A língua é um dos elementos estruturantes das nações enquanto realidade social. É uma determinação mas não única, nem suficiente. Várias nações falam as mesmas línguas, mas são realidades socioeconómicas diferentes, com uma história política que as moldou de forma diferenciada.
... O termo galeguia como substituto de lusofonia foi cunhado pelo escritor brasileiro Luís Ruffato em 2005, num dia simbólico: o dia da Pátria Galega, 25 de julho. Estava o escritor brasileiro em Santiago de Compostela no VIII congresso da Associação Internacional de Lusitanistas quando formulou essa ideia. Adriana Lisboa (Brasil), José Luís Peixoto (Portugal), Possidónio Cachapa (Portugal), Ondjaki (Angola), Luís Cardoso (Timor), Quico Cadaval (Galiza) e Carlos Quiroga (Galiza) foram os primeiros escritores e escritora a aderir à nova expressão. No mesmo ano, em visita à Galiza, também Pepetela defendeu as virtudes político-culturais da galeguia para substituir a lusofonia, nomeadamente por suprimir o peso colonial.
Num tom libertador, a cantora angolana Aline Frazão resumiu assim a proposta: “Vai ser que, afinal, não falamos a língua do colono: falamos galego de Angola, com o sabor bantu do Atlântico-Sul”. É uma forma romântica (em diferentes sentidos) de encarar a galeguia como alternativa à lusofonia. De imediato fiquei seduzido por esta ideia de substituir aquela palavra que foi decalcada do francês “francophonie” - como recordou Pepetela - e que tem o gene da Françáfrica mutado para versão Lusotropical - acrescento eu.
Galeguia é uma palavra e uma ideia que permite na batalha ideológica uma reapropriação popular do espaço de cooperação e produção cultural que está cativo na CPLP. Em resumo, note-se como a vergonhosa adesão da Guiné Equatorial, com cheiro a petróleo e a sangue4, desmascara bem os valores da “lusofonia” dos dominantes. É certo que Aline Frazão, criticando esse evento, defende adesão da Galiza à CPLP, no artigo ‘Trocar a Lusofonía pela Galeguía’5. Reivindicação justa. Mas o que era preciso era que essa cooperação e esses países, incluindo a Galiza, se reencontrassem com a força histórica dos movimentos de libertação anti-coloniais.
Mais que uma língua, o diálogo entre as línguas da galeguia constitui o nosso tesouro comum. A polémica linguística do Galego entre o “autonomismo”, por um lado, e o “reintegracionismo” (na língua portuguesa), por outro, é questão que diz respeito principalmente às galegas e aos galegos. Disso, portanto, não tratarei (nem do “minha pátria é a língua portuguesa” com que Bernardo Soares/Fernando Pessoa criticava a reforma ortográfica de 1911 e acordos subsequentes). Quero antes sublinhar que o reconhecimento do papel do Galego e introdução da tónica “descolonial” é libertadora para o potencial de cooperação cultural e científica entre os povos cujas línguas partilham uma origem na língua medieval galego-portuguesa.
Com a opção pela galeguia: o que se revaloriza etimologicamente na fonte do contacto linguístico (língua galego-portuguesa) não é a mítica do povo português como herdeiro dos ‘lusitanos’, mas a raiz galega, língua reprimida pelo Estado Espanhol durante o franquismo e, por outros meios, ainda hoje reprimida, e a nação a quem é negado o direito a decidir sobre o seu futuro. Assim, com a adesão àquela ideia, a língua portuguesa pode expiar os seus pecados de perseguição às línguas dos povos das colónias. Desta forma, essa língua que ganhou força e corpo por ter “exército e marinha” pode reconciliar-se com os crioulos da pátria de Amílcar Cabral.