoridade do governo Merkel. Nenhum governo questionou até hoje o Tratado Orçamental e a eternização da austeridade. Para o fazer, o governo de esquerda tem de estar muito bem preparado, ancorado em estudos precisos e planos de contingência detalhados, apoiado pela população e disposto a lutar com todas as consequências. O Syriza ainda não apresentou essas propostas concretas e espera-se que o faça nos próximos dias.
Creio que isto nos ensina duas lições e nos confronta com uma terceira questão em aberto. A primeira é que só haverá um governo de esquerda quando a esquerda unida tiver mais votos do que o centro: enquanto os partidos que aceitam a troika, a austeridade ou as regras do Tratado Orçamental forem dominantes, não há solução para uma alternativa. A segunda lição, na minha opinião, é que é preciso manter sempre um rumo claro: a esquerda só será mais forte do que o centro se milhões de pessoas fizerem seu o esforço de enfrentar a finança pondo em causa o chicote da dívida, pois essa é a explicação para o ascenso do Syriza. A terceira questão não tem ainda resposta: se tiver o apoio da maioria, o governo de esquerda é capaz de cumprir o seu programa, vencendo então essa maldição de Mitterrand? Não sabemos. Não falhar onde tantos recuaram é uma tarefa ciclópica. Saber para onde ir quando tantos se alimentam de medo e incerteza é um risco acima das possibilidades. E, no entanto, tudo é realizável: não resta mais nada, não há caminhos intermédios, não há meias tintas, não há conciliações possíveis, os de cima não cedem nada e levaram quase tudo.
Oxalá possamos ter a Grécia a desbravar esse caminho, porque à Europa não restam muito mais chances. Tudo, o poder de Merkel, a unidade da União, as suas leis futuras ou o Portugal de 2015, tudo tem uma primeira volta em janeiro nas eleições gregas. (e depois as portuguesas, ...)
----xxx--- A lição que os gregos nos deram em Termópilas em 480 AC onde derrotando os persas salvaram os valores que estão na base da nossa civilização, lhes dê força e ânimo para mais esta vitória. ... contra o imperialismo financeiro.
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--- Nova carta à Alemanha (-por J.Castro Caldas, 4/1/2015)
--- Vem aí borrasca e da grossa (deflação e nova crise económico-política) (-F.Louçã, 6/1/2015)
--- O BCE resgatará a zona Euro do austerismo alemão ? (A.Gomes, 6/1/2015, Causa nossa)
--- Um país desordenado (-por A.P.Fitas, 14/11/2014, A nossa candeia)