Passo a passo o governo PS, apoiado pelos partidos da esquerda, vai governando, assinalando inclusive alguns êxitos internos e externos e desminando algum terreno deixado pela dupla inolvidável e de má memória Passos/Portas. 0 atual governo não é verdadeiramente amado por ninguém e é odiado por muitos. É mais uma das suas carateristicas! Não é um governo com um programa virado para o futuro, com acordos substanciais, mas sim um governo de contenção das políticas de privatização dos serviços públicos e da desregulação laboral, bem como da erosão galopante dos direitos laborais e sociais. Creio todavia que a principal fratura no seio da maioria que se vislumbra no horizonte não é tanto o problema da dívida, do déficit ou do projeto europeu. É antes a questão da reversão das medidas troikistas do Código do Trabalho que embarateceram o trabalho suplementar e noturno, tornaram irrisórias as indemnizações por despedimento,obrigaram à caducidade das convenções coletivas, retiraram força ao tratamento mais favorável do trabalhador e deram força à empresa na gestão dos horários de trabalho com os famosos «bancos de horas». Perante esta 'castanha' o hábil ministro do trabalho lançou a ideia de um novo livro verde sobre o mercado de trabalho e as relações laborais! 0 debate a realizar pela sociedade e na concertação social vai protelando por alguns meses, ou anos, a tomada de decisões. É um ponto muito sensível no seio do PS como já está historicamente demonstrado. Uma fação do PS quer aproveitar as medidas troikistas para liberalizar as relações de trabalho, reforçando o poder das empresas e a acumulação capitalista em nome da competitividade, e uma outra fação mais sindicalista e de esquerda que pretende reverter, se não todas, pelo menos algumas dessas medidas! Esta situação irá a prazo azedar as relações do PS com o PCP e o BE que no seu eleitorado estão muitos dos militantes sociais e sindicais de luta contra as alterações à legislação laboral e contra a precariedade. O PS (neo)liberal e do empreedorismo não se rala muito, bem pelo contrário, com o aumento do salário mínimo e pretende beneficiar a iniciativa privada com a flexibilização das relações laborais. O contexto é o ideal para os empresários que continuam a usufruir da pouca conflitualidade social nas empresas e serviços públicos e das medidas laborais impostas pela Troika, plasmado em grande parte no último acordo na concertação social que as legitimou em larga medida com a assinatura da UGT. Porém a situação não pode ser mantida eternamente. 0s trabalhadores e suas organizações querem partilhar justamente dos ganhos económicos e da paz social. É necessário gerir o conflito que se avizinha mas com sabedoria. E a sabedoria diz-nos que o bom e o mau devem ser partilhados por todos ...e nunca apenas partilhar o bom por alguns! Basta ver quem mais ganhou com a crise financeira e quem mais perdeu!
Num recente seminário internacional sobre o desemprego juvenil os participantes interrogavam-se sobre as razões da ausência dos jovens na vida sindical. Presente estava inclusive um dirigente jovem da CES-Confederação Europeia de Sindicatos e vários jovens da Plataforma Jovem do Centro Europeu para os Assuntos dos Trabalhadores- EZA. Não é fácil responder a esta questão! Mas creio que os sindicalistas continuam a não dar a necessária importância a esta matéria. Creio que alguns olham paternalmente para os jovens e esperam que estes os copiem nos ideais e nas formas de trabalhar. É uma tentação fácil! Esquecem que as novas gerações são muito mais habilitadas e autónomas, não gostam das formas hierárquicas e burocráticas de trabalho e preferem redes simples de trabalho, sem grandes responsabilidades que impliquem empenhamentos para a vida! Em geral não gostam do profissionalismo e partidarização sindical. Com exceção, claro, dos jovens que querem fazer carreira partidária. Por outro lado, as escolas e os «media» enaltecem o empreendorismo e o voluntariado e esquecem ou hostilizam o sindicalismo! Em quantas escolas se fala de sindicalismo? E quando se fala o que é que se diz ? Inclusive nas escolas profissionais fala-se de sindicalismo com naturalidade ? Não ! 0ra esta realidade, particularmente aguda em Portugal, não favorece o envolvimento de mais jovens no sindicalismo, nomeadamente no local de trabalho! Claro que temos o aumento (do desemprego e) da precariedade que afeta muito especialmente os jovens trabalhadores! Esta realidade não ajuda! Mas, o mais grave é a existência deuma cultura anti-sindical, uma cultura individualista e não solidária! Como explicação não podemos também ignorar que a emergência do sindicalismo livre em Portugal surgiu com uma Revolução e foi um dos seus principais motores! 0 sindicalismo foi essencial para as transformações sociais e económicas do Portugal de Abril! Esse foi o seu ADN e, como tal, imperdoável para as classes patronais e dominantes. Mas é com estes constrangimentos que temos que trabalhar, apoiando e abrindo espaços para que os jovens se organizem e tomem nas suas mãos as suas organizações!
«Por alguma razão as relações laborais são reguladas pelo Código do Trabalho, não pelo Código da Colaboração. Por alguma razão na Constituição da República Portuguesa o seu artigo 58 fala em Direito ao Trabalho e não em Direito à Colaboração. Por alguma razão o feriado do 1º de Maio que celebra as conquistas laborais se chama Dia do Trabalhador e não Dia do Colaborador. Parece-me cada vez mais claro que a utilização do termo colaborador em vez de Trabalhador serve, por vezes sem que quem o utiliza se dê conta, para mascarar a existência de classes sociais dentro de uma empresa ou organismo do Estado. Vai na linha da utilização da expressão, Entidade Empregadora, que tenta reduzir unicamente ao positivo a verdadeira expressão, Entidade Patronal. Um trabalhador vende a sua força de trabalho tem, como os seus patrões, direitos e deveres. Um colaborador não vende necessariamente a sua força de trabalho e não tem nada na lei que regule a sua colaboração. Bom dia de trabalho para todos.» --Pedro Mendonça, Pensamentos avulsos sobre Colaborador Vs Trabalhador (via N.Serra, 19/12/2016, Ladrões de b.) ----------
No final deste texto(em comentário) poderão encontrar uma denúncia.
O subsídio de desemprego é uma das partes do salário que o trabalhador desconta enquanto está empregado, para além dos impostos e restantes contribuições que paga ao Estado. É devolvido mais tarde, em situações de desemprego, doença, invalidez, etc. Esta contribuição mensal que o trabalhador faz para a Segurança Social não é a fundo perdido, é para garantir protecção sempre que há falta ou diminuição de meios de subsistência (Artigo 59.º, 1, alínea e, e Artigo 63.º, 3 – da Constituição da República Portuguesa). Até aqui tudo bem.
No entanto, sob o chapéu do “trabalho socialmente necessário”, o IEFP está neste momento a exigir a trabalhadores desempregados uma compensação pela “ajuda” que o Estado lhes está a prestar nesta… altura difícil. Que a sociedade precisa deles e, portanto, têm de trabalhar. Quase de borla.
Ou seja, aquela porção do salário do trabalhador que é entregue mais tarde e que é igualmente taxada via impostos (portanto, ao fim e ao cabo, pagam-se impostos duas vezes, para além dos cortes aos subsídios), é dada em troca, com mais um bónus – que de bónus não tem nada – se o trabalhador desempregado desempenhar uma determinada função na Administração Pública. E o desempregado não pode recusar.
Funciona assim: chega uma cartinha a casa a dizer que é necessário ir a uma entrevista. Na carta diz também que, se não comparecer, a pessoa poderá perder o subsídio. É apresentado um contrato de 12 meses, 40h semanais, 8h/dia. Sem férias, sem faltas injustificadas. O desempregado, obrigado a aceitar, passa a receber uma bolsa mensal junto com o subsídio.
Esta bolsa mensal que:
-- No caso de se tratar de um desempregado a receber o subsídio de desemprego, corresponde a 20% desse mesmo subsídio. Acresce o subsídio de refeição (4,27€, normalmente) e o valor do transporte. Tenhamos por base o valor médio do subsídio de desemprego, que é 345€, e assumamos que a pessoa gasta 35€ em transporte, o valor do passe em Lisboa. No fim do mês, esta bolsa é de 195,47€.
-- No caso de se tratar de um desempregado a receber o subsídio social subsequente, corresponde a 20% do IAS (Indexante dos Apoios Sociais, que é neste momento 419,22€[1]), ou seja, 83,84€/mês, mais 4,27€/dia de subsídio de refeição, e o valor do transporte. Supondo que o passe é 35€, dá a módica quantia de 208,51€.
Isto, meus amigos, não é um salário em troca de uma função. É exploração pura e dura. 200€/mês significa que cada hora vale cerca de 1,25€. Não é um contrato do desempregado com o Estado. É, isso sim, uma violação de um contrato do Estado com o desempregado. Aquele contrato em que o Estado se compromete a guardar, neste caso via Segurança Social, uma porção do salário do trabalhador para eventualidades que possam surgir. Diz que até está na CRP e tudo.
O que aqui se está a fazer, camuflado de “socialmente necessário” e deixando de parte o “justamente remunerado”, é baixar o preço da força de trabalho. O mais caricato é que estão a utilizar o próprio Estado para reduzir esse mesmo preço. Estão a preencher-se postos de trabalho anteriormente ocupados por trabalhadores do Estado – com um salário (dificilmente) correspondente à função – com desempregados – a um salário de esmola. Portanto: o capitalismo põe os trabalhadores a subsidiar a sua própria exploração, recorrendo à usurpação dos mecanismos do Estado que um dia foram criados para facilitar a vida dos trabalhadores. Dá um jeitaço dos diabos, poupam-se uns valentes cobres para pagar PPPs e dívidas de bancos, e ainda se enche a boca de baboseiras em jeito de propaganda como «a taxa de desemprego está a descer».
Querem que diga de outra forma e numa só palavra que isto é? Escravatura. Só que à século XXI. É uma armadilha mais fina e requintada, muito mais sofisticada, de nome capitalismo, cuja natureza competitiva privilegia sempre quem nós sabemosem detrimento de quem nós também sabemos. É tão selvagem e violenta que o novo escravo tem não só de assumir a manutenção do seu corpo (porque este não pertence a outrem, como na escravatura) como também não tem a “protecção do amo” (porque não trabalha a troco dela, como no feudalismo). O novo escravo paga para se sustentar. E paga, literalmente, para trabalhar. É o proletário “livre”, mas escravo, do século XXI.
[1] Consta neste documento do Diário da República.
Como é que o salário de um dia de trabalho acaba nas mãos de um Banqueiro que, sorridente e em directo na televisão, diz que o país aguenta tudo? A história é simples, demasiado simples.
Leio nas notícias que a Câmara de Mafra, como tantas outras, está falida ou em risco de falir ou com «sérios problemas financeiros». Uma das razões principais da falência autárquica neste país, se não for a principal, é as autarquias serem, no negócio imobiliário, a face pública dos fabulosos lucros privados que resultam do loteamento das terras agrícolas ou ecológicas, e da sua transformação em prédios urbanos.
O investigador Pedro Bingre do Amaral explica-o como ninguém — a margem de lucro entre um terreno passar de rural a urbano fica, no caso português, em mãos privadas. Trata-se de um negócio — cito Paulo Morais — que só «tem margens de lucro semelhantes no negócio de tráfico de droga no grossista, porque no retalhista já é mais baixo». Se o terreno valia 5, passa a valer 50 000, por exemplo. A diferença fica toda nas mãos privadas, desde 1965 até hoje. No resto da Europa, essas mais-valias revertem sobretudo para o público sobre a forma de impostos. Às Câmaras compete fazer, além disso, a urbanização — esgotos, estradas, etc. — deste interminável conjunto de prédios que se vai construindo.
Entretanto, um dia, pelo real funcionamento da lei da oferta e da procura, os Bancos descobrem que têm na mão 5 e não 50 000. Os Bancos chamam o Governo que emite dívida pública para que os Bancos não assumam o risco do negócio. O Governo, para garantir a dívida pública, emitida para dar aos Bancos, corta salários e pensões.
A Câmara de Mafra anunciou estes dias um aumento do IMI de 0,3 para 0,5%. Entretanto, aumentou o horário de trabalho dos seus funcionários para as 40 horas, quando quase todos os municípios suspenderam e mantêm o horário de 35. A CM anunciou também a redução da derrama — que incide sobre o lucro tributável das empresas. Em poucas palavras : aumenta-se os impostos que incidem sobre o trabalho e reduzem-se os impostos das empresas. Negócio do século!
Historicamente, legitimava-se o capitalista como o homem que colocava o seu capital num negócio e que, por isso, assumia lucros e perdas — e lucro seria assim o prémio pelo risco que corria. Embora eu nunca tenha concordado com esta visão — tudo a mim me parece extracção de trabalho, nada mais —, hoje, o que se verifica é que quando as grandes empresas sofrem perdas (não as pequenas, afogadas em impostos) o Estado assume-as, todas, emitindo dívida e enviando a conta para os que vivem do salário e que não podem resistir ao saque fiscal. Para reduzir o salário, corta-se no salário directo, mas faz-se mais, despedem-se trabalhadores e exige-se aos que ficam que deixem de ter vida e trabalhem por 2 ou 3.
Hoje, por acaso justamente em Mafra, numa grande superfície, vi escuteiros a embrulhar presentes. Perguntei à responsável porque estavam eles ali, ao que ela me respondeu que estavam ali «a fazer aquele trabalho e a angariar fundos para ajudar as famílias carenciadas». Esclareci-a que, num país decente, aquilo era:
1) trabalho infantil mascarado de trabalho voluntário;
2) substituição de trabalhadoresque ocupam aquelas funções por trabalhadores que não recebem ou recebem muito abaixo dos outros da mesma empresa;
3) que isso descapitaliza a Segurança Social e o Estado Social porque há cada vez menos gente a descontar.
Finalmente, disse-lhe, com quietude, que ela NÃO estava ali a AJUDAR famílias carenciadas, estava a contribuir para as produzir: estava a ocupar, com crianças, lugares de trabalhadores que, por aquela via também, não são contratados.
Acredito que ela o faça por bem… tenho quase a certeza disso, na verdade; mas há homens que matam as mulheres porque «elas jamais conseguiriam viver sem eles»— ou como dizia certo velho com barbas: de boas intenções «está o inferno cheio!»
Uma vez mais, o Tribunal Constitucional chumba uma lei do Governo (a "Requalificação na F.P."/Mobilidade especial"). Agora, por unanimidade. Já foram tantas, as vezes, que lhes perdi a conta. Um Governo que insiste e reinsiste em governar fora-da-lei é um Governo que não tem qualquer legitimidade democrática. Mesmo que apodreça no lugar por ordem e graça de Cavaco Silva.
Conheço várias pessoas que exultaram com o aumento do horário na função pública (desvalorização do trabalho/remuneração) e com o corte nos subsídios. Pessoas que trabalham no privado, até estão contra o Governo, mas acham os funcionários públicos uns privilegiados. Essas pessoas (e todos os outros trabalhadores do privado) já sofreram vários cortes no seu rendimento. Directamente via aumento de impostos e corte de subsídios e indirectamente por causa das consequências da crise - pessoas com salários em atraso ou que viram os seus salários cortados ou congelados pela empresa, numa falsa negociação com o patrão, sob ameaça de desemprego. E vão continuar a sofrer.
O Governo começa a lançar a sua propaganda, preparando a opinião pública para mais cortes nos direitos e no rendimento dos trabalhadores. Ainda não está em vigor a última alteração que reduziu a compensação por despedimento para 12 dias e já vemos notícias que falam em pressões do FMI para que os salários do privado sejam ainda mais reduzidos. O FMI pede um corte no salário mínimo e propõe cortes nos salários (abaixo do salário mínimo) dos jovens até 24 anos ou em alternativa nos três primeiros anos de contrato. A exigência de redução de salários tem como fundamento um relatório com dados viciados, que oculta os cortes que em dois anos já foram feitos (27% dos trabalhadores no privado já sofreram cortes no seu vencimento). O plano do FMI é o que sempre foi, e se for necessário martelar números para confirmar a sua visão ideológica, fazem-no.
As pessoas que trabalham no privado e que neste momento estão satisfeitas com os cortes brutais que estão a ser feitos na função pública não perdem pela demora. Na Grécia, também tem sido assim. A cada corte no rendimento dos trabalhadores da função pública segue-se um corte no rendimento dos trabalhadores do privado. E assim sucessivamente. No final, todos ficarão a perder, é assim que funciona a desvalorização salarial que o programa de ajustamento pressupõe. Todos, menos os que estão no topo da pirâmide. Os mais ricos não estão a sofrer com crise e têm visto o seu rendimento a crescer. A transferência de rendimentos do factor trabalho para o factor capital é essencial nesta verdadeira revolução neoliberal. Quem se rirá por último não serão nem os trabalhadores do privado nem a função pública. Será quem acumula fortuna com o trabalho dos outros. E a desunião entre trabalhadores é um bem valioso para esta gente. Quando Vítor Gaspar afirmou que os portugueses eram "o melhor povo do mundo", sabia o que estava a dizer.
O Tribunal Constitucional (TC) bloqueou esta semana o meio mobilizado pelo governo para atingir um objectivo desgraçado: proceder a um colossal despedimento sem justa causa de trabalhadores do Estado. A Constituição da República Portuguesa (CRP) ainda contribui para proteger o emprego, ajudando assim, uma vez mais, a proteger a economia nacional de alguns dos piores desmandos da austeridade num país que não tem, antes pelo contrário, demasiado emprego público. Em resposta o governo confirma que só conhece a política do medo e da chantagem, procurando transferir para outros a responsabilidade por um segundo "resgaste" que, na realidade, está inscrito na lógica da austeridade recessiva e das reformas estruturais regressivas, políticas que acentuam a dependência do país face a estranhos pouco bondosos. De resto, esta é mais uma decisão do TC que pode contribuir modestamente, ainda que de forma não intencional, para reeditar um processo com pergaminhos históricos em que aqui tenho insistido: até porque o que não pode ser pago não será pago, os valores e as prioridades de Estados que se querem soberanos e democráticos têm de acabar por chocar com, e superar, as anti-democráticas tutelas dos credores externos e as governamentais correias de transmissão internas que aplicam as suas políticas.
Não foi por acaso que o banco JP Morgan chamou recentemente a atenção para o problema das constituições que têm a marca do antifascismo, das lutas sociais pela democracia: afinal de contas, diz a CRP que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Como costuma acontecer, um problema para a banca internacional é uma solução para os povos