Domingo, 15.01.17

Temos o Trump que  merecemos ?    (-por F. Louçã, via Entre as brumas,14/1/2017 )

   «Depois de Soares, não há mais espaço para a política. (...)
Mas será só isso? Não haverá também, nos últimos combates de Soares contra a troika, pelos direitos constitucionais que a austeridade estava a sabotar, contra o império financeiro e contra a dívida, um sentimento de desespero, de fim do tempo, de perigo abissal? Sozinho, sem o seu partido que então lhe virava as costas, satisfeito com as companhias mais militantes à esquerda, não estaria Soares a desafiar o afundamento que temia? Depois de uma vida da “Europa connosco”, como não reconhecer que ele sabia que estava a confrontar as instituições e as regras europeias em que ainda acreditava e a fincar o pé numa trincheira de resistência? (…)
     Para nós todos, mudou a condição em que a democracia é a nossa condição. Ou seja, a sistémica transferência de soberania para a União Europeia, consagrada a um projecto de divergência que prossegue como um rolo compressor, impôs a deformação da política, provocando uma contradição insanável entre quem tem a legitimidade mas não o poder (as autoridades nacionais, os Estados) e quem tem o poder mas não a legitimidade (as autoridades europeias/...). Ou seja, a democracia, a que vota, a que devia decidir, a que responsabiliza os poderes, passou a ser cerimonial (elegendo governantes fantoches). (…)
     A eleição de Trump é um sinal de que a resposta bem pode ser temível. É que há uma política que sobra, a que ladeia a democracia para promover a irresponsabilidade. Trump, como aqui lembrou Miguel Esteves Cardoso, é um troll que tem orgulho em comportar-se como tal. Se está vulnerável pela revelação da sua rede de negócios russos, se cresce a dúvida sobre se a Casa Branca é hoje o paradoxo da vingança da Guerra Fria, se se pergunta quem são os bilionários que fizeram renascer a sua campanha acentuando a deriva autoritária, Trump reage reafirmando tudo o que é. E Trump é a agonia da política.
      São tempos de desespero, estes que nos dão esta liderança em Washington. Não que não tenha havido dos piores, as guerras foram todas criadas por presidentes com pedigree. Mas este diz que quer ser a imagem degradante de si mesmo. Começou a Era Trump e vai haver mais como ele.»

--- O que é a  Globalização ?  ( "Globalismo", "globalista", neoliberalismo, ... "Nova ordem mundial", "club Bilderberg")           (---1/1/2017)

Vídeo demolidor, desmistificando a informação dada pelos media "oficiais" ou de "referência".   A não perder...    https://www.youtube.com/watch?v=bJ9sNKdhKeM         pré-visualizar vídeo do YouTube O que é o Globalismo? - Lauren Southern

 

Rex Tillerson (primeira fila à esquerda), Betsy DeVos (segunda fila à esquerda) e Willbur Ross Jr. (ao lado de DeVos) são até agora os mais ricos da administração Trump. --AFP

    ----- E a  Plutocracia  (no governo Trump, USA)

O site Quartz fez as contas e apurou que a riqueza acumulada pelas 17 pessoas que o presidente eleito (Donald Trump) já escolheu para a sua administração (governantes) é superior ao dinheiro combinado de 43 milhões de famílias com menos posses (--J.A. Viana , Expresso, 16/12/2016)

    As 17 pessoas que o presidente eleito dos EUA já nomeou para a sua administração, que continua com lugares por preencher, têm uma riqueza combinada superior a 9,5 mil milhões de dólares (9 mil milhões de euros), um valor que está bem acima do dinheiro combinado de 43 milhões de lares americanos com menos posses, que correspondem a mais de um terço do total de 126 milhões de famílias do país.

    As contas são do site "Quartz", que num artigo com o antetítulo "Um embaraço de ricos" refere que uma afluência (riqueza) de dinheiro desta magnitude é inédita no gabinete de um Presidente da América. Os cálculos têm por base o Inquérito de 2013 sobre Finanças dos Consumidores americanos, um conjunto de dados recolhidos pela Reserva Federal que representam a fonte mais atualizada do dinheiro e bens acumulados pelos norte-americanos.

     O site sublinha que é possível que a riqueza acumulada pelos habitantes mais pobres do país tenha sofrido alterações nos últimos três anos, embora destaque que as tendências registadas nas últimas décadas sugerem que é improvável que tenha havido uma grande mudança. Dos 43 milhões de lares citados não constam 13% do total de famílias dos EUA, que têm as contas a zeros ou com saldo negativo por causa de dívidas.

    Mesmo que se compare o total de dinheiro das 17 pessoas que Donald Trump já nomeou apenas com lares da classe média, continua a ser notória uma "impressionante concentração de riqueza" na futura administração (governantes) norte-americana, refere ainda o Quartz.

Só o dinheiro e património acumulado pelos quatro mais ricos desses 17 — Betsy DeVos para secretária da Educação, Wilbur Ross Jr. para o Comércio, Linda McMahon para administradora da agência para as pequenas e médias empresas, e Rex Tillerson para secretário de Estado — corresponde à riqueza de 120 mil lares da classe média, cada um com um valor médio superior aos 83 mil dólares.

Os dados poderão enfurecer parte dos eleitores americanos que votaram em Trump para castigar a casta de políticos que têm governado os EUA e a sua proximidade ao grande capital, multinacionais e bancos. Durante a campanha, Trump prometeu "drenar o pântano" de Washington, uma expressão que usou várias vezes para se referir ao conluio dos políticos americanos com Wall Street. Muitos desses eleitores já se têm manifestado nas redes sociais dizendo-se arrependidos de terem dado o seu voto ao magnata de imobiliário que protagonizou uma das campanhas mais xenófobas e populistas da história moderna dos EUA.



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Sábado, 07.01.17

It was the Democrats' embrace of  neoliberalism  that won it for Trump. (-Naomi Klein, via Entre as brumas...).    " As pessoas perderam seu sentido de segurança, estatuto e até a identidade.  Este resultado é o grito do desespero por uma mudança radical ".     «People have lost their sense of security, status and even identity. This result is the scream of an America (and European) desperate for radical change.» 

------ Neoliberalism – the ideology at the root of all our problems  (-George Monbiot, 15/4/2016,TheGuardian)     (Neoliberalismo- a ideologia que está na raíz de todos os nossos problemas)

  Financial meltdown, environmental disaster and even the rise of Donald Trump – neoliberalism has played its part in them all.

   

Imagine if the people of the Soviet Union had never heard of communism. The ideology that dominates our lives has, for most of us, no name. Mention it in conversation and you’ll be rewarded with a shrug. Even if your listeners have heard the term before, they will struggle to define it. Neoliberalism: do you know what it is?

Its anonymity is both a symptom and cause of its power. It has played a major role in a remarkable variety of crises: the financial meltdown of 2007‑8, the offshoring (fuga de capitais e evasão fiscal) of wealth and power, of which the Panama Papers offer us merely a glimpse, the slow collapse of public health and education, resurgent child poverty, the epidemic of loneliness, the collapse of ecosystems, the rise of Donald Trump. But we respond to these crises as if they emerge in isolation, apparently unaware that they have all been either catalysed or exacerbated by the same coherent philosophy; a philosophy that has – or had – a name. What greater power can there be than to operate namelessly?

So pervasive has neoliberalism become that we seldom even recognise it as an ideology. We appear to accept the proposition that this utopian, millenarian faith describes a neutral force; a kind of biological law, like Darwin’s theory of evolution. But the philosophy arose as a conscious attempt to reshape human life and shift the locus of power.

Neoliberalism sees competition as the defining characteristic of human relations. It redefines citizens as consumers, whose democratic choices are best exercised by buying and selling, a process that rewards merit and punishes inefficiency. It maintains that “the market” delivers benefits that could never be achieved by planning.

Attempts to limit competition are treated as inimical to liberty. Tax and regulation should be minimised, public services should be privatised. The organisation of labour and collective bargaining by trade unions are portrayed as market distortions that impede the formation of a natural hierarchy of winners and losers. Inequality is recast as virtuous: a reward for utility and a generator of wealth, which trickles down to enrich everyone. Efforts to create a more equal society are both counterproductive and morally corrosive. The market ensures that everyone gets what they deserve.

We internalise and reproduce its creeds. The rich persuade themselves that they acquired their wealth through merit, ignoring the advantages – such as education, inheritance and class – that may have helped to secure it. The poor begin to blame themselves for their failures, even when they can do little to change their circumstances.

Never mind structural unemployment: if you don’t have a job it’s because you are unenterprising. Never mind the impossible costs of housing: if your credit card is maxed out, you’re feckless and improvident. Never mind that your children no longer have a school playing field: if they get fat, it’s your fault. In a world governed by competition, those who fall behind become defined and self-defined as losers.

***

The term neoliberalism was coined at a meeting in Paris in 1938. Among the delegates were two men who came to define the ideology, Ludwig von Mises and Friedrich Hayek. Both exiles from Austria, they saw social democracy, exemplified by Franklin Roosevelt’s New Deal and the gradual development of Britain’s welfare state, as manifestations of a collectivism that occupied the same spectrum as nazism and communism.

In The Road to Serfdom, published in 1944, Hayek argued that government planning, by crushing individualism, would lead inexorably to totalitarian control. Like Mises’s book Bureaucracy, The Road to Serfdom was widely read. It came to the attention of some very wealthy people, who saw in the philosophy an opportunity to free themselves from regulation and tax. When, in 1947, Hayek founded the first organisation that would spread the doctrine of neoliberalism – the Mont Pelerin Society – it was supported financially by millionaires and their foundations.

With their help, he began to create what Daniel Stedman Jones describes in Masters of the Universe as “a kind of neoliberal international”: a transatlantic network of academics, businessmen, journalists and activists. The movement’s rich backers funded a series of thinktanks which would refine and promote the ideology. Among them were the American Enterprise Institute, the Heritage Foundation, the Cato Institute, the Institute of Economic Affairs, the Centre for Policy Studies and the Adam Smith Institute. They also financed academic positions and departments, particularly at the universities of Chicago and Virginia.

As it evolved, neoliberalism became more strident. Hayek’s view that governments should regulate competition to prevent monopolies from forming gave way – among American apostles such as Milton Friedman – to the belief that monopoly power could be seen as a reward for efficiency.

 

Something else happened during this transition: the movement lost its name. In 1951, Friedman was happy to describe himself as a neoliberal. But soon after that, the term began to disappear. Stranger still, even as the ideology became crisper and the movement more coherent, the lost name was not replaced by any common alternative.

At first, despite its lavish funding, neoliberalism remained at the margins. The postwar consensus was almost universal: John Maynard Keynes’s economic prescriptions were widely applied, full employment and the relief of poverty were common goals in the US and much of western Europe, top rates of tax were high and governments sought social outcomes without embarrassment, developing new public services and safety nets.

But in the 1970s, when Keynesian policies began to fall apart and economic crises struck on both sides of the Atlantic, neoliberal ideas began to enter the mainstream. As Friedman remarked, “when the time came that you had to change ... there was an alternative ready there to be picked up”. With the help of sympathetic journalists and political advisers, elements of neoliberalism, especially its prescriptions for monetary policy, were adopted by Jimmy Carter’s administration in the US and Jim Callaghan’s government in Britain.

    After Margaret Thatcher and Ronald Reagan took power, the rest of the package soon followed: massive tax cuts for the rich, the crushing of trade unions, deregulation, privatisation, outsourcing and competition in public services. Through the IMF, the World Bank, the Maastricht treaty and the World Trade Organisation, neoliberal policies were imposed – often without democratic consent – on much of the world. Most remarkable was its adoption among parties that once belonged to the left: Labour (a 'Nova Via' de Blair) and the Democrats, for example. As Stedman Jones notes, “it is hard to think of another utopia to have been as fully realised.”

It may seem strange that a doctrine promising choice and freedom should have been promoted with the slogan “there is no alternative” ('tina'). But, as Hayek remarked on a visit to Pinochet’s Chile – one of the first nations in which the programme was comprehensively applied – “my personal preference leans toward a liberal dictatorship rather than toward a democratic government devoid of liberalism”. The freedom that neoliberalism offers, which sounds so beguiling when expressed in general terms, turns out to mean freedom for the pike, not for the minnows.

Freedom from trade unions and collective bargaining means the freedom to suppress wages. Freedom from regulation (desregulação) means the freedom to poison rivers, endanger workers, charge iniquitous rates of interest and design exotic financial instruments (depois tóxicos). Freedom from tax means freedom from the distribution of wealth that lifts people out of poverty. (concentração da riqueza numa minoria 1% e mais desigualdade, empobrecimento da maioria)

As Naomi Klein documents in The Shock Doctrine, neoliberal theorists advocated the use of crises to impose unpopular policies while people were distracted: for example, in the aftermath of Pinochet’s coup, the Iraq war and Hurricane Katrina, which Friedman described as “an opportunity to radically reform the educational system” in New Orleans.

Where neoliberal policies cannot be imposed domestically, they are imposed internationally, through trade treaties incorporating “investor-state dispute settlement” (isds: TTIP, CETA, ...): offshore tribunals in which corporations can press for the removal of social and environmental protections. When parliaments have voted to restrict sales of cigarettes, protect water supplies from mining companies, freeze energy bills or prevent pharmaceutical firms from ripping off the state, corporations have sued, often successfully. Democracy is reduced to theatre.

Another paradox of neoliberalism is that universal competition relies upon universal quantification and comparison. The result is that workers, job-seekers and public services of every kind are subject to a pettifogging, stifling regime of assessment and monitoring, designed to identify the winners and punish the losers. The doctrine that Von Mises proposed would free us from the bureaucratic nightmare of central planning has instead created one.

Neoliberalism was not conceived as a self-serving racket, but it rapidly became one. Economic growth has been markedly slower in the neoliberal era (since 1980 in Britain and the US) than it was in the preceding decades; but not for the very rich. Inequality in the distribution of both income and wealth, after 60 years of decline, rose rapidly in this era, due to the smashing of trade unions, tax reductions, rising rents, privatisation and deregulation.

The privatisation or marketisation of public services such as energy, water, trains, health, education, roads and prisons has enabled corporations to set up tollbooths in front of essential assets and charge rent (rentismo), either to citizens or to government, for their use. Rent is another term for unearned income. When you pay an inflated price for a train ticket, only part of the fare compensates the operators for the money they spend on fuel, wages, rolling stock and other outlays. The rest reflects the fact that they have you over a barrel.

Those who own and run the UK’s privatised or semi-privatised services make stupendous fortunes by investing little and charging much. In Russia and India, oligarchs acquired state assets through firesales. In Mexico, Carlos Slim was granted control of almost all landline and mobile phone services and soon became the world’s richest man.

 

Financialisation, as Andrew Sayer notes in Why We Can’t Afford the Rich, has had a similar impact. “Like rent,” he argues, “interest (juros e comissões) is ... unearned income that accrues without any effort”. As the poor become poorer and the rich become richer, the rich acquire increasing control over another crucial asset: money. Interest payments, overwhelmingly, are a transfer of money from the poor to the rich. As property prices and the withdrawal of state funding load people with debt (think of the switch from student grants/bolsas to student loans/empréstimos), the banks and their executives clean up ('limpam tudo').

Sayer argues that the past four decades have been characterised by a transfer of wealth not only from the poor to the rich, but within the ranks of the wealthy: from those who make their money by producing new goods or services to those who make their money by controlling existing assets and harvesting rent, interest or capital gains. Earned income has been supplanted by unearned income.

Neoliberal policies are everywhere beset by market failures. Not only are the banks too big to fail, but so are the corporations now charged with delivering public services. As Tony Judt pointed out in Ill Fares the Land, Hayek forgot that vital national services cannot be allowed to collapse, which means that competition cannot run its course. Private business takes the profits, the state keeps the risk.(e os custos)

The greater the failure, the more extreme the ideology becomes.  (neoliberal)Governments use neoliberal crises as both excuse and opportunity to cut taxes, privatise remaining public services, rip holes in the social safety net, deregulate corporations and re-regulate citizens (limitando/diminuindo a liberdade e privacidade dos cidadãos, impondo mais restrições, taxas/impostos, deveres, burocracia). (-é o Estado capturado e Estado securitário dominado/ao serviço dos super-ricos, i.e. não-democracia mas plutocracia!) The self-hating state now sinks its teeth into every organ of the public sector.

Perhaps the most dangerous impact of neoliberalism is not the economic crises it has caused, but the political crisis. As the domain of the state is reduced, our ability to change the course of our lives through voting also contracts. Instead, neoliberal theory asserts, people can exercise choice through spending. But some have more to spend than others: in the great consumer or shareholder democracy, votes are not equally distributed. The result is a disempowerment of the poor and middle. As parties of the right and former left adopt similar neoliberal policies, disempowerment turns to disenfranchisement. Large numbers of people have been shed from politics.(cidadãos são afastados/ afastam-se/ alienam-se da Política e não exercem plenamente a sua cidadania)

Chris Hedges remarks that “fascist movements build their base not from the politically active but the politically inactive, the ‘losers’ who feel, often correctly, they have no voice or role to play in the political establishment”. When political debate no longer speaks to us, people become responsive instead to slogans, symbols and sensation. To the admirers of Trump, for example, (rational critics,) facts and arguments appear irrelevant.

Judt explained that when the thick mesh of interactions between people and the state has been reduced to nothing but authority and obedience, the only remaining force that binds us is state power. The totalitarianism Hayek feared is more likely to emerge when governments, having lost the moral authority that arises from the delivery of public services, are reduced to “cajoling, threatening and ultimately coercing people to obey them”.

***

Like communism, neoliberalism is the God that failed. But the zombie (neoliberal) doctrine staggers on, and one of the reasons is its anonymity. Or rather, a cluster of anonymities.

The invisible doctrine of the invisible hand is promoted by invisible backers. Slowly, very slowly, we have begun to discover the names of a few of them. We find that the Institute of Economic Affairs, which has argued forcefully in the media against the further regulation of the tobacco industry, has been secretly funded by British American Tobacco since 1963. We discover that Charles and David Koch, two of the richest men in the world, founded the institute that set up the (extreme right/ radical) Tea Party movement. We find that Charles Koch, in establishing one of his thinktanks, noted thatin order to avoid undesirable criticism, how the organisation is controlled and directed should not be widely advertised”.

("Economês" e "novilíngua") The words used by neoliberalism often conceal more than they elucidate. “The market” sounds like a natural system that might bear upon us equally, like gravity or atmospheric pressure. But it is fraught with power relations. What “the market wants” tends to mean what corporations and their bosses want. “Investment”, as Sayer notes, means two quite different things. One is the funding of productive and socially useful activities, the other is the purchase of existing assets to milk them for rent, interest, dividends and capital gains. Using the same word for different activities “camouflages the sources of wealth”, leading us to confuse wealth extraction with wealth creation.

A century ago, the nouveau riche were disparaged by those who had inherited their money. Entrepreneurs sought social acceptance by passing themselves off as rentiers. Today, the relationship has been reversed: the rentiers and inheritors style themselves entre preneurs (empresários, empreendedores). They claim to have earned their unearned income.

These anonymities and confusions mesh with the namelessness and placelessness of modern capitalism: the franchise model which ensures that workers do not know for whom they toil; the companies registered through a network of offshore secrecy regimes so complex that even the police cannot discover the beneficial owners; the tax arrangements that bamboozle governments; the financial products no one understands.

The anonymity of neoliberalism is fiercely guarded. Those who are influenced by Hayek, Mises and Friedman tend to reject the term, maintaining – with some justice – that it is used today only pejoratively. But they offer us no substitute. Some describe themselves as classical liberals or libertarians, but these descriptions are both misleading and curiously self-effacing, as they suggest that there is nothing novel about The Road to Serfdom, Bureaucracy or Friedman’s classic work, Capitalism and Freedom.

***

For all that, there is something admirable about the neoliberal project, at least in its early stages. It was a distinctive, innovative philosophy promoted by a coherent network of thinkers and activists with a clear plan of action. It was patient and persistent. The Road to Serfdom became the path to power.

Neoliberalism’s triumph also reflects the failure of the left. When laissez-faire economics led to catastrophe in 1929, Keynes devised a comprehensive economic theory to replace it. When Keynesian demand management hit the buffers in the '70s, there was an alternative ready. But when neoliberalism fell apart in 2008 there was ... nothing. This is why the zombie walks. The left and centre have produced no new general framework of economic thought for 80 years.

Every invocation of Lord Keynes is an admission of failure. To propose Keynesian solutions to the crises of the 21st century is to ignore three obvious problems. It is hard to mobilise people around old ideas; the flaws exposed in the 70s have not gone away; and, most importantly, they have nothing to say about our gravest predicament: the environmental crisis. Keynesianism works by stimulating consumer demand to promote economic growth. Consumer demand and economic growth are the motors of environmental destruction.(i.e., deve fazer-se uma abordagem de desenvolvimento e ambiente sustentável, e não de consumismo / 'crescimento' económico).

What the history of both Keynesianism and neoliberalism show is that it’s not enough to oppose a broken system. A coherent alternative has to be proposed. For Labour, the Democrats and the wider left, the central task should be to develop an economic Apollo programme, a conscious attempt to design a new system, tailored to the demands of the 21st century.



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Quinta-feira, 01.12.16

Rackets! (gangues, bandos) – parte I

Não é fácil resistir ao encanto das gangues, sejam as religiosas ou as políticas. (-por F. Palinorc., abril de 2001, traduzido por ZEROWORKER, 20/11/2016, PassaPalavra).

era5.era6. Tal como as classes, as gangues são produtos da dominação. Elas provavelmente surgiram quando sacerdotes, chefes militares ou patriarcas de clãs conspiraram contra outros humanos de suas próprias comunidades ou das vizinhas. Pilhagem, guerra e escravidão dissolveram as comunidades primitivas, e as gangues foram formadas nesse processo violento. As relações mercantis, o surgimento da divisão do trabalho, as classes e o Estado modificaram fundamentalmente as gangues, mas não é essa evolução que podemos discutir agora. O que nos preocupa é a existência e persistência das gangues na modernidade, na sociedade capitalista. Falaremos de gangues no sentido político, em especial nas organizações marxistas.

Nos dias de hoje se tornou costume definir a gangue estritamente como uma organização ilegal formada para o lucro, usando extorsão, proteção e fraude. Esta definição jurídica se origina dos Estados, que criminalizam rivais menores. Em casos específicos, como os cartéis de drogas, as gangues podem ganhar grandes proporções, com influência nefastas, impregnando o tecido dos leviatãs (Leviatã = monstro mitológico; governo central e autoritário, que concentraria todo o poder em torno de si, e ordenando todas as decisões da sociedade). Não há nada mais “normal” do que uma gangue.

O que impede que as gangues estatais (i.e, os países/estados/governos) se exterminem umas às outras é a consciência de que a coesão e o autocontrole asseguram sobrevivência mútua. Abaixo delas, há a massa da humanidade aprisionada pela exploração e pelas fronteiras nacionais. As gangues dominantes aprenderam a negociar e tolerar umas as outras, coexistindo no Estado. O papel da mediação nacional altera a sua função, passando da pilhagem privada para a administração em larga escala e acesso burocrático (e legal) ao tesouro nacional. Dessa forma, os políticos e (altos) funcionários modernos compram para si pedigree nacional, legitimidade e rendas. As classes dominantes as excretam constantemente, e numa democracia essa tendência é generalizada na sociedade civil. A fragmentação da sociedade mercantil, e a consequente “guerra de todos contra todos”, cria um solo fértil para as gangues. Enquanto o Leviatã não é perturbado nem minado por isso, as gangues são toleradas mesmo se legalmente proscritas.

As gangues políticas (partidárias) são corpos informais de especialistas, geralmente legais e aspirando à dominação estatal. Porém, seu tamanho reduzido força-as a uma existência instável e precária. No máximo, elas se tornam grupos de pressão para partidos que foram além do estágio de gangue. Quanto maior a gangue, mais ela se aproxima de um partido, que contém algumas gangues chamadas tendências ou facções. Apenas eventos mundiais e nacionais extraordinários propelem as gangues a se tornarem partidos de massa e até atingir o poder estatal. Mas esses momentos são raros e distanciados no tempo. A maioria das gangues tem uma existência relativamente curta. Outras funcionam durante anos como câmaras de tortura para seus membros.

Falta às gangues um significativo e visível sistema de justificação ideológica. O que elas são, elas escondem, sob muitas camadas. Leviatãs têm uma longa lista de ideologias, de Platão a Hobbes, Locke, Jefferson, Hegel e mesmo Schmitt. Tanto quanto se sabe, as gangues não têm tais apologetas. Há muitas doutrinas justificando Leviatãs, mas as gangues carecem desse escudo. Sua função real de dominação é uma incógnita.

Embora as gangues políticas raramente atinjam seu objetivo de poder estatal, sua organização interna imita as funções do Estado. Os membros da gangue são seu proletariado, e seus líderes constituem um tipo de mini-Estado portátil. As gangues são essencialmente conservadoras, independentemente de algumas delas, como a marxista e anarquista, declamarem mensagens radicais ou emancipatórias.

Mas, geralmente, entrar numa gangue é estimulante no início, quando o recruta é convencido de que sua participação vai mudar a história e que ele está entrando numa aventura coletiva para auxiliar a humanidade. Ele também se sente incluído numa comunidade heroica de companheiros com ideias semelhantes. Entrar numa gangue tem sua dimensão libidinal oculta, o que explica o enorme apego e fanatismo de seus membros. No início, um recruta não tem consciência de que será persuadido a perder a maior parte de sua individualidade e tempo livre, e que a falsa comunidade da gangue vai apenas acentuar sua alienação.

É útil citar alguns escritores e críticos que tentaram analisar o fenômeno da gangue.

Maquiavel (1469-1527) temia as gangues porque via nelas a dissolução do Estado virtuoso. O seu “O Príncipe” é a descrição de um Estado renascentista ideal. Maquiavel não descreve as gangues com detalhe, mas elas estão sempre presentes nas entrelinhas. A paranoia de “O Príncipe” parte da preocupação constante de Maquiavel de que, a menos que um Príncipe virtuoso consolide o Estado, esta máquina será devorada por facções sem princípio e cruéis por si só, ao invés do “bem comum”. Maquiavel entendia bem de gangues, estudou de perto como os Estados do Renascimento surgiram delas. Ele advogava domar o espírito de gangue, esperando que “o país” se beneficiasse do domínio de príncipes virtuosos. De modo utópico, Maquiavel pensava que a ambição autodestrutiva das gangues poderia ser contida e neutralizada pelo Estado moderno.

Ele prevenia os príncipes: “[…] a pessoa que introduzir esta nova forma [de governo virtuoso] faz inimigos entre todos os que se beneficiavam sob a velha forma […]”. O único modo de derrotar esse perigo é que o príncipe use a força: “[…] todos os profetas armados são vitoriosos e os desarmados, destruídos. […] o povo é por natureza inconstante. É fácil persuadi-lo de algo, mas difícil mantê-lo nessa convicção. É por isso que é válido se organizar de tal modo que, quando o povo não mais acredita, pode-se fazê-los acreditar pela força”[1]. No uso variável das estratégias de persuasão e terror contra a sociedade civil, a diferença entre gangues e leviatãs é apenas de escala. Maquiavel era cego para a realidade de que gangues e Estados operam em uníssono e compartilham uma sinergia básica, devido ao fato de que ambos dependem da dominação.

Um crítico notório é Etienne de La Boétie (1530-1563). Em seu “Discurso da Servidão Voluntária”, ele não estava preocupado em aconselhar príncipes, mas repreender a predisposição da humanidade à “servidão voluntária”. De acordo com La Boétie, essa servidão é o que mantém os príncipes no poder. Apesar dessa moralização circular, ele teve um insight profundo sobre a natureza das gangues:     " Quem quer que pense que alabardas, guardas, atalaias, servem para proteger e blindar os tiranos está, no meu julgamento, completamente errado. […] Não são as tropas de cavalaria, não são as infantarias, não são as armas que defendem o tirano."

Ele então explica que, se seis gangsters nos quais o tirano confia recrutam 600 adeptos, ele, por seu turno, tem 6.000 atrás de si. “A consequência de tudo isso é realmente fatal” observa La Boétie, apontando que os tiranos com frequência destruíram seus próprios seguidores servis. “[…] quem se dispor a seguir o fio da meada observará que não são 6.000, mas 100.000, e mesmo milhões, que aderem ao tirano por essa corda à qual estão amarrados”[2]. Essa é a verdadeira fortaleza da tirania: a fragmentação da sociedade em cúmplices servis do poder e de chefes de gangues. La Boétie pensava que uma tirania tem quase tantas pessoas corrompidas por ela quantos aqueles a quem a liberdade parecia desejável. Aqui a sociedade parece subsumida nas gangues, possivelmente porque no século XVI, a sociedade civil era relativamente indiferenciada em termos de estrutura de classes.

Georg Simmel (1858-1918) escreveu copiosamente sobre grupos e sociedades secretas. Ele captou bem a sinergia persecutória entre Leviatã e gangue: “a sociedade secreta é considerada tão inimiga do poder central que, mesmo inversamente, cada grupo politicamente rejeitado é chamado de sociedade secreta”[3]. Grupos secretos e gangues existem por causa da carência de subjetividade individual e de autonomia decorrentes da divisão do trabalho. Os indivíduos tentam compensar essa carência entrando voluntariamente em comunidades onde há aparência de individualidade, pelo mero fato de não ser mainstream (parte da corrente principal, dominante, na moda). Simmel é um dos escritores mais importantes a tratar das gangues, e seus escritos sobre grupos, subordinação e dominação são profundamente pertinentes.

Max Weber (1864-1920) escreveu sobre burocracia, castas, seitas, racionalidade, carisma, poder e autoridade, lançando luz sobre as gangues. Em seus escritos, Weber apoia a “racionalidade” capitalista contra formas subdesenvolvidas de dominação pré-capitalista. Ele foi um leal e consistente apologeta de leviatãs, e, como Simmel, se tornou um fervoroso patriota alemão na primeira guerra mundial.

T.W. Adorno (1903-1969), como Max Horkheimer e Herbert Marcuse, da escola de Frankfurt, analisaram como os indivíduos foram danificados sob uma sociedade crescentemente administrada. Porém, os escritos publicados em inglês de Adorno sobre gangues (rackets, ele usava o termo) parecem dispersos e inacabados. De acordo com Rolf Wiggerhaus, a teoria das gangues desenvolvida por Horkheimer e Adorno permaneceu um “torso inacabado”. É uma pena. Porém, em muito da densa prosa de Adorno, podemos capturar pepitas como: “Alguém que quer mudar o mundo não deve de maneira nenhuma acabar no pântano das pequenas gangues em que videntes definham com sectários políticos, utópicos e anarquistas”[4]. Você foi avisado.

Em Adorno, as gangues parecem ser principalmente criminosas (as econômicas), e o modo como as gangues especificamente políticas operam não é claramente abordado. Porém, muitos insights sobre gangues em “Minima Moralia” são mini-concentrados, ricos em significados.

O assim chamado situacionismo, em especial Guy Debord, contribuiu enormemente a uma crítica das gangues. Em “A Sociedade do Espetáculo”, de Debord, há insights contundentes sobre a aterrorizante perda de individualidade mediante as separações na sociedade capitalista. Em Debord encontram-se temas profundamente elaborados sobre a alienação, inspirados em textos de Marx, Adorno e provavelmente Simmel. No entanto, o grupelho em torno de Debord parece ter se engajado em muitas atividades de gangue, incluindo megalomania de grupo e as usuais expulsões de tipo esquerdista.

De Fredy Perlman, “As Dez Teses sobre a Proliferação de Egocratas” foi influenciada pelo situacionismo e pelo jovem Baudrillard. Suas teses são concisas e não fazem concessões às “organizações militantes”, isto é, gangues, inclusive situacionistas.

Jacques Camatte escreveu extensivamente sobre a base social (ou a-social!) das gangues. Suas visões sobre gangues podem ser encontradas concentradas na longa carta-ensaio “Sobre Organização” (1969). É uma exposição devastadora das gangues, e é superior à abordagem de Adorno, na medida em que Camatte disseca as gangues políticas (principalmente esquerdistas e de ultraesquerda) de um modo abrangente e extenso, ligando-as à total dominação do capital.

     O bolchevismo, como o marxismo em geral, tem pouco entendimento das gangues. O próprio bolchevismo surgiu como uma gangue política, e subiu ao poder estatal depois de se tornar um partido temperado nas mobilizações de massa contra o regime czarista. Isso lhe deu o “direito de nascença” para mais tarde desmoralizar e esmagar o proletariado e o campesinato insurgente. Talvez por isso os teóricos bolcheviques mais famosos, como Bukharin, Rakovsky e Trotsky, tenham sido incapazes de autocrítica quando enfrentaram o desdobramento do stalinismo. Nenhum deles podia aceitar que o bolchevismo tivesse dado via livre para um Estado capitalista fortalecido na Rússia, com um estrato totalitário que foi efetivamente uma classe dominante estatal. Rakovsky chegou próximo de admiti-lo, mas recuou desta conclusão.

Podemos dizer que as gangues políticas modernas têm estas características gerais:

– Elas giram em torno de um guru, um líder carismático (Weber) ou “egocrata” (Perlman). O guru é geralmente homem, embora também se conheça gangues dirigidas por mulheres;

– O guru estimula e controla uma hierarquia centralizada e despótica. Ele confia numa facção interna de conspiradores, que trama permanentemente contra os membros da gangue. Nenhuma gangue é regida por consenso ou por métodos participativos transparentes;

– As gangues têm uma plataforma política ou programa, usualmente de tipo messiânico. Uma das tarefas do guru é herdar, ou traçar, e manter essa plataforma. As gangues tentam influenciar o mundo à sua volta publicando regularmente (ou mantendo um website). Para eles, influenciar outros significa recrutar, e não contribuir para uma clarificação em andamento da consciência;

– As gangues recrutam indivíduos que voluntariamente entram e são sistematicamente persuadidos da infalibilidade do guru. Uma vez recrutado, o objetivo da gangue é alienar os indivíduos ainda mais, fazendo-os cortar muitos de seus elos com a sociedade. Isso não é uma conspiração consciente, mas um processo em que recrutador e recrutado iludem a si mesmos e uns aos outros. O primeiro, pela negação do que acontece na gangue, e o segundo, pela suspensão do pensamento crítico;

– As gangues aspiram tornarem-se permanentes, mas são constantemente interrompidas pela dissenção interna, dissidências e competição de gangues rivais. As divergências políticas são raramente tratadas – elas são substituídas pelo faccionalismo pessoal e pela competição por posições e hierarquia. Daí o uso generalizado de bodes expiatórios e ataques ad hominem [N. do R.: ataques “contra a pessoa”, no sentido de que se contrapõe certo argumento por meio do pôr em descrédito quem o disse];

– Paradoxalmente, a sobrevivência das gangues depende do faccionalismo interno e de inimigos externos. O clima de paranoia e busca de bodes expiatórios fortalece o controle do guru. Ele é reforçado por expurgos recorrentes. Novos rivais, formados frequentemente por membros expulsos, concentram os instintos de sobrevivência da gangue, criando paroxismos de ódio e estimulando uma mentalidade de estado de sítio. Essas “crises” centrípetas e centrífugas, ambas cuidadosamente encenadas, ajudam na sobrevivência das gangues;

– As gangues mais venenosas tentam se organizar de modo militar. Isso as ilegaliza e coloca-as em confronto direto com o Leviatã. Essa tendência esvazia de membros femininos e aumenta enormemente a disfunção dos militantes. Tais gangues tendem a existir mais nas periferias do sistema, onde leviatãs são fracos e dependem principalmente do terror direto para sobreviver. Esse método de domínio desata uma guerra indiscriminada entre leviatãs e gangues opostas, em que o terror e o extermínio são os únicos métodos para afirmar a dominação;

         Mas de onde os membros das gangues saem? No renascimento e na época do iluminismo, a crescente divisão capitalista do trabalho liberou camadas de profissionais e de gente culta, não mais beneficiários da igreja e do patronato real.

Alguns membros dessas camadas foram empregados como funcionários estatais. Vários permaneceram desempregados, ou subempregados. Essas camadas “flutuantes” são a principal base social das gangues políticas. Historicamente, elas aspiravam a:

– influenciar a política do Estado;

– ser empregadas pelo Estado;

– conquistar o Estado para governá-lo de acordo com sua ideologia e doutrina. O Estado não era mais um atributo da realeza, mas d”O Povo”. Devido à tendência de capitalismo de Estado, o próprio Estado se tornou uma unidade de capital extremamente cobiçada. Sua capacidade como coletor de impostos, administrador do orçamento e do banco nacional, além das empresas estatais, fizeram dele um conglomerado capitalista ideal. Gangues de todos os credos se formaram para atingir o status de partidos, passo necessário para alcançar o poder estatal e chegar aos cofres do Estado.

O poder estatal é o objetivo final das gangues políticas. Trotsky pensava nisso quando disse que “toda tendência política séria aspira à conquista do poder [do Estado]” [5].

O sociólogo italiano liberal Gaetano Mosca (aprovado depois pelos fascistas) observou que “a ideia de que cada indivíduo separado deve ter uma parte igual no exercício da soberania só poderia ter surgido depois que o absolutismo burocrático quebrou todos os velhos grupos e destruiu todos os poderes soberanos intermediários entre o Estado e o indivíduo” [6]. Essa concepção de indivíduos soberanos e iguais está no coração da política burguesa, e é ligada a uma sociedade de produção mercantil generalizada.

Desde o início, o capitalismo necessitou de muitos desses indivíduos separados e educados. O desenvolvimento científico e tecnológico do sistema requereu um vasto número de especialistas. Max Nomad, o discípulo de Waclaw Machajski [ele próprio um crítico das gangues marxistas], tinha a dizer sobre isso o seguinte:

Apertado entre os capitalistas e os trabalhadores manuais emergiu um estrato sempre crescente de neo-burgueses ou não-ainda-tão-burgueses engajados em ocupações intelectuais ou quase intelectuais. “Trabalhadores intelectuais”, “empregados privilegiados do capital”, “nova classe média” – estes são os vários termos usados indistintamente para essa maravilhosa variedade de pessoas: titulares de cargos, professores, profissionais, técnicos, clérigos, especialistas comerciais e financeiros, jornalistas, escritores, artistas, políticos, revolucionários profissionais e agitadores, organizadores sindicais e assim por diante. Em resumo, uma vasta multidão de pessoas educadas e semieducadas, todas elas “sem propriedades”, que podem ou não ter formação universitária, mas que conseguem sobreviver sem recorrer ao trabalho manual ou ao trabalho inferior de escritório.

Mas estes tinham uma perspectiva principalmente conservadora, não desejando perturbar a paz social e arriscar suas próprias rendas privilegiadas. Contra esses apoiadores do status quo, se arregimentam os “[…] ‘de fora’, os jornalistas desempregados ou mal pagos, conferencistas, universitários graduados e subgraduados, ‘advogados sem clientes e doutores sem pacientes’ [Marx], ex-trabalhadores educados em busca de cargos de colarinho branco – em suma, todo esse diversificado exército de intelectuais sem dinheiro e esfomeados, que estão insatisfeitos com o sistema atual e são com frequência ativos militantemente em vários movimentos radicais ou fascistas. São os membros desse grupo que tem a ambição de eliminar a classe capitalista dos consumidores parasitas e de estabelecer seu próprio domínio em um sistema baseado no controle governamental ou propriedade das indústrias, e numa distribuição de renda desigual[7].

Não é preciso aceitar a amarga descrição conspiratória de Nomad para concordar de modo geral com a sua definição. Esses indivíduos atomizados forneceram a base para as gangues políticas e seus gurus.

No fim do século XIX, o marxismo se tornou a ideologia da facção mais extrema e sistematicamente radical de políticos especialistas. Após constantes derrotas e massacres, o proletariado aprendeu a ser cauteloso com pequeno-burgueses radicais (1830-1848 na França e na Europa central). Outros ideólogos substituíram essas gangues recuperadas. Nesses países, partidos marxistas e anarquistas e sindicatos conseguiram se implantar numa minoria do proletariado. Em 1914, a maioria dessas organizações apoiou seus beligerantes Estados em guerra na Primeira Guerra Mundial. Elas fizeram o mesmo no segundo mundo, quando o stalinismo provou conclusivamente que a revolução de outubro havia terminado numa catastrófica contrarrevolução.

Essas derrotas históricas confirmaram que o proletariado não precisa de partidos políticos. Sua emancipação pode se tornar uma realidade através de uma superação mundial e coordenada do valor e pela dissolução da propriedade privada (inclusive estatal). As necessidades do proletariado contradizem a existência de classes sociais e de toda dominação política. Falar que o proletariado precisa de “partidos revolucionários” contradiz a natureza dessa classe, que é fadada a se dissolver na emancipação comunista da sociedade. A existência de gangues, que falam em nome do proletariado, é assim um resquício retrógrado de um período de derrota histórica e de ilusão em massa.

Em “A Revolução Socialista”, Kautsky observou: “quanto menor o número de indivíduos que tomam parte em dado movimento social, menos esse movimento aparece como um movimento de massa – então menos o geral e o necessário são evidentes para eles, e mais o acaso e o pessoal predominam”. Kautsky estava se referindo a seitas socialistas, sem suspeitar que esse fenômeno, onde o “acaso e o pessoal predominam”, se tornaria comum na sociedade uma vez que a atomização se generalizasse. Indivíduos descontentes são mais atraídos para as gangues, não para grandes corporações leviatânicas como partidos, igrejas oficiais e sindicatos.

A forma partido político é a forma ideal da classe dominante capitalista. As classes dominantes atuais têm uma ala política – isto é, partidos, porque é preciso apenas uma minoria de especialistas para governar para essas classes (um produto da divisão do trabalho). Presumir isto também para o proletariado é algo que se baseia numa falsa analogia. Ou seja, que uma minoria do proletariado possa também representar toda a classe, como acontece com a classe capitalista. Na classe explorada e comunista, qualquer partido que clama representá-la se torna um estrato estranho sobre ela, atado à sociedade dominante. Essa justificação não é um erro “substituísta”, mas uma expressão das necessidades da exploração.

Algumas vezes a necessidade de um partido é justificada pela “heterogeneidade” da consciência de classe no proletariado. Isso é ilusório, porque a fragmentação social do proletariado e, portanto, suas várias falsas visões sob o capitalismo, não pode ser resolvida por uma minoria permanente de especialistas. Essa justificação leninista pretende que a divisão do trabalho do capitalismo, que produziu a heterogeneidade, tenha algum potencial emancipatório. Porém, a fragmentação só pode ser reduzida e finalmente resolvida pelas lutas explícitas e expansivas pelo comunismo. Apenas elas permitirão a participação ativa mais abrangente não só dentro do proletariado, mas também de toda humanidade indo além do valor e do Leviatã.

Mesmo se concordássemos que a fragmentação proletária produz uma especializada consciência “teórico-prática” numa minoria, disso não decorre que essa minoria é uma “vanguarda política”. Pelo contrário, a experiência histórica confirma que essas “vanguardas” são gangues por causa de sua estrutura militarizada, práticas de culto, fragmentação e isolamento frente ao proletariado como um todo. Sua ideologia permite ao capital recuperar essas gangues tão logo se formam. A ideia de que essas gangues expressam os pensamentos e necessidades da classe trabalhadora é um clichê de onipotência, ocultando os apetites destrutivos que existem dentro destas gangues. Com um instinto refinado, elas farejam no proletariado sua bucha de canhão para banhos de sangue apocalípticos (tomadas da Bastilha ou do Palácio de Inverno).

Se a ideia de partido proletário for aceita, também será aceita a ideia de que ele será o partido estatal dominante. O leninismo sempre foi uma ideologia leviatânica.

       (Continua… nas partes II e III )

As imagens no artigo foram retiradas do filme “Once Upon a Time in America” (1984), de Sergio Leone

Notas:
[1] The Prince and other Political Writings. London: Everyman, 1998, 55-56.
[2] De La Boétie, Etienne, The Politics of Obedience, The Discourse of Voluntary Servitude. Montréal: Black Rose Books, 1997, 78.
[3] Simmel, Georg. The Sociology of Georg Simmel. New York: The Free Press, 1964, 376.
[4] Horkheimer, Max & Adorno TW. Dialectics of Enlightenment. New York: The Seabury Press, 1972, 254.
[5] Trotsky, Leon. ‘Terrorism and the Stalinist Régime in the Soviet Union’ (from The Case of Leon Trotsky). New York: The Pathfinder Press. 1974. 16.
[6] Mosca, Gaetano. The Ruling Class. New York: McGraw-Hill, 1965, 381.
[7] Nomad, Max. Masters Old and New. Edmonton: Black Cat Press, 1979, 1-2.

Acompanhe a série

Rackets! (gangues, bandos) – parte I;   Rackets! (gangues, bandos) – IIRackets! (gangues, bandos) – III.



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Sábado, 12.11.16

Como a direita pensa     (-J.R.Almeida, 31/10/2016, Ladrões de B.)

Há dias, deram-me a conhecer um texto de Milton Friedman – O Neoliberalismo e as suas perspectivas –, de 1951, em plena Guerra Fria.    Nesse texto, curto e claro como água, Friedman anuncia que "o palco está montado para o crescimento de uma nova corrente que substitua a velha ideia" defensora do socialismo, entendido como colectivista, fruto de uma forte presença do Estado na economia.
O conceito dessa nova maré de opinião pública era então perfeitamente definido:
"O neoliberalismo aceitaria a ênfase liberal do séc XIX da importância fundamental do indivíduo, mas substituiria o objectivo do séc XIX de laissez-faire, como um meio para esse fim, pelo objectivo da ordem concorrencial.    Procuraria o uso da concorrência entre produtores para proteger os consumidores da exploração [!],   da concorrência entre empregadores para proteger trabalhadores e proprietários [!!],   e concorrência entre consumidores para proteger as empresas [!].    O Estado policiaria este sistema, estabeleceria condições para favorecer a concorrência e prevenir os monopólios e aliviar a miséria aguda e a angústia. Os cidadãos seriam protegidos contra o Estado pela existência de um mercado privado livre; e contra si próprios pela preservação da concorrência."
   Ora, todos sabemos aonde levou esta doutrina que, passados 65 anos, ainda vigora e em força. Algo diferente da teoria: a defesa do indivíduo justificou uma maior concentração de riqueza nalguns, a desigualdade e o nascimento de firmas transnacionais, cujo poder rivaliza e se sobrepõe ao poder dos próprios Estados.
     Mas o que é interessante é verificar que esta direita económica é preserverante e reciclável, nunca esquecendo ao longo dos tempos o seu leit-motiv de fazer tudo contra o socialismo.   Libertar ao máximo - egoisticamente - a contribuição individual para um colectivo (e aí os mais ricos têm mais a perder), porque, supostamente, essa libertação da obrigatória interajuda num colectivo social trará mais benefícios para a sociedade, tida como um somatório de indivíduos egoístas. Mas, claro, ajuda mais os ricos do que os pobres, porque os mais ricos são mais empreendedores e dão emprego aos mais pobres. Outra versão daquela máxima tão velha e ainda tão usada: São as empresas que criam o emprego.
       E a Segurança Social é um caso exemplar das ideias matrizes da direita.
 1. Uso indevido das verbas da Segurança Social para fins outros: Um dos aspectos frisados na declaração de voto de Boaventura Sousa Santos, Maria Bento, Maldonado Gonelha e Bruto da Costa no Livro Branco da Segurança Social, em Janeiro de 1998, foi o desprezo dos governantes pelo equilíbrio e sustentabilidade do sistema de protecção social, reflectido no incumprimento pelo Estado da Lei de Bases da Segurança Social de 1975 a 1995 (sobretudo por Cavaco Silva). A preços de 1997, a dívida ao sistema era de 5,9 mil milhões de contos (quase 30 mil milhões de euros). Na comissão do Livro Branco, Diogo de Lucena e Miguel Gouveia desvalorizaram esse tema ao afirmar que não tinha "existência comprovada" e que "falar de dívida do Estado é retórica para aumentar os impostos".
     Ora, no governo PSD/CDS, aconteceu aparentemente o contrário. Veja-se o que vem no anexo ao relatório do Orçamento de Estado para 2017 sobre a sustentabilidade do sistema:
O Estado sobrefinanciou a Segurança Social - através de transferências extraordinárias - como forma de aumentar os seus excedentes, por forma a serem canalizados para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, de modo a ser usado para comprar títulos de dívida pública, compra devidamente autorizada por uma alteração legal - de última hora - que alargou a percentagem de investimento nesses activos. Foi o tal decreto aprovado por Vítor Gaspar nos seus últimos dias no Ministério das Finanças (aqui e aqui).
      2. Acesso a um bolo chorudo de contribuições sociais sem nunca explicar como a Segurança Social não perde dinheiro: Este objectivo vem geralmente a propósito do tema recorrente da insustentabilidade da Segurança Social, em que se frisa sempre a redução do número de activos por pensionista, mas nunca defendendo uma política de pleno-emprego.
   Relendo as declarações de voto do Livro Branco, António Correia de Campos – que presidia à comissão, foi ministro do governo Sócrates e é actualmente o presidente do CES – elogiou a solução do plafonamento por "aliviar financeiramente o sistema", "introduzir uma mudança saudável na mentalidade assistencialista e de dependência do Estado", "aumentar a equidade social por excluir a responsabilidade da cobertura de pagamento as pensões desproporcionalmente altas" e, ainda, "aumentar capital para animação da actividade económica pelo mercado de capitais".
    Diogo de Lucena e Miguel Gouveia defendiam-no porque "corresponderia a um aumento sensível dos rendimentos para os reformados", defendiam um "plafonamento que tivesse uma componente vertical mesmo para baixos salários" e achavam que "precisamos de um seguro para o desemprego", com a introdução de "co-seguros e franquias" contra os "usos perversos" e "risco moral" da prestação, porque o "o problema da fraude no subsídio de desemprego é endémico". E o mesmo para a saúde e para invalidez.
    Luís Filipe Pereira, ex-ministro de Cavaco Silva, de Durão Barroso e Santana Lopes, ex-presidente do CES e dirigente do grupo Mello, defendia o mesmo plafonamento, como "única forma (...) de garantir uma expressão significativa de capitalização de financiamento do sistema", opção "inefastável", com "vantagens importantes ao nível da dinamização do mercado de capitais e de financiamento da economia".
    Pois, passados quase 20 anos, o tema - sem ter sido concretizado, e sem estudos dos seus impactos financeiros - continua presente nos programas da direita. O bolo de contribuições representa actualmente 15 mil milhões de euros.
    3. Defesa das pensões mínimas como forma de reduzir o papel do Estado na protecção das pensões mais baixas. Desde sempre, a direita tem preferido vangloriar-se de ter aumentado em uns euros as pensões mais baixas entre as pensões mínimas ou sociais, esquecendo-se sempre de frisar que, entretanto, baixou o Complemento Solidário para Idosos de 5.022 para 4.909 euros, e ainda por cima apertando as regras da condição de recursos, o que retirou apoio a dezenas de milhar de pessoas. Esta estratégia tem como condão de levar os futuros beneficiários a fazer menos descontos sociais ("Para quê, se não vou ter pensão?"), tudo contribuindo para que o Estado se encarregue apenas de um mínimo de subsistência dos cidadãos, com o mínimo da presença "colectiva" na sociedade.
   4. A opção pelas contas individuais. Com mais ou menos variâncias, a ideia redunda numa desarticulação do funcionamento do sistema, baseado numa solidariedade colectiva intergeracional, em que os activos pagam a pensão de quem se reforma. Se os primeiros pensarem apenas em si, os segundos serão afectados. A ideia nunca foi concretizada, nem estimados os custos da sua aplicação. Em 1998, Diogo de Lucena e Miguel Gouveia escreveram, um inteiro capítulo da declaração de voto ao Livro Branco, defendendo que "as contas individuais são uma estratégia que não deveria ter sido secundarizada". Passados quase 20 anos, o tema é ainda incipientemente tratado, mas não deixou de estar presente nos programas eleitorais à direita.
    5. E finalmente o Rendimento Básico. Em vez de uma presença do Estado, seria concedido um rendimento bruto a cada cidadão como um limiar básico de existência, retirando-se os apoios sociais. Cálculos feitos, um rendimento de 420 euros mensais representaria um encargo anual de 61,2 mil milhões de euros. Se fosse de 700 euros, o encargo seria de 101,9 mil milhões. Impraticável.
     A direita é assim: nunca se esquece que o socialismo é o inimigo porque o egoísmo é o seu forte.
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Friedman marcou a agenda do movimento neo-conservador (neocons, ainda mais à direita que os neoliberais):
“Em primeiro lugar, os governos deveriam abolir todas as regras e regulamentações que se interpunham no caminho da acumulação de lucros.   Em segundo, deveriam vender todos os activos que possuíam e que podiam ser administrados pelas corporações, com fins lucrativos.  E em terceiro, precisavam cortar dramaticamente os fundos destinados aos programas sociais. Dentro dessa fórmula tripartida de desregulamentação, privatização e cortes, Friedman ainda oferecia especificações.  Os impostos, no caso de precisarem existir, deveriam ser baixos,taxando ricos e pobres na mesma importância fixa.   As corporações deveriam ser livres para vender seus produtos em qualquer lugar do mundo, e os governos deveriam ser impedidos de proteger as propriedades e as indústrias locais.  Todos os preços, inclusive o preço do trabalho, seriam definidos pelo mercado. O salário mínimo deveria ser abolido.  Para as privatizações,Friedman oferecia actividades como os cuidados com a saúde, o serviço de correios, a educação, as aposentadorias e até mesmo os parques nacionais .
    A contra-revolução da Escola de Chicago ('sede' dos neoliberais) pretendia eliminar todas as formas de protecção que os trabalhadores haviam conquistado e todos os serviços públicos que o Estado oferecia com o objectivo de aparar as arestas do mercado.”
    “A visão de Friedman coincidia exactamente com os interesses das grandes multinacionais, cujo apetite natural ansiava por novos mercados desregulados. No primeiro estágio da expansão capitalista, esse tipo de crescimento voraz era propiciado pelo colonialismo– por meio da “descoberta” de novos territórios e da apropriação da terra sem precisar pagar por ela, e depois pela extracção de suas riquezas sem oferecer recompensas às populações nativas.  A guerra que Friedman travou contra o “Estado de bem-estar” e o “grande governo” acenava com a promessa de nova fonte de riquezas – só que desta vez não era pela conquista de novos territórios, mas pela transformação do próprio Estado numa nova fronteira, leiloando seus serviços públicos e activos por um preço muito abaixo de seu real valor.”
    Friedman apostou na formação de”economistas” chilenos na sua escola.Tal projecto começou em ..1956! Em 1965 o projecto foi ampliado para incluir estudantes de toda a América Latina,em especial provenientes do Brasil,México e Argentina.
“Os alunos que se submeteram ao programa, em Chicago ou na franquia que funcionava em Santiago, ficaram conhecidos em toda a região como os “rapazes de Chicago”.
    Com mais financiamentos da USAID, os rapazes de Chicago do Chile viraram embaixadores do “neoliberalismo”…”A educação desses chilenos decorreu de um projecto específico arquitectado nos anos 1950 para influenciar o desenvolvimento do pensamento económico no Chile.”
   Mas “o projecto” não estava funcionando.”Foi no Chile – o epicentro do experimento de Chicago – que a derrota na batalha das ideias se tornou mais evidente. Na histórica eleição de 1970, o país tinha avançado para a esquerda de tal forma que os três maiores partidos políticos eram a favor da nacionalização da principal fonte de renda do país: as minas de cobre então controladas pelas grandes mineradoras dos Estados Unidos . ” Em outras palavras, o Projecto Chile,da escola de Chicago era um fiasco muito caro. Como guerreiros ideológicos que travavam uma batalha de ideias contra os adversários de esquerda, os Rapazes de Chicago falharam na sua missão. Não só o debate económico continuava a tender para a esquerda, como os rapazes de Chicago tinham-se tornado tão marginalizados que não conseguiam sequer um registo no espectro eleitoral chileno.
   Isso poderia ter terminado assim, com o Projeto Chile sendo apenas uma pequena nota de rodapé na história, mas algo aconteceu para tirar os rapazes de Chicago da obscuridade: Richard Nixon foi eleito presidente dos Estados Unidos. Friedman logo se entusiasmou: Nixon ” tem uma política externa imaginativa e efetiva no conjunto”.  Em nenhum outro lugar ela foi mais imaginativa do que no Chile.    A democracia tinha se tornado inóspita para os rapazes de Chicago, no Chile; a ditadura seria mais conveniente.”
(excertos de THE SHOCK DOCTRINE: THE RISE OF DISASTER CAPITALISM
2007 by Naomi Klein)
:"Chicago Boys (Rapazes de Chicago) foi o nome dado a um grupo de aproximadamente 25 jovens economistas chilenos que formularam a política económica da ditadura do general Pinochet. Foram os pioneiros do pensamento (neo)Liberal, antecipando no Chile em quase uma década medidas que só mais tarde seriam adoptadas por Margaret Thatcher (PM, 'dama de ferro') no Reino Unido."
 


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Domingo, 17.07.16

Filhadaputice é isto .    (- por   j.m. cordeiro, 13/7/2016, Aventar)

EU defict wall of shame

Seis países não cumpriram as regras do pacto de estabilidade em 2015

     Seis países ficaram em procedimento de défice excessivo em 2015. Croácia, França, Grécia, Reino Unido (se ainda conta), Portugal e Espanha. 

      Disse-se que houve unanimidade entre os ministros das finanças europeus, que formam o Ecofin, na aplicação de sanções a Portugal. O que é falso, logo em primeiro lugar.     "Durante a reunião não houve votação. Portugal e Espanha manifestaram-se contra as sanções, mas os restantes países não levantaram objeções dando luz verde à decisão." [Expresso]. 

     A Grécia opôs-se às sanções.   A Croácia calou-se. A França calou-se.  Assim se confirma, novamente, que a “europa” é o projecto de um país (e seus satélites oportunistas), capaz de impor aos restantes o seu domínio.

quem cala consente.     Filhadaputice é assobiar para o lado enquanto as chamas do vizinho não chegam ao (seu?) palheiro. Mas lembrando Brecht
    Vivemos um tempo em que a contra-informação domina a informação. Neste caso, passámos de unanimidade para vários protestos. Mesmo assim, não chegou a haver votação. Grande europa.

--- Admirável Nova Europa  :  Schäuble prepara plano para “nova UE”, incluindo poder de veto sobre orçamentos.

--- O economista chefe do Deutsche Bank pede 150 mil milhões  para os bancos falidos da Europa (o dele incluído). Tudo pago pelo contribuinte

--- Golpada CETA? ou Não, a Comissão não quer aprender .  (- por Ana Moreno, 14/07/2016, Aventar)

malmström ceta

  Mas a que espectáculo estaremos nós a assistir??? – pergunta-se apreensivo quem estiver a seguir o processo que, segundo intenção determinada da Comissão, deverá levar à assinatura e celebração do CETA (Acordo Económico e Comercial Global) entre a UE e o Canadá.

   Poucos dias após o referendo sobre o Brexit, Juncker e a sua Comissão declararam peremptoriamente o CETA como Acordo “EU only”, ou seja, da exclusiva competência da UE e, portanto, a ser decidido em Bruxelas, com ratificação no parlamento europeu.

Porém, devido aos fortíssimos protestos de uma larga camada de cidadãos esclarecidos que se opõem ao CETA – assim como ao TTIP e TISA – em países como a Áustria, França, Alemanha ou Luxemburgo, os seus governantes não quiseram arriscar o conflito. E foi uma catadupa de reacções contra o plano da Comissão, exigindo a ratificação do CETA pelos parlamentos nacionais. [Read more…]

--- Quando Deus é o mercado e a inspiração é o dinheiro . (- por Santana Castilho,13/7/2016, Aventar)

Carl Levin Milton, advogado e ex-senador pelo Michigan, foi curto e grosso sobre o Goldman Sachs, quando o identificou como “um ninho financeiro de cobras, repleto de ganância, conflitos de interesses e delitos”. O Libération foi fino quando opinou que Durão Barroso fez um simples manguito à Europa.
    Eu parafraseio ambos para acrescentar que tudo converge. Se há talento que Durão Barroso sempre teve foi para aproveitar as oportunidades e fazer manguitos à ética e à moral. Foi assim quando desertou do Governo; foi assim quando cooperou com o crime do Iraque; é assim, agora, quando regressa aonde sempre esteve, isto é, para junto dos que promovem fortunas obscenas e calcam os mais fracos. A sua ignóbil conduta faz-me pensar nos valores que a educação instila nos jovens.
     A educação é pautada pela doutrina da sociedade de consumo. Os alunos são orientados para os desejos que a orgia da publicidade fomenta. Paulatinamente, muitos professores foram-se transformando em peões de um sistema sem humanidade. Paulatinamente, aceitaram desincentivar os seus alunos de questionar e discutir causas e razões.
     Teoricamente livres, usamos a nossa liberdade para permitirmos que nos condicionem. Tudo é mercadoria, educação inclusa. Preferimos estar sujeitos a mecanismos de controlo social a criar mecanismos de oposição ao sistema e de desenvolvimento de outro tipo de desejos: o desejo de visitar a vida, de cooperar com os outros.
    Os sistemas de educação deixam as nossas crianças sem tempo para serem crianças. Porque lhes definimos rotinas e obrigações segundo um modelo de adestramento que ignora funções vitais de crescimento. O ritmo de vida das crianças é brutalmente acelerado segundo o figurino errado de vida que a sociedade utilitarista projecta para elas. Queremos que elas cresçam depressa.

     A pressa marca tudo e produz ansiedade em todos. Não lhes damos tempo para errar e aprender com os erros, quando o erro e a reflexão sobre ele é essencial para o desenvolvimento dos jovens. É a ditadura duma sociedade eminentemente competitiva e utilitária, mas pobre porque esqueceu a necessidade de formar os seus, também, pelas artes, pela estética e pela música.
     Muitos dizem que temos a geração mais preparada de sempre. Mas será que temos? Ou será que temos, tão-só, uma geração com uma relação elevada entre o número dos seus elementos e os graus académicos que obtiveram? E preparada para quê? Para responder ao “mercado” ou para responder às pessoas? É que há uma diferença grande entre qualificar e certificar, preparar e diplomar.
     Quantos pais e quantos políticos se preocuparão hoje com o desconhecimento dos jovens acerca de disciplinas essenciais para a compreensão da natureza humana? Refiro-me, entre outras, à filosofia, à literatura, à história, à antropologia, à religião, à arte. Obliterados que estão todos com a economia e as finanças, enviesada que é a sua forma de definir a qualidade de vida das sociedades, sempre medida pelo crescimento do PIB mas nunca pela forma como ele é dividido, dão um contributo fortíssimo para apagar a visão personalista da educação e promover a visão utilitarista e imediatista, que acaba comprometendo a própria democracia. Porque troca o pensamento questionante pela aceitação obediente, de que os mercados carecem. Este minguar do conceito de educação vem transformando a sua natureza pluridimensional numa via única, autoritária, geradora do homem mercantil e do jovem tecnológico, de exigências curtas. E não se conclua daqui que desvalorizo o progresso tecnológico, mas tão-só que rejeito o enfoque único nessa via, para que tendemos mais e mais, como referência dominante da decisão política. Provavelmente porque é bem mais fácil manipular o tecnólogo que o artista, o tecnocrata que o livre-pensador.
      A universidade é talvez o mais evidente espelho do que afirmo. Tem a sua natureza cada vez mais corrompida por conceitos de mercado, que vão condicionando o conhecimento gerado pelos seus investigadores. Com efeito, os programas de financiamento da investigação estão marcados pela natureza dos resultados previstos. Hoje procura-se mais a utilidade do conhecimento. Antes partia-se para a procura da verdade, mesmo que essa verdade não tivesse utilização mercantil ou não gerasse lucro imediato. O professor universitário, como intelectual puro, passou de moda.   Antes, a missão dos universitários era pensar. Agora é produzir.
      A valorização da cultura universal cedeu passo a múltiplos nichos de cultura utilitarista. Houve, por parte dos interesses económicos e empresariais como que uma expropriação do trabalho académico de outros tempos. A utilização da inteligência está canalizada, preferencialmente, para a inovação que interessa às empresas e que elas vão, depois, utilizar, tendo lucros. A universidade, que oferecia conhecimento, vai virando universidade que oferece serviços. A pressão para que os docentes produzam e sejam avaliados por rankings é o reflexo desta nova filosofia, onde Deus é o mercado e a religião é o dinheiro.



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Sexta-feira, 03.06.16

SURPRESA !             (-por  J.Pacheco Pereira *, 17/5/2016, Abrupto)
  Escrito contra Sócrates em 2005, quando muitos dos nossos "liberais" eram desenvolvimentistas, quando se dizia que Sócrates estava a "roubar" o programa ao PSD, quando Sócrates aparecia como o herói da direita para pôr em ordem o défice que recebera de Santana Lopes, quando Sócrates aparecia como lutador contra as "corporações", aquilo que hoje a direita chama "oligarquia" (maldita memória!), um texto meu convenientemente descontextualizado tem sido muito citado (agradeço) para mostrar que o Pacheco Pereira "bom" era liberal e o Pacheco Pereira "mau" é socialista. Como no banco mau e no banco bom. E, portanto, ou "traiu" ou está doido. O argumento psiquiátrico tem sido muito usado, ao estilo da "psiquiatria" política da velha URSS. 

     Desenganem-se que sou muito mais liberal que socialista, mas sou sujeito a esse interessante anátema de que agora tudo o que não pertence a essa direita radical é socialista, pelo menos, quando não é esquerdista, radical, comunista, etc. Aliás, sobre o que disse no artigo que publiquei e que suscitou a fúria destes "liberais" ("Para a nossa direita radical o Papa é do MRPP"), nada é dito e percebe-se porquê: é que eles pensam mesmo que o Papa é do MRPP com aquelas histórias da "economia que mata…" Sabem qual é a surpresa? É que no essencial continuo a pensar o mesmo e não me converti ao socialismo, a não ser à parte de socialismo que existe na social-democracia. Hoje diria mais coisas, porque o espírito dos tempos é outro e os problemas de 2016 são diferentes dos de 2005, mas podia dizer e certamente direi as mesmas. 
     Sim "precisamos de mais liberalismo, de mais liberdade económica, de mais espírito empresarial", até porque a herança do governo Passos Coelho/ Portas é tudo menos liberal. Aliás, muitas coisas são uma continuidade ainda mais agressiva de política de Sócrates, como se passou com o fisco, onde os portugueses não são cidadãos, mas mentirosos à cabeça e onde os direitos de privacidade são inexistentes, como se vê consultando a história da nossa vida toda em facturas. A substância do que ocorreu nos últimos anos é apenas cortes ilegais de salários e pensões e alterações à legislação laboral. Nenhuma reforma estrutural foi feita, a não ser o perigoso desequilíbrio de poder no mundo do trabalho, de que pelos vistos estes nossos "liberais" gostam. Imaginem se tinham que conviver com a presença dos sindicatos nos conselhos de administração das empresas como na Alemanha. Ah!, mas os sindicatos não são os mesmos! Verdade, mas os patrões também não são e se pensam que os grandes sindicatos alemães não fazem greves e muitas vezes bem duras, estão enganados. 
     Agora "espírito empresarial" não é o jovem do Impulso Jovem aos saltos num palco a dizer inanidades, não é assentar o sucesso empresarial em salários baixos, não é combater os sindicatos e impedir o direito à greve, é olhar para a realidade das nossas empresas e ver, antes dos malditos dos trabalhadores preguiçosos, a muito má qualidade da nossa gestão. O "espírito empresarial" faz muita falta em Portugal, mas o que o governo de Passos Coelho fez foi usar o poder político para colocar as "empresas" como sujeito da política e isso é o menos liberal que há. Significa, entre outras coisas, soçobrar o Estado numa política de interesses que não serve a Economia nem as pessoas. A paixão por Singapura é um bom exemplo, a tentação de um modelo autoritário de governo em nome do "sucesso empresarial". 
     Sim, precisamos de "crise" no sentido schumpeteriano e de mais "insegurança", mas não é apenas para os mais fracos, que já têm que chegue. O que herdámos foi a pior das "inseguranças", uma sociedade sem palavra nem boa-fé, em que todos os contratos com uns eram para romper e com outros para manter sem hesitações. Em que se governou contra a lei e pelo medo, com desprezo pelos efeitos sociais da pobreza e da desigualdade, vistos como "efeitos colaterais". 
     Uma sociedade liberal, usa a liberdade, toda a liberdade, para dar poder às pessoas, empowerment no sentido anglo-saxónico, e não para as fixar numa vida sem esperança nem perspectivas. E, admirem-se, sem propriedade como condição de liberdade. É que os nossos "liberais" o que fizeram por essa Europa toda foi exactamente o contrário do sentido schumpeteriano da crise criadora, "protegendo" o sistema financeiro da crise que ele próprio tinha criado e fazendo recair as custas dessa "protecção" sobre os trabalhadores e pensionistas. Podia continuar, mas a causa é ruim. 
     O problema está no enorme simplismo e na dicotomia com que se fala de política em Portugal. Ou é a preto ou é a branco. É falar do "liberalismo económico" como se fosse alguma coisa que sem liberalismo político, em primeiro e em último lugar, fosse diferente da lei da selva. Para um verdadeiro liberal a liberdade nasce da política e não da economia, e a subordinação do poder económico ao poder político é vital. Para quem ama a liberdade, a democracia implica o voto e o primado da lei, tudo coisas que nos anos da "crise" perdemos. O nosso voto não vale quase nada porque não nos governamos a nós próprios e a lei, a começar pela Constituição, de nada valia. Quanto ao resto batam à porta da Europa s.f.f. 
     É que hoje a "Europa" do Eurogrupo, os seus mandantes de Bruxelas e os seus mandados (fantoches e avençados) em cada país são a principal ameaça à liberdade dos povos. Hoje, ser liberal, no completo e genuíno sentido da palavra, é combater aquilo que na verdade nem é sequer um "superestado" (uma federação), mas uma máquina de poder ao serviço de interesses da Alemanha e dos seus aliados (e sua poderosa bancocracia, oligarquia e lobbies), e de uma burocracia tecnocrática que acha que governa melhor os países do que os seus políticos eleitos. Nada tem feito mais mal à liberdade do que o pôr em causa a soberania como espaço em que a democracia tem sentido. O que é que pensam que a Europa está a impor aos gregos a ferro e fogo? Mais liberdade na sociedade e na economia? Soluções para a crise da economia grega? Não. Um puro diktat punitivo, sem canhoneiras como no passado, mas com dinheiro. Ainda estou à espera de ver os nossos "liberais" incomodados. 
      É disto que tem sentido falar em 2016.
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[notas:    Conceitos histórico-político-económicos para os termos  liberal (de liberdade, progressista, esquerda) são muito diferentes de "liberal" (direita, 'conservador', falso liberal, neoliberal), neoliberal ou ultraliberal ou ordoliberal (desregulado, capitalismo selvagem, lei da selva dos 'mercados', ...). 
  Concorde-se ou não com o que ele diz, creio que *JPP  (historiador, ex-deputado do PSD) se pode considerar um cidadão pleno, não-alienado, um verdadeiro liberal e social-democrata, nunca um "liberal" ou neoliberal, nem de extrema direita ou de extrema  esquerda, é crítico, ético, independente e, devido às distorções da novilíngua e do posicionamento-práticas de outros, às vezes é conservador e outras vezes advoga, e bem, algum radicalismo para tentar corrigir as existentes injustiças e deturpações económico-sociais-políticas...  .  JPP é histórico 'desalinhado' do 'moderno' PPD-PSD (este partido do centro-direita está actualmente no grupo 'popular' do parlamento europeu, enquanto o CDS-PP está no grupo 'liberal' e o PS está no social-democrata/ trabalhista, ...)]
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…onde não posso ir porque não sou delegado, não tive nenhum cargo que me desse esse direito por inerência e não quereria falar numa condição de favor em relação aos que têm o direito de lá estar. Aliás, essa hipótese já se colocou num dos primeiros congressos da era Passos Coelho e foi recusada pela direcção do partido. Aos energúmenos que nos partidos têm a sua única vida profissional e que adorariam essa ocasião para me apupar devo dizer-lhes que é para o lado em que durmo melhor. Já tive na vida muitas mais ocasiões de incómodo e riscos muito maiores, para me assustar com isso. Além disso seria uma honra, como se percebe deste texto. Aqui vai, de fora, como se fosse lá dentro. 
     Ponham lá nas paredes das sedes do PSD... 
Passavam menos de 15 dias sobre o 25 de Abril de 1974, a 6 de Maio, três homens, Francisco Sá Carneiro, Joaquim Magalhães Mota e Francisco Pinto Balsemão, liam a declaração genética do PPD, depois PSD, intitulada Linhas para um Programa. Chamo a atenção: o habitual argumento destinado a desqualificar os documentos dos primeiros anos do PSD, de que são o resultado de habilidades linguísticas destinadas a obter legitimidade nos anos do PREC, não colhe de todo. Este documento é escrito muito antes de se dar a radicalização política do ano de 1975 e aliás não esconde a génese do novo partido na chamada "ala liberal" cuja actividade cessava então "pelo nascimento dum partido de orientação social-democrata". Ou seja, os autores desta declaração estavam a dizer exactamente o que queriam dizer e a situar-se exactamente onde queriam situar-se. 
        Inscrito a letras de ouro ... 
Deixemos de lado a parte do apoio ao MFA e ao 25 de Abril, para nos atermos às demarcações do texto e ao seu conteúdo programático. Primeira demarcação: a "concepção e execução dum projecto socialista viável em Portugal, hoje, exige a escolha dos caminhos justos e equilibrados duma social-democracia, em que possam coexistir, na solidariedade, os ideais de liberdade e de igualdade." A expressão "caminhos justos e equilibrados duma social-democracia" significa que o novo partido se distanciava dos outros "socialismos", em particular dos dois partidos que tinham chegado ao 25 de Abril aliados por um "programa comum": o PS e o PCP. Esse "programa" não durou muito, mas existia. 
            Para não se esquecerem de onde vimos... 
 O que é que significava esta "visão social-democrata da vida económico -social"? 
 "a) Planificação e organização da economia com participação de todos os interessados, designadamente das classes trabalhadoras e tendo como objectivos: desenvolvimento económico acelerado; – satisfação das necessidades individuais e colectivas, com absoluta prioridade às condições de base da população (alimentação, habitação, educação, saúde e segurança social); – justa distribuição do rendimento nacional.
b) Predomínio do interesse público sobre os interesses privados, assegurando o controlo da vida económica pelo poder político (…).
c) Todo o sector público da economia deve ser democraticamente administrado (…) .
d) A liberdade de trabalho e de empresa e a propriedade privada serão sempre garantidas até onde constituírem instrumento da realização pessoal dos cidadãos e do desenvolvimento cultural e económico da sociedade, devendo ser objecto de uma justa programação e disciplina por parte dos órgãos representativos da comunidade política. (…)
f) Adopção de medidas de justiça social (salário mínimo nacional, frequente actualização deste salário e das pensões de reforma e sobrevivência, de acordo com as alterações sofridas pelos índices de custo de vida, reformulação do sistema de previdência e segurança social, sistema de imposto incidindo sobre a fortuna pessoal preferentemente ao rendimento de trabalho com vista à correcção das desigualdades)." 
     Citei mais extensivamente porque é uma parte crucial da "visão". Estão lá mais coisas, como a crítica ao absentismo dos latifundiários, a defesa do direito à greve ("meios necessários para uma permanente e contínua subordinação da iniciativa privada e da concorrência aos interesses de todos e à justiça social"); a possibilidade de nacionalizações para garantir o "controlo da vida económica pelo poder político"; a defesa do "saneamento" e do "julgamento dos crimes constitucionais de responsabilidade, de corrupção, contra a saúde pública e os consumidores e, dum modo geral, contra a vida económica nacional, bem como dos abusos do poder.
      No plano político está lá a defesa daquilo que viria a chamar-se o "poder local"; a independência do poder judicial; a laicidade do Estado; o fim da discriminação das mulheres, e a afirmação de que a "educação e a formação constituem serviço público no mais amplo e digno sentido de expressão porquanto são fundamento e garantia de liberdade e de responsabilidade. A igualdade de oportunidades, alargamento de horizontes e a preparação ou readaptação à vida em sociedade são os objectivos fundamentais de educação e formação." Ou seja, a educação é o mecanismo-chave da mobilidade social. E por fim, a defesa da "autodeterminação" nas colónias com imediato cessar-fogo. 
            Para quem não sabe o que é a social-democracia... 
Talvez a mais significativa frase do texto seja esta: 
 "Consideração do trabalhador como sujeito e não como objecto de qualquer actividade. O homem português terá de libertar-se e ser libertado da condição de objecto em que tem vivido, para assumir a sua posição própria de sujeito autónomo e responsável por todo o processo social, cultural e económico." 
     Ela é uma das chaves para perceber o pensamento de Sá Carneiro e dos fundadores. Não vem do marxismo, nem do socialismo, nem do esquerdismo, vem da doutrina social da Igreja tal como se materializava no pensamento da social-democracia que se queria instituir. Demarca o PSD do PS, do PCP mas, acima de tudo, daqueles que no lugar do "trabalhador" colocam as "empresas", a "economia", ou outras variantes de qualquer poder que não "liberta".
     A escolha e a ordem das palavras não são arbitrárias. Estes homens devem ter ponderado todas as palavras, todas as ideias e todas as frases deste documento com o máximo cuidado e rigor. Sabiam que estavam a escrever para a História e para o dia seguinte, para os portugueses e para Portugal. Nem é preciso dizer, de tão evidente que é, que nada disto é o que pensa e o que diz a direcção do neo-PSD que hoje existe. 
    Este é o PSD antigo, mas esta é também a parte que não é "modernizável".


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Sexta-feira, 04.03.16

------ Até quando?      (-Rui Silva, 7/3/2016, Manifesto74)

     O presidente da (CIP) confederação dos patrões deu uma entrevista ao Diário Económico, jornal que tem uma greve de 24 horas decidida pelos seus trabalhadores para o próximo dia 10 - por motivo de degradação das condições de trabalho e de salários em atraso -, e nela afirmou a dado momento aquela já velhinha ideia, sempre renovada pelo constante uso, de que mais vale trabalho precário do que desemprego. O tema foi aberto e encerrado numa única pergunta e os jornalistas que conduziram a entrevista não sentiram necessidade de perguntar ao patrão dos patrões se a realidade se resume a uma das duas opções apresentadas (trabalho precário ou desemprego). Também não lhes ocorreu perguntar a António Saraiva se trabalhar sem vínculo decente, ou com horários desregulados, com salário reduzido ao osso e sistemas de prémios construídos à medida do empregador, não é uma certa forma de desemprego, na medida em que não estamos verdadeiramente a falar de um emprego.
     Este "novo normal" institucionalizou-se, o que é naturalmente um perigo para a esmagadora maioria daqueles que vivem do seu trabalho, trapezistas sem rede num país em que gente como António Saraiva vai abanando a corda tanto quanto possível, gritando do lado de lá do abismo "antes corda aos ésses do que corda nenhuma". Não existirão outras opções? A precariedade imposta aos trabalhadores não é uma das razões fundamentais para o atraso de Portugal relativamente a outros países da Europa cuja competitividade da sua economia assenta precisamente em premissas inversas àquelas com que António Saraiva se parece conformar?
     A leitura de entrevistas com os patrões deixa-me sempre à beira de um ataque de nervos, muito mais devido às perguntas que ficam por fazer do que às respostas que inevitavelmente surgem (curiosamente ninguém fala da "cassete patronal").
     Por exemplo:    relativamente ao miserável salário mínimo (SMN) praticado no nosso país, e que aproxima Portugal muito mais de países como a República Checa, a Polónia ou a Hungria do que do chamado "pelotão da frente" (o tal que integraríamos após a adesão ao marco-europeu, também conhecida como "euro"), diz Saraiva que "é exequível se tiver em conta ganhos de produtividade, factores de crescimento económico e inflação", acrescentando que "é bom que o valor que vier a ser negociado em sede de concertação para 2017, venha a ser definido com base na leitura conjugada dos três critérios e não por mera vontade política, uma vez que os salários são pagos pelos empresários" - que apresenta como aqueles que "diariamente constroem este País, pagam salários, criam riqueza e emprego" - "e não por decisões políticas".
      Ora, se a questão da produtividade é constantemente colocada em cima da mesa como aspecto fundamental a ter em conta na discussão dos aumentos de salários em geral e do SMN em particular, seria relevante perguntar ao patrão dos patrões se não é verdade que esta depende em larguíssima medida de aspectos de gestão, investimento e organização do trabalho que transcendem completamente a esfera de intervenção dos trabalhadores na empresa.
      Muitos patrões gostam de se apresentar como empresários, empreendedores que sacrificam de forma altruísta o seu tempo e dinheiro para criar riqueza e emprego, mas na verdade continuam a comportar-se como patrões clássicos, muito mais próximos do modelo de relações de trabalho do século XIX do que daquele que em tese afirmam defender para este início de século XXI. Agridem quem trabalha com uma mão e estendem cinicamente a outra, convidando para conversa mole quem se vê forçado a comer o pão que "sabe a merda" num país cada vez mais desigual. Fazem-no fundamentalmente porque nós - trabalhadores - deixamos. Até quando? 

---- Virar a página no debate sobre trabalho e competitividade (I)  (-N.Serra, 2/3/2016, Ladrões de B.)

.   «Os custos do trabalho no conjunto da economia são uma parcela. Estes assuntos não são ciência certa, têm que ver com os valores, com a ideia de sociedade. Se temos um determinado tipo de valores, uma determinada noção de economia, é evidente que a solução de cortar, de obrigar a trabalhar mais, de ser punitivo, faz sentido. Mas não é a minha e julgo que não dá resultados. Eu não conheço estudos que demonstrem que variáveis como esta façam diferença significativa. Mas conheço realidades e até estudos em que se mostra que quando nós desvalorizamos e punimos as pessoas, isso é não só doloroso como ineficaz. Se eu tiver pessoas motivadas, com dignidade e empenhadas, elas aumentam o seu contributo.
...   ...
     O problema de competitividade da economia portuguesa não é um problema de trabalho. Portugal é um dos países da Europa em que mais se trabalha. E se há conceito difícil é com certeza o da competitividade. De saber como é que nós ancoramos factores que nos qualifiquem, que nos aumentem a riqueza e, no limite, que nos aumentem a felicidade.   Quando os economistas quiseram explicar como é que se atinge um determinado crescimento económico, como é que se aumenta a riqueza, usaram os chamados modelos da Economia. E foram buscar as variáveis quantitativas. É de certa forma disso que estamos aqui a falar, de horas de trabalho, de dias de trabalho. Foram buscar as variáveis quantitativas do capital, das tecnologias e as do trabalho. Juntaram as duas coisas para tentar explicar o crescimento e não explicaram nada. Isto é, faltava explicar muita coisa. Essa muita coisa, que está presente no crescimento e na competitividade, são os factores imateriais. É aquilo que na verdade não é medível, que resulta do nosso empenho, das qualificações que temos, da maneira como nos organizamos, das instituições que criamos, dos consensos que estabelecemos. E essa é a grande parte da explicação, tanto do crescimento como da competitividade». -- José Reis (Prós e Contras de 18/1/2016)
       Lembrei-me destas passagens no debate que o Prós e Contras dedicou recentemente à questão dos feriados, dos horários de trabalho e do emprego. É que, qual borboleta à volta de uma lâmpada, a discussão sobre a economia, o crescimento e a competitividade do país continua obcecada com o chamado «factor trabalho», secundarizando o que correspondentemente se pode designar por «factor capital» e ignorando, sobretudo, os tais «factores imateriais» de que fala José Reis, quando assinala o que seria importante começar a discutir.
      Ontem mesmo, nas jornadas promovidas pela AHRESP, o «factor trabalho» esteve uma vez mais em cima da mesa, com o patronato a expressar a sua oposição relativamente a medidas do Programa do Governo em matéria de legislação laboral (para solicitar mais contratos a prazo, mais despedimentos e mais limitações no direito à greve). Como se uma das principais lições dos últimos anos, das contradições e dos limites do projecto de uma «economia do empobrecimento competitivo» para Portugal, assente nos baixos salários, na desregulação e na desqualificação do trabalho, não tivesse sido ainda apreendida.
      Fez bem portanto o ministro Vieira da Silva em questionar, no mesmo evento, se «as formas atípicas de trabalho, o trabalho precário, o trabalho a termo certo ou a prestação de serviços (não) são a resposta», sugerindo que, podendo funcionar no curto prazo, constituem uma «espécie de droga que está a minar as condições de desenvolvimento, de longo prazo, da nossa economia». Isto é, uma economia tão «viciada em contratos precários» que tem dificuldade em pensar-se a si própria, de modo mais amplo, realista e profundo, para lá do famigerado «factor trabalho».
      Mas não é apenas a economia que está viciada em «precariedade». É também o próprio debate sobre o desenvolvimento económico do país que é precário e está viciado numa discussão muito redutora e distorcida. Contaminada, além disso, por várias mistificações e fraudes intelectuais, como a suposta «rigidez» do mercado (e legislação) de trabalho ou a ideia de que havia feriados a mais e se trabalhava pouco.
          Adenda: No mesmo Prós e Contras de 18 de Janeiro, o Presidente da CIP António Saraiva faz uma revelação muito curiosa (minuto 33): a eliminação de feriados constituiu uma contrapartida pela não-redução da TSU (e não a resposta à necessidade de trabalhar mais para crescer ou à existência de demasiados feriados em Portugal).
-----Dislexia (não é bem esse o lado esquerdo)        (-por Alexandre Abreu, 2011/5/30)
     Paulo Pedroso publicou há dias um notável exemplo de como pessoas inteligentes, com inegáveis preocupações sociais e que se reclamam de esquerda conseguem estar completamente erradas em relação ao diagnóstico da situação actual, compactuando na prática com a selvagem ofensiva em curso contra os salários directos e indirectos e, por essa via, contra os trabalhadores e as classes média e populares.
     Afirma Pedroso que “se reduzissemos a um só indicador o problema da degradação da competitividade portuguesa bem poderiamos escolher os custos unitários do trabalho”. Alegadamente, é o facto de terem aumentado demasiado em Portugal nos últimos 15 anos (nomeadamente, mais do que na Alemanha) que explica o declínio da competitividade do nosso país. Conclui que “a esquerda não pode enfiar a cabeça na areia”, o que neste caso significa reconhecer a necessidade de reduzir os custos unitários do trabalho de modo a, ipso facto, aumentar a competitividade. Segue-se uma enumeração de formas possíveis de o fazer, recaindo a sugestão de Pedroso sobre o aumento em meia hora do tempo diário de trabalho, como alternativa à descida da Taxa Social Única (pois esta provocará a descapitalização da Segurança Social). Espero estar a representar fielmente o essencial do argumento, mas os leitores são remetidos para a exposição original aqui.
    Mariana Mortágua já respondeu – e bem – tanto nos comentários ao post como aqui, chamando a atenção para, entre outros, três aspectos fundamentais que a análise de Pedroso não tem em conta:
    1) que a evolução dos custos unitários do trabalho, enquanto agregado, incorpora a inflação, pelo que países com inflação superior tenderão a registar, com tudo o resto igual, um maior crescimento deste indicador (sendo que a evolução real, ou deflaccionada, da remuneração do trabalho em Portugal nos últimos 15 anos foi mais ou menos idêntica à da Alemanha);
    2) que as principais causas da falta de competividade da economia portuguesa são outras (padrão de especialização, adesão a um euro sobrevalorizado, preço da energia, etc.);e
    3) que a própria comparação com a remuneração dos trabalhadores alemães é perversa, pois estes têm sido alvo de uma compressão salarial de grandes proporções, pelo que procurar jogar ao “quem-corta-mais salários” constitui uma desastrosa corrida para o fundo.
      Tudo isto é verdade e, a meu ver, arruma desde logo a discussão. Porém, interessa-me chamar sobretudo a atenção para a premissa de que parte Pedroso (e de que tem em geral partido o debate em Portugal, de forma errada e errónea): que a perda de competitividade do nosso país decorre do aumento dos custos unitários do trabalho. É que, se atentarmos na tabela em baixo (retirada deste texto, que, aliás o próprio Pedroso cita no seu post), verificamos que, tanto nos últimos 15 anos como nos últimos 30, os custos unitários do capital (medidos exactamente da mesma maneira) aumentaram mais do que os custos unitários do trabalho. Aliás, como é visível na tabela, o mesmo se passou em quase todos os países europeus.

(clique na imagem para aumentar)

      Ora, se é assim, então por que é que o problema de competitividade reside na remuneração do trabalho e não na remuneração do capital? (e na organização/ direcção). A única interpretação lícita destes dados é que o aumento da remuneração do capital em Portugal tem prejudicado mais a competividade externa do que a evolução dos salários, pelo que, a bem da justiça social, é sobre o capital que deverão recair principalmente os sacrifícios a fim de aumentar a competitividade. Mais do que o trabalho, é o capital que tem vivido acima das suas possibilidades. Parafraseando Cavaco, é o factor capital que precisa de ajustamento.
     Pedroso e a generalidade dos comentadores parecem acreditar, ou querer fazer-nos acreditar, que os preços são formados através da adição de um mark-up fixo aos custos salariais e que estes seriam a única ou principal variável que influencia os preços. Isso não é verdade. O que está em causa quando falamos da evolução dos custos do trabalho é, em grande medida, a questão da repartição do rendimento nacional entre trabalho e capital – no contexto da qual o capital, como se vê claramente em cima, tem ganho sistematicamente terreno no contexto daquele que é, nunca é demais recordar, o segundo país mais desigual da Europa.
     Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele. Lamento informar Paulo Pedroso que andar à procura de formas ‘menos más’ de comprimir a parte do trabalho no rendimento nacional não é uma posição de esquerda. Aceitar a premissa que o problema de competitividade português reside na evolução do custo do trabalho não é uma posição de esquerda. E aceitar que a maior parte dos sacrifícios seja imposta, de forma directa ou indirecta, aos trabalhadores e classes populares não é uma posição de esquerda. Ou então, que de uma tal esquerda nos vejamos nós livres. 

----- "Recibos verdes"/ trab. independentes e Segurança Social  (-Lúcia Gomes, 6/3/2016)
 Pagar quando se recebe. Pagar sobre o que se recebe. Eliminar os escalões e as remunerações convencionadas (presumidas). Perdoar as dívidas à Segurança Social (porque imorais e ilegítimas, com juros agiotas). Justiça. Elementar justiça.
      Nos idos de 2009, o PS apresentou uma proposta de Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social. Sim, é um nome enorme e pouco perceptível, mas em poucas palavras é um Código que rege as contribuições de todos os trabalhadores para a Segurança Social e as respectivas contrapartidas.
       À data, o PCP bateu-se, e foi o único partido que o fez, contra uma série de «capítulos» desse Código que estabeleciam regimes diferenciados e ainda hoje profundamente injustos: agricultores, pescadores, trabalhadores independentes. Apresentou dezenas de propostas, todas chumbadas. E desde então tem vindo a reapresentá-las em cada mandato, na esperança que alguma justiça social se faça com estes trabalhadores, obrigados a contribuir, tenham ou não rendimentos. Mesmo quando é o próprio Estado a impedi-los de trabalhar: como é o caso dos pescadores, em alturas de defeso, é preciso pagar, pagar, pagar. E para quê? A protecção social é praticamente inexistente. As taxas contributivas demasiado altas.
     Mas hoje foco-me apenas nos trabalhadores independentes ou os chamados recibos verdes. Como é que ninguém se lembrou disto antes? O PCP lembrou-se. Reiteradamente.
     E sobre esse Código afirmou, em 2010: Um dos aspectos mais negativos foi a perda da oportunidade de corrigir o regime contributivo dos trabalhadores independentes prestadores de serviços.
     De facto, os trabalhadores independentes que são prestadores de serviços, por um lado, estão sujeitos ao desconto com base em rendimentos fictícios – as remunerações convencionadas – obrigando-os a descontar para a Segurança Social mesmo que não aufiram qualquer rendimento e permitindo, ao mesmo tempo, que quem aufira rendimentos mais elevados contribua com base em remunerações mais baixas, por outro lado têm direito a uma diminuta protecção social quando descontam grande parte do seu rendimento.
    (...)      E são sobretudo os mais jovens que são penalizados. Toda uma nova geração aufere pelo seu trabalho salários que muitas vezes não chegam sequer aos €1000,00; e, sendo prestadores de serviços, umas vezes têm trabalho e remuneração, outras vezes não, sendo que a contribuição para a Segurança Social é obrigatória, tendo estes trabalhadores remuneração ou não.

      (...)   Assim, o PCP propõe a alteração do Código, eliminando as remunerações convencionadas, garantindo que os trabalhadores independentes que são prestadores de serviços apenas contribuem mensalmente com base no rendimento efectivamente auferido, correspondendo a base contributiva a 70% dos rendimentos obtidos.
     O PCP propõe ainda que, nos casos em que o rendimento relevante seja igual ou inferior ao valor do IAS, o trabalhador pode requerer que lhe seja considerado, como base de incidência, o valor daquele rendimento, com o limite mínimo de 50% do valor do IAS.

     Aqueles milhares de trabalhadores das artes, do design, da arquitectura, jornalismo, tantas outras actividades que viram as suas vidas penhoradas com milhares de euros de dívida à Segurança Social porque têm que pagar, todos os meses, recebam ou não. Aqueles milhares que são enquadrados dois escalões acima (porque no ano anterior receberam mais uns trocos) e a dívida avoluma-se. Aqueles que não podem ser contratados porque se forem o salário que ainda não lhes foi pago já tem ordem de penhora, têm aqui a sua solução, simples, clara, justa:
      Pagam, com a emissão de recibo, apenas sobre o que efectivamente recebem, sendo a base contributiva 70% do recebido (ou seja, contando 30% do rendimento como utilizado em despesas profissionais). E com redução da taxa contributiva e aumento da protecção social (designadamente no desemprego, invalidez, maternidade e paternidade).   Os verdadeiros independentes.   Porque o PCP propôs, num acto de audácia, a criminalização do falso recurso aos recibos verdes e ao trabalho temporário.   E propôs que seja a ACT, através das inspecções, que converta - automaticamente - os falsos recibos verdes em contratos de trabalho e o patrão, se quiser, que recorra ao tribunal, pague as custas e prove que o trabalho não é permanente.     Estas propostas são simples, da mais elementar justiça e estão em cima da mesa. Desde 2009. Agora que já está despertado o interesse, temos, finalmente, a vossa atenção?

----- Na terra dos empreendedores até os gambuzinos são felizes, ricos e bonitos  

(R.Rostrom,6/8/2012, https://omaraofundo.wordpress.com/) [Da ideologia subjacente ao objectivo neoliberal]:

... ... O “empreendedorismo” é muito mais do que uma converseta inofensiva proveniente dos sectores aliados ao patronato. Esconde por trás um programa político de grande violência social, programa que já começou a ser posto em prática (para destruir direitos e condições laborais). Se existe área onde vai ser preciso empreender e inovar é nas formas de luta e resistência.      (ver em comentários -->>)



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Terça-feira, 15.12.15

----- Quem percebe de Educação? Os gestores, claro!    (por A.F. Nabais, 15/8/2014, Aventar)

     É certo que há elementos de outras profissões que também têm direito a emitir opiniões, desde que recorram unicamente aos instrumentos e conceitos utilizados pelos gestores-economistas-empreendedores-consultores. É por isso que os profissionais de qualquer ofício não podem exprimir-se, pelo menos em público, sem falar em “contenção de custos”, “empreendedorismo”, “competitividade” ou timing.

    É claro que a Educação não poderia ficar imune a este movimento. Aliás, a Educação, à semelhança do futebol, sempre foi um tema sobre o qual todos discorrem com grande segurança e à-vontade.     Carlos Guimarães Pinto é um dos autores do livro “O Economista Insurgente” e resolveu brindar-nos com a introdução do capítulo dedicado à Educação, tendo escolhido para título do seu texto Porque é que os professores estão sempre a protestar?”.  Ricardo Gonçalves Francisco e Miguel Botelho Moniz são os outros autores.  Se consultarem as hiperligações, descobrirão que estamos na presença de lídimos representantes da classe do gestor-economista-empreendedor-consultor, ou seja, do especialista em tudo, de uma maneira geral, e em Educação, mais especificamente.

     Ficamos a saber, em primeiro lugar, que a sólida organização dos professores e a sua capacidade de reivindicação terá levado a que alguns ministros da Educação não tenham completado o mandato.    Tenho, relativamente aos três autores, a desvantagem de ser professor há vinte e seis anos, mas não me lembro de nenhum ministro que tenha saído desgastado pelos protestos docentes: aliás, Maria de Lurdes Rodrigues, a mais contestada de todos, completou o mandato e continua convencida de que é especialista em Educação, tal como qualquer gestor-economista-empreendedor-consultor.

    Para além disso, não consigo descortinar os efeitos do enorme poder reivindicativo dos professores, uma vez que, tal como muitas outras classes profissionais, têm perdido direitos, rendimentos e condições de trabalho. Mais uma vez, estarei a ser vítima do desconhecimento próprio de quem não é gestor-economista-empreendedor-consultor.

    Logo a seguir, os especialistas insurgentes repetem a ideia de que Portugal é um dos países da Europa onde há mais professores por aluno. Curiosamente, os professores, esses seres inferiores que se limitam a trabalhar nas escolas, entram nas salas e vêem sempre muito mais alunos do que aqueles que o rácio anuncia. O gestor-economista-empreendedor-consultor está demasiado informado para se tentar informar do modo como os professores são contabilizados. Vale a pena ler alguns textos do Paulo Guinote, mesmo sabendo que é, também ele, coitado, um professor, inconveniência a que junta um doutoramento em História da Educação e a publicação de livros, artigos e textos sobre Educação.

    Os três doutos autores informam, ainda, que os professores conseguiram “rejeitar todo e qualquer modelo de avaliação até hoje apresentado”. Se por “rejeitar” se entender que os professores consideram que os modelos de avaliação são maus, tendo a concordar. Se o objectivo for o de declarar que o modelo de avaliação não está em vigor, graças à pressão dos professores, há uma boa probabilidade de os especialistas poderem estar parcialmente errados: as quotas para progressão na carreira estão perfeitamente instituídas. Do ponto de vista do gestor-economista-empreendedor-consultor, isto é avaliação.

    Os professores têm outro entendimento do que é avaliação, talvez porque estão habituados a avaliar alunos. Muitos professores, por terem desempenhado a função de orientadores de estágio, estão, até, habituados a avaliar outros professores. Tudo isto poderá levar a que os professores estejam convencidos de que são entendidos em avaliação em contexto escolar e em avaliação docente, mas o que é isso comparado com o saber do gestor-economista-empreendedor-consultor?

     O gestor-economista-empreendedor-consultor também é alguém que se sabe divertir. Só assim se compreende a imagem dos milhares de candidatos a professores que preferem esperar no desemprego por uma oportunidade de iniciar a carreira. Ora, sabendo que é impossível entrar na carreira docente e que é difícil arranjar emprego noutro lado qualquer, o desemprego não é uma escolha. Para além dos candidatos a professor, categoria que me é desconhecida, há milhares de professores desempregados, muitos com mais de quarenta anos de idade.

    Quando fala sobre Educação, o gestor-economista-empreendedor-consultor gosta de fazer referência à descida da natalidade como indicador de que serão necessários cada vez menos professores. Nuno Crato, como visionário que é, conseguiu despedir milhares de professores em três anos, antecipando os efeitos da baixa de natalidade. De qualquer modo, e aceitando que o Ministério da Educação não tem de garantir emprego, não me parece, dentro das minhas limitações, que a diminuição do número de alunos obrigue a prescindir de professores, porque pode haver vários factores a ter em conta na organização dos recursos humanos, em benefício dos alunos.

     Talvez por ser professor, não consigo descortinar os privilégios com que sou cumulado,  segundo os insurgentes, mas para qualquer gestor-economista-empreendedor-consultor, o simples facto de se respirar é um privilégio. O resto é aceitar a condição de proletário e respirar baixinho.

    Ousando discordar de tão insignes criaturas, penso que os professores deveriam protestar mais e melhor, porque, sem isso, continuam a ser cúmplices da destruição do sistema educativo perpetrada pelos gestores-economistas-empreendedores-consultores, essa subespécie dos ignorantes atrevidos. (mas que, tendo poder decisório ou mediático, são muito perigosos !)

----- O campeonato dos hospitais    (12/08/2014 por A.F. Nabais, Aventar) 

bigstockphoto_Victory_Podium_-_Winners_In_Go_3778414 Para os iluminados pelo espírito empresarialês, o mundo não é mais do que um conglomerado empresarial (holding para os amigos), o que faz com que qualquer instituição seja vista como uma empresa. No fundo, o empresarialismo é uma religião, com os gestores (e economistas-empreendedores-consultores), erigidos em sacerdotes abençoados pela infalibilidade, a anunciarem (propagandearem) virtudes cardeais como a concorrência (condicionada) ou a competitividade (aldrabada) ou o empreendedorismo (apoiado pelo Estado/ contribuintes).

    Sendo uma religião proselítica, é claro que os clérigos tudo fizeram até impor as suas crenças a entidades que não eram empresas, como é o caso das escolas e dos hospitais. Assim, criaram a ilusão de que o sucesso é sempre mensurável: a Igreja fazia proclamações; o empresarialismo anuncia estatísticas, rankings e percentagens. Como sempre aconteceu, a maioria, embrutecida, repete a ladainha.

   Mais uma vez, hoje, pude confirmar a omnipresença desta seita. Silvério Cordeiro, Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Gaia/Espinho e antigo director do Centro de Formação Profissional da Indústria da Cortiça, queixava-se de falta de obras e de equipamentos, em entrevista ao Jornal de Notícias. Para o administrador, isso fez com que a instituição perdesse “claramente competitividade face aos hospitais da região.”       Vivendo eu nas trevas, tinha sido levado, por instantes, a pensar que as obras e os equipamentos fossem necessários para oferecer melhores condições aos doentes, mas estes, no fundo, são meios para melhorar a competitividade. Os doentes, portanto, não valem mais do que a cortiça, tal como a cerveja é igual à televisão.

      É graças a estes fundamentalistas que é possível, por conseguinte, usar expressões como o “melhor hospital do país”. Imagine-se o que pensará uma população crédula, esmagada pela autoridade dos números, quando souber que o hospital das redondezas está entre os últimos classificados:  “Estás doente? Olha, deixa-te estar, que o hospital é dos piores: em vez de curar uma pessoa, mata-a. Assim como assim, morres em casa, que é mais quentinho!”

     Depois de ter levado os piores anos da minha infância a assistir ao Natal dos Hospitais, chego à meia-idade e passei a seguir o campeonato dos hospitais. Já não deve faltar muito para que os jornais desportivos passem a anunciar a contratação de médicos que, chegados ao aeroporto, poderão declarar coisas como “Estou muito feliz por iniciar esta nova etapa da minha carreira, agradeço a confiança que o presidente depositou em mim e vou trabalhar para dar o meu melhor.” No fundo, voltamos sempre à religião.

----- Aprender mandarim ou o  primado  do  empresarialês     (A.F.Nabais, 27/6/2015, Aventar)

    Esta religião é seguida por todos os políticos do arco da governação, o que tem condicionado, evidentemente, as decisões sobre todas as áreas. Tudo é, portanto, economia, empresa, dinheiro, excel.     O mais grave é que esta mentalidade já se entranhou no resto da sociedade. Vejamos alguns exemplos, antes de chegarmos (ou voltarmos) à importância dada ao ensino do chinês nas escolas portuguesas.

   Como se defende, normalmente, o chamado acordo ortográfico? Menoriza-se os argumentos dos linguistas e invoca-se o facto de o Brasil ser uma potência económica e de ter uma população muito maior do que a nossa, chamando xenófobos aos críticos, se for preciso.

    Nas escolas, com a colaboração entusiástica de professores e pais fascinados com o empresarialismo, os alunos têm sido sujeitos a uma lavagem ao cérebro sob a forma de uma coisa chamada educação financeira, através da glorificação do empreendedorismo, palavra que encerra ensinamentos como “trata de ti, não penses nos outros e faz um Seguro de Saúde, que os hospitais são para os pobres.”

     E chegamos ao ensino do mandarim. O discurso oficial até pode estar embelezado com referências à cultura, mas a verdade é que os chineses, como candidatos a donos disto tudo, querem ter a certeza de que as suas ordens serão entendidas. Ao mesmo tempo, os últimos três governos fizeram grandes avanços na diminuição de salários e de direitos laborais, o que poupará mais trabalho aos donos.

    Como se isto não bastasse, ainda ficamos a saber que o Instituto Confúcio, parceiro do nosso Ministério da Educação neste processo, está sob suspeita em vários países, o que corresponde a uma melancia em cima do bolo, o que, de qualquer maneira, é irrelevante para o empresarialismo.



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Quinta-feira, 26.11.15

O novo lema (neoliberal) : “Não podemos distribuir o que não temos”   (JRAlmeida, 25/11/2015, Ladrões de B.)

Ouvir a Helena Garrido (HG) na Antena 1, esta manhã, fez-me perceber o mote dos próximos tempos para o combate ideológico da direita. Citando de memória, disse ela sobre o futuro Governo Costa:
    1) Vai ser extremamente interessante ver como vai o Governo Costa quadrar a distribuição de mais rendimento com a redução do défice orçamental e do défice externo;
    2) Que o que importa é que o emprego cresça e que as desigualdades diminuam;
    3) Todos nós gostamos de ter mais rendimento, mas a economia tem destas coisas: tem consequências. E não podemos distribuir o rendimento que não temos;
   4) "Esperemos que tudo corra bem porque é importante manter o PS no espaço político português".
    A primeira frase é interessante porque a HG foi das directores de jornais económicos e opinion makers económicos que, de 2010 a 2014, abraçou literalmente a vinda da troika e defendeu uma estratégia recessiva ("A recessão de que precisávamos vem aí. Falta chegar a governação que oriente o país para o regresso da prosperidade", 14/5/2010); pugnou por um corte dos apoios sociais como única forma de equilibrar as contas orçamentais ("o congelamento dos apoios sociais, como o Rendimento Social de Inserção, reclama de todos nós o regresso a atitudes mais solidárias e menos dependentes do Estado no combate à pobreza", 22/3/2010); sustentou com veemência uma redução da dimensão do Estado, criticou o Governo quando este titubeou na reforma do Estado ("Sabia-se há muito, há mais de uma década, que a correcção das contas públicas era impossível sem reduzir salários, pensões e apoios sociais.    A troika chegada com a ajuda externa parecia ser a salvação para o bloqueio em que se encontrava o regime político. Foi essa a esperança de nós. Vã esperança", 26/11/2013); defendeu até em 2014 a redução salarial (mesmo dos rendimentos brutos) para aumentar a competitividade externa ("Os salários e as pensões terão inevitavelmente de ser reduzidos.   É uma ilusão pensar que se consegue resolver o problema de outra forma.   Não existe nenhuma despesa pública com dimensão suficiente para controlar a dinâmica da dívida pública", 19/6/2014; "Com inflação baixa, impedir que os preços e salários diminuam é condenar o país ao desemprego, é colocar Portugal a produzir menos do que aquilo que consegue", 17/12/2013;  "Proibir o despedimento, congelar rendimentos ou regras de aumentos salariais quando a empresa vende menos ou o Estado recebe menos impostos, ou tem de gastar mais para apoiar quem mais precisa, é reivindicar o direito a ter sol todos os dias", 7/3/2014).     E defendeu a austeridade como forma de clarificação ("Nós não estamos a empobrecer.  A questão é que nunca enriquecemos. Estamos basicamente a regressar à dura realidade do rendimento que tínhamos antes de entrarmos para a moeda única", 21/2/2014).   Uma austeridade que deveria prosseguir mesmo sem troika ("É da capacidade em disciplinar as contas do Estado que depende agora o nosso futuro e o sentido total dos sacrifícios que fizemos durante os últimos três anos", 1/1/2014).
       No âmbito desta luta ideológica, é interessante ver que, apesar dos falhanços económicos da estratégia (neoliberal) seguida pelo Governo (PSD-CDS) – fraca redução do défice orçamental e subida da dívida pública, aumento brutal do desemprego, subida da emigração, ampliação do fosso das desigualdades - e que apenas teve melhores resultados quando se atenuou a austeridade, ainda se pensa como dantes. Menos austeridade implica mais défice orçamental.
    Na verdade, nada parece ter mudado na cabeça da HG, apesar da sua responsabilidade sobre o que se passou em Portugal. Sim, responsabilidade. A comunicação social é um fortíssimo meio de condicionamento social. E a comunicação social não deve afastar de si as responsabilidades que igualmente teve neste país. Portugal aplicou das mais brutais "receitas" de austeridade de que há memória na nossa História, destruiu vidas profissionais e de famílias, empurrou – e ainda empurra - milhares de pessoas para a emigração. Tudo sob o lema "não há alternativa", um lema falso e - pior que tudo - ineficaz.
    E apesar disso, tudo aponta para que a comunicação social, não só não tenha aprendido com esse seu fardo social, como ainda por cima mantém de pé todo o edifício de crenças, de modelos económicos. Quando as dificuldades surgirem, não se tenha ilusões, todo o argumentário voltará intacto.
     O jornalismo é assim: em geral, não há tempo para pensar, quanto mais para estudar. Mas não podemos ser inocentados por isso. Temos culpas no cartório.
     Veja-se a frase   "Não podemos distribuir o rendimento que não temos".    O que está pressuposto é que o Governo vai lançar pela janela rendimento e, como não produzimos bem, será um rendimento artificial que vai encarecer o preço das mercadorias nacionais e dificultar a sua venda, provocando menos exportações, mais importações e mais desemprego.    Na verdade, este raciocínio em nada tem em conta a estrutura de custos das empresas, nem os impactos das medidas adoptadas, nem de uma nova redistribuição do rendimento.   Pressupõe apenas um primado das empresas, porque são elas que criam emprego, quando na verdade, as coisas são bem mais complexas.   Não há sociedades saudáveis com empresas em que os trabalhadores não tenham vidas saudáveis. O mal não está na simplificação da realidade, mas no pensamento distorcido sob a forma de lição para o povo.
      Mas a HG tem razão num ponto:   o desequilíbrio externo.  Vai ser um berbicacho.  E terá de ser resolvido.  Aliás, gostaria de ver este XXI Governo adoptar aquilo que nenhum outro o fez:   uma estratégia nacional de defesa da produção portuguesa, não apenas para exportação, mas de substituição de importações.     [Não é pôr barreiras físicas, 'técnicas' ou legais às entradas - proibidas pela UE e tratados comerciais-, mas sim melhorar/alargar valores, práticas e modelos. Os japoneses fazem-no há muitas décadas,  sendo na sua cultura considerado 'de mau gosto', 'quase traidores' os que adquirem arroz e outros produtos e serviços estrangeiros havendo nacionais (e também o fazem os alemães, os americanos, ...)].    Mas durante décadas, o pensamento económico de direita – adoptado igualmente pelo PS – desvalorizou essa questão, apoiando-se no facilitismo de que mais comércio era igual a mais rendimento para todos. E na verdade perdemos empresas, empregos, rendimento criado que passou a ser exportado.
      Interessante é o remate sobre o PS.   Pressupõe que, por detrás da ideia "queremos que isto corra bem" está a de que há uma elevada probabilidade de correr mal e que, nesse caso, o PS se vai desfazer, dilacerado entre a esquerda e a direita.   Mais uma vez, está subjacente aquilo que a HG sempre defendeu e que não vê como o fim real do PS:   um pacto PS/PSD/CDS (“Como saímos desta embrulhada? Basta que PS e PSD tenham a coragem de tomar as medidas que são necessárias", 23/9/2010;  "Nenhum político deseja para o seu povo uma austeridade contínua e feita de permanente instabilidade, em que não se sabe quanto se vai ganhar amanhã.  E todos os políticos dos partidos do arco da governação querem que Portugal se mantenha no euro (...).  Eis uma base bastante sólida para um entendimento", 13/3/2014).
      Eis o que vai ser defendido diariamente na Antena 1. (e na maioria dos outros media, academias, 'think tanks', consultoras, manifestações, associações patronais, ...)


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Sexta-feira, 30.10.15

O  «empreendedorismo»  é só para  disfarçar o  vazio   (N.Serra, 29/10/2015, Ladrões de B.)

      Não por acaso, um dos domínios em que o paradigma do «empreendedorismo» se começou a instalar de modo relevante entre nós, há mais de uma década, foi o das políticas de combate à pobreza e à exclusão social urbana.  Aclamado como sinal da emergência de uma nova cultura de intervenção social e de um novo quadro de políticas públicas, o empreendedorismo foi anunciado como uma abordagem inovadora, capaz de superar as limitações do assistencialismo (caridade) e do providencialismo estatal (direitos sociais), sublinhando-se o seu potencial no «empoderamento» dos indivíduos, na activação das suas «competências» e na sua «capacitação».      Ou seja, meio caminho andado para desinvestir no combate à exclusão e responsabilizar subrepticiamente os pobres pela sua própria situação e condição, desprezando o peso das trajectórias de vida, a natureza cíclica da reprodução social da pobreza ou a adversidade dos contextos sócio-espaciais. Bastava de pieguices.  Era chegado o momento de caber aos próprios pobres, e às comunidades a que pertenciam, safar-se. Era chegado o tempo de pôr cobro aos apoios e prestações sociais (como o RSI), à «subsidiodependência» (imaginária) e à suposta «rigidez e ineficiência» das políticas públicas de combate à pobreza.
      Como todas as narrativas fraudulentas, a ideologia neoliberal do «empreende» dispôs de condições propícias para vingar na opinião pública.     Bastou amplificar conversetas de café e dar corda à ideia de que os portugueses são incapazes «de ir à luta», de «criar o seu próprio posto de trabalho» e de «produzir riqueza», antes preferindo «esperar que alguém (...) lhes arranje emprego» e assim viver «à sombra de direitos adquiridos (...), enfronhados numa atitude resignada e fatalista» (para recuperar aqui a fina ironia de João Pinto e Castro, num dos mais eloquentes e certeiros textos de crítica ao empreendedorismo como política pública).    Contudo, à semelhança da falsa ideia de senso comum sobre os «preguiçosos do sul», também neste caso os números desmentem a tese de um suposto «défice empreendedor» português: em 2013, segundo dados da OCDE, Portugal encontrava-se entre os países com maior taxa de emprego por conta própria (22%), cinco pontos percentuais acima da média europeia (17%) e a par de países como a Grécia, a Itália, a Irlanda ou a Espanha.
     Nos últimos quatro anos, contudo, a proclamada «mudança estrutural da economia» elegeu o empreendedorismo como política oficial de emprego e solução mágica para o crescimento da economia - concomitante com a elevação da «sopa» ao estatuto de política social, num regresso ao passado que nunca imaginámos poder vir a acontecer.   Os resultados desta aposta empreendedora estão hoje à vista: «a maioria do empreendedorismo em Portugal é de necessidade, gera turbulência no tecido empresarial e contribui para o crescimento "anémico" da economia», conclui Gonçalo Brás, da Faculdade de Economia de Coimbra.     Para acrescentar que um dos «traços preocupantes do empreendedorismo em Portugal» é este ser alimentado pelo Governo, assumindo-se o desemprego como «condição 'sine qua non' para haver apoio».     Ou seja, em que o desemprego leva a que as pessoas, através de um empreendedorismo compulsivo, sejam «empurradas para o mercado, muitas vezes impreparadas, o que pode resultar no seu endividamento».
  Não se trata aqui de pôr em causa o empreendedorismo como uma estratégia, entre outras - e com as limitações que lhe são inerentes - de combate à pobreza e exclusão.    Nem da sua importância, muito relativa, na criação apoiada de emprego e de oportunidades de negócio, sempre que tal faça sentido (como sucede nos bons exemplos de microcrédito).    Do que se trata é de denunciar a tentativa de camuflar, com o romance do «empreender», o esvaziamento deliberado do papel do Estado e das políticas públicas, tanto no âmbito das estratégias integradas de desenvolvimento (através do investimento em educação e ciência ou de estratégias públicas à escala regional e local), como ao nível das políticas de emprego e de combate à pobreza e exclusão.     Do que se trata é de desmascarar o logro e as ficções ideológicas nesta matéria, assinalando as consequências que advém da conversão do empreendedorismo em «política oficial de emprego», em grande medida assente na tese de que «o Estado asfixia a economia privada» e que se comprovou, nos últimos quatro anos, ser falsa. Aliás, talvez tenha chegado o momento de proceder a uma avaliação exaustiva dos resultados concretos que se obtiveram depois de tantas iniciativas, estímulos, workshops, financiamentos e programas, destinados ao fomento do «empreender».


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