Quinta-feira, 13.12.12
Entrevista a Elísio Estanque  (de Coimbra, professor universitário, sociólogo, sendo também membro do MIC).

- O que pensa do exercício da cidadania.
    A cidadania exerce-se com base em informação, sentido do dever para com a comunidade mais geral (e em especial os sectores mais carenciados), valores éticos, na permanente atualização do debate público e aprofundamento de uma consciência social crítica e exigente.
- O que entende pelo poder dos cidadãos.
    É nele que reside em última instância a legitimidade democrática. Através do voto e na participação regular nos atos eleitorais os cidadãos fazem escolhas políticas na base de orientações ideológicas e programáticas. Porém, como os “compromissos” eleitorais são repetidamente desrespeitados pelas forças políticas maioritárias é importante que a participação eleitoral seja complementada por outras formas de exercício de vigilância democrática, designadamente por via do associativismo e outras formas de denúncia e de participação da sociedade civil organizada.
- O que pensa sobre movimentos de cidadãos, com ou sem fins eleitorais.
    Os movimentos sociais são um dos principais barómetros para medir a tensão social e a coesão da sociedade. Das duas uma: ou podem ser “válvulas de escape” que impulsionam o sistema, levando-o a adaptar-se e a evoluir; ou podem tornar-se – quando as instituições e os representantes formais ignoram a contestação e o descontentamento social – factores de rutura e de conflitualidade social e política. Se as instituições e os agentes políticos formais bloqueiam ou se mostram incapazes de responder às necessidades da sociedade as forças da mudança terão de surgir da sociedade.
- O que entende sobre democracia participativa.
    A democracia participativa contém duas importantes dimensões, que se complementam: por um lado, responsabiliza os cidadãos e estimula-lhes o sentido de solidariedade e o dever de envolvimento cívico e político perante os problemas coletivos; e por outro lado contribui para preservar a transparência e a eficiência das instituições da democracia representativa. É justamente devido à escassez de democracia participativa que a democracia formal tende a enfraquecer e a deixar-se corroer por interesses privados e práticas lesivas do interesse público e atentatórias do Estado de direito.
- O que pensa da possibilidade de candidaturas independentes à Assembleia da República, e sobre a modificação da lei que o permita.
    Sou totalmente a favor de candidaturas independentes, quer no poder autárquico quer na eleições parlamentares. Seria bom que se acabasse com o monopólio dos partidos, porque os partidos políticos (em especial os chamados partidos do arco do poder) são sem dúvida os principais responsáveis pelo crescente afastamento dos cidadãos em relação à política. Não se trata de “substituir” os partidos por outras estruturas (até porque elas poderia replicar os mesmos vícios dos partidos), mas sim de colocar “pressão” sobre a lógica dos aparelhos partidários, onde prevalece o carreirismo, a mediocridade e o oportunismo, sendo cada vez mais raros os casos de quem está na política com o único intuito de servir o povo e o país.
- Qual a sua opinião sobre o Orçamento de Estado para 2013, e qual deve ser o papel do Presidente da República na apreciação do mesmo.
     O OE2013 é a última etapa de um projeto de desmantelamento de direitos dos trabalhadores e que coloca o Estado social português à beira da extinção. O governo nega tais intenções, mas objetivamente é isso que está em risco de acontecer, porque, para além do orçamento 2013, o recente anúncio de um corte de 4.500 milhões de euros na educação e saúde intensifica e acelera ainda mais esse processo. Numa sociedade tão desigual como a portuguesa (uma das 3 mais desiguais da Europa) e onde os salários e pensões são também dos mais baixos da UE, a paralisação do serviço público nessas áreas, somada ao aumento exponencial do encerramento de empresas e do desemprego irá empurrar rapidamente metade da população portuguesa para níveis de miséria impensáveis e inaceitáveis 40 anos depois do 25 de Abril. Com um PR corajoso e com efetiva sensibilidade social deveria assumir-se como o último baluarte e porta-voz dos anseios do povo. Por isso deve vetar o atual orçamento, convocar eleições antecipadas e usar os seus poderes para que as esquerdas apresentem uma solução alternativa de governo.
- Pensa que algum dia será possível um esforço conjunto das forças de esquerda, nomeadamente dos partidos com assento parlamentar, BE, PCP, PS e movimentos de cidadãos unirem-se numa estratégia de desenvolvimento e aprofundamento da democracia no nosso País, melhor dizendo, pôr Portugal no comboio da frente do desenvolvimento esquecendo as querelas partidárias
    Acredito que sim. Mas isso só acontecerá se os próprios cidadãos e movimentos sociais se reforçarem nos próximos tempos e obrigarem as diferentes forças de esquerda a dialogarem e a assumirem um “pacto de desenvolvimento” que empurre o nosso país para o desenvolvimento e intervenha na Europa numa perspetiva de mudança e de viragem para uma Europa mais coesa, mais solidária, mais integrada e mais democrática.

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Entrevista a Francisco Louçã (professor universitário, economista, ex-membro da direcção do Bloco Esquerda).

- O que pensa do exercício da cidadania.
     A cidadania é a república constituída como corpo, como vida. Cansados que estamos todos de discursos vazios sobre a cidadania ou de bandeiras invertidas, à esquerda compete criar uma força social e política que recupere os valores republicanos, a bandeira tricolor da igualdade, liberdade e fraternidade e portanto a socialização dos bens comuns como valor republicano essencial.
- O que entende pelo poder dos cidadãos.
     A democracia é o poder cidadão. Exige por isso mecanismos de participação, de poder, que rompam com o sinistro poder financeiro que corrompe partidos, que vincula instituições e que subjuga países.
- O que pensa sobre movimentos de cidadãos, com ou sem fins eleitorais.
     Os movimentos políticos de cidadãos são o défice da esquerda portuguesa. O Congresso das Alternativas, recentemente, demonstrou como é possível encontrar um espaço de movimento em que se fazem convergências e se pensa sem calculismo. A questão da anulação da dívida e da rutura com o memorando da troika foi o seu tema central, e acho que tem razão. A esquerda social e política tem de se encontrar nas propostas concretas, realizáveis, transformadoras e corajosas.
- O que entende sobre democracia participativa.
     Respondido
- O que pensa da possibilidade de candidaturas independentes à Assembleia da República, e sobre a modificação da lei que o permita.
     De acordo.
- Qual a sua opinião sobre o Orçamento de Estado para 2013, e qual deve ser o papel do Presidente da República na apreciação do mesmo.
     O Presidente deveria vetar o Orçamento, porque é um ataque estrutural à economia e à democracia, mas não o fará, e é até duvidoso que suscite a apreciação da sua evidente inconstitucionalidade. O Presidente prefere não existir perante a crise. Este gigantesco aumento de impostos é uma prova de engenharia social liberal que ainda mal mostrou as garras, porque é agora no corte do SNS e da escola pública, e na desvalorização da segurança social, que apostam os mercados financeiros. E o governo é o seu embaixador.
- Pensa que algum dia será possível um esforço conjunto das forças de esquerda, nomeadamente dos partidos com assento parlamentar, BE, PCP, PS e movimentos de cidadãos unirem-se numa estratégia de desenvolvimento e aprofundamento da democracia no nosso País, melhor dizendo, pôr Portugal no comboio da frente do desenvolvimento esquecendo as querelas partidárias.
     Possível e necessário, mas difícil. Como é público, não acredito em nenhuma unidade sob a tutela da troika. Enquanto vigorar o memorando e o país aceitar a lei da troika, a única política possível é a da bancarrota. Um novo governo, submetido que estivesse à troika, seria a continuação do atual, e Portugal não merece essa sorte. Se a troika continuar, então as suas políticas impõem-se e serão sempre piores. Em contrapartida, a unidade para um governo de esquerda permitiria uma mobilização e um levantamento nacional para que o governo pudesse telefonar a Bruxelas, no dia em que toma posse, para anunciar ter o mandato popular para terminar o memorando e iniciar novas negociações sobre a dívida e as formas de cooperação europeia para o combate ao desemprego.



Publicado por Xa2 às 19:19 | link do post | comentar | comentários (5)

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