Sexta-feira, 16.12.16

--- Conflito no horizonte ?  (-por A.Brandão Guedes, 13/12/2016, bestrabalho)

     Passo a passo o governo PS, apoiado pelos partidos da esquerda, vai governando, assinalando  inclusive alguns êxitos internos e externos e desminando algum terreno deixado pela dupla inolvidável e de má memória Passos/Portas.  0 atual governo não é verdadeiramente amado por ninguém e é odiado por muitos. É mais uma das suas carateristicas! Não é um governo com um programa virado para o futuro, com acordos substanciais, mas sim um governo de contenção das políticas de privatização dos serviços públicos e da desregulação laboral, bem como da erosão galopante dos direitos laborais e sociais.
       Creio todavia que a principal fratura  no seio da maioria que se vislumbra no horizonte não é tanto o problema da dívida, do déficit ou do projeto europeu. É antes a questão da reversão das medidas troikistas do Código do Trabalho que embarateceram o trabalho suplementar e noturno, tornaram irrisórias as indemnizações por despedimento,obrigaram à caducidade das convenções coletivas, retiraram força ao tratamento mais favorável do trabalhador e deram força à empresa na gestão dos horários de trabalho com os famosos «bancos de horas».
      Perante esta 'castanha' o hábil ministro do trabalho lançou a ideia de um novo livro verde sobre o mercado de trabalho e as relações laborais!   0 debate a realizar pela sociedade e na concertação social vai protelando por alguns meses, ou anos, a tomada de decisões.  É um ponto muito sensível no seio do PS como já está historicamente demonstrado.      Uma fação do PS quer aproveitar as medidas troikistas para liberalizar as relações de trabalho, reforçando o poder das empresas e a acumulação capitalista em nome da competitividade, e uma outra fação mais sindicalista e de esquerda que pretende reverter, se não todas, pelo menos algumas dessas medidas!
     Esta situação irá a prazo azedar as relações do PS com o PCP e o BE que no seu eleitorado estão muitos dos militantes sociais e sindicais de luta contra as alterações à legislação laboral e contra a precariedade. O  PS (neo)liberal e do empreedorismo não se rala muito, bem pelo contrário, com o aumento do salário mínimo e pretende beneficiar a iniciativa privada com a flexibilização das relações laborais. O contexto é o ideal para  os empresários que continuam a usufruir da pouca conflitualidade social nas empresas e serviços públicos e das medidas laborais impostas pela Troika, plasmado em grande parte no último acordo na concertação social que as legitimou em larga medida com a assinatura da UGT.
     Porém a situação não pode ser mantida eternamente. 0s trabalhadores e suas organizações querem partilhar justamente dos ganhos económicos e da paz social. É necessário gerir o conflito que se avizinha mas com sabedoria. E a sabedoria diz-nos que o bom e o mau devem ser partilhados por todos ...e nunca apenas partilhar o bom por alguns! Basta ver quem mais ganhou com a crise financeira e quem mais perdeu!
 
-----  Os  Jovens  e o  Sindicalismo !   (A.B.Guedes, 22/11/2016, bestrabalho)
 
 Num recente seminário internacional sobre o desemprego juvenil os participantes interrogavam-se sobre as  razões da ausência dos jovens na vida sindical.   Presente estava inclusive um dirigente jovem da CES-Confederação Europeia de Sindicatos e vários jovens da Plataforma Jovem do Centro Europeu para os Assuntos dos Trabalhadores- EZA.
     Não é fácil responder a esta questão!  Mas creio que os sindicalistas continuam a não dar a necessária importância a esta matéria. Creio que alguns olham paternalmente para os jovens e esperam que estes os copiem nos ideais e nas formas de trabalhar. É uma tentação fácil!  Esquecem que as novas gerações são muito mais habilitadas e autónomas, não gostam das formas hierárquicas e burocráticas de trabalho e preferem redes simples de trabalho, sem grandes responsabilidades que impliquem empenhamentos para a vida!  Em geral não gostam do profissionalismo e partidarização  sindical. Com exceção, claro, dos jovens que querem fazer carreira partidária.
      Por outro lado, as escolas e os «media» enaltecem o empreendorismo e o voluntariado e  esquecem ou hostilizam o sindicalismoEm quantas escolas se fala de sindicalismo? E quando se fala o que é que se diz ?  Inclusive nas escolas profissionais fala-se de sindicalismo com naturalidade ? Não !
     0ra esta realidade, particularmente aguda em Portugal, não favorece o envolvimento de mais jovens no sindicalismo, nomeadamente no local de trabalho!  Claro que temos o aumento (do desemprego e) da precariedade que afeta muito especialmente os jovens trabalhadores!  Esta realidade não ajuda!  Mas, o mais grave é a  existência de uma cultura anti-sindical, uma cultura individualista e não solidária!
      Como explicação não podemos também ignorar que a emergência do sindicalismo livre em Portugal surgiu com uma Revolução e foi um dos seus principais motores!  0 sindicalismo foi essencial para as transformações sociais e económicas do Portugal de Abril!  Esse foi o seu ADN e, como tal, imperdoável para as classes patronais e dominantes. Mas é com estes constrangimentos que temos que trabalhar, apoiando e abrindo espaços para que os jovens se organizem e tomem nas suas mãos as suas organizações!

------- As palavras são importantes  (trabalhador vs colaborador)

«Por alguma razão as relações laborais são reguladas pelo Código do Trabalho, não pelo Código da Colaboração.
Por alguma razão na Constituição da República Portuguesa o seu artigo 58 fala em Direito ao Trabalho e não em Direito à Colaboração.
Por alguma razão o feriado do 1º de Maio que celebra as conquistas laborais se chama Dia do Trabalhador e não Dia do Colaborador.
Parece-me cada vez mais claro que a utilização do termo colaborador em vez de Trabalhador serve, por vezes sem que quem o utiliza se dê conta, para mascarar a existência de classes sociais dentro de uma empresa ou organismo do Estado. Vai na linha da utilização da expressão, Entidade Empregadora, que tenta reduzir unicamente ao positivo a verdadeira expressão, Entidade Patronal.
Um trabalhador vende a sua força de trabalho tem, como os seus patrões, direitos e deveres. Um colaborador não vende necessariamente a sua força de trabalho e não tem nada na lei que regule a sua colaboração.
Bom dia de trabalho para todos.» --Pedro Mendonça, Pensamentos avulsos sobre Colaborador Vs Trabalhador   (via N.Serra, 19/12/2016, Ladrões de b.) ----------



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Terça-feira, 06.10.15

três tristes timbres de uma sinfonia pobre    (-Paulo Pinto, Jugular, 6/10/2015)

     O 1º foi a abstenção. Pensar que no meu país há mais de quatro milhões de pessoas que prescindem do seu direito de votar é algo que me deixa - e que deveria deixar todos, para além da simples lamentação - perplexo e crispado. Há quatro milhões de portugueses que desistiram de exercer o seu direito soberano: escolher quem os governa. Não é desleixo. Os portugueses não votam porque o voto entronca numa noção de cidadania que continua a ser estranha e com raízes frágeis, em 40 anos de democracia: direitos, deveres, interesse comum, projeto coletivo.     Não votam da mesma forma como não reclamam num serviço, antes resmungam ou desancam o funcionário;    não votam como não protestam, antes encolhem-se ou insultam;    não votam como não se organizam, antes desdenham de quem o faz.   O corolário do "este país é uma merda".   Portugal é o país do respeitinho, do medo à autoridade, da desconfiança que o parceiro nos passe a perna, do sussurro pelas costas e sorriso pela frente, de um povo habituado a ser súbdito e não cidadão. O país do desenrascado e do espertalhaço.  Do individualista desconfiado:   dos seus pares, das instituições, dos políticos e, sobretudo, do Estado.  No sábado, numa caixa de supermercado, ouvi uma discussão entre um senhor que dizia que precisávamos não de um, mas de vários Salazares, e um outro que dizia "Salazares não, Lenines". Ambos concordavam que Salazar tinha muitos defeitos mas, ao menos, não roubava. É a este nível rasteiro, de pura desconfiança acerca de tudo e todos, que nos encontramos. Quatro milhões não foram votar. Não decidiram. Escolher é uma responsabilidade, um ónus. Não votar é não decidir, e quem não decide não se sente responsável pelo que acontece, os males do mundo e do país, "eu não tenho nada a ver", foram "eles". Um país de Pilatos, involuntários mas reais, muitos, quatro milhões deles. 

      O 2º foi a vitória do PàF. O mais absoluto desconsolo. Como é possível que quatro anos de laboratório social de uma gente oportunista, que dizia ter tudo estudado e que afinal não conhecia nada, que prometeu cortar gorduras e acabou a raspar no osso, que alinhou com os credores internacionais na mais absoluta subserviência de capataz ansioso por "ir além da troika", insensível ao descalabro social, hipócrita, beata, mentirosa até ao tutano, não tenham causado uma repulsa inequívoca, total, global?    Gostarão os portugueses de ser guinea pigs ('porquinhos para experiências')?  Serão masoquistas?  Um "povo estúpido", como ouvi de várias bocas, antes e depois do dia de eleições? Não acredito. Existe inequivocamente um sentimento, muito católico, de expiação pelos "abusos", o vivemos "acima das nossas possibilidades" que obrigou a um merecido apertar de cinto. Mas mais importante foi a ideia, muito elementar e, por isso, eficaz, incutida, repetida e sedimentada, de que o pior já passou, de que houve sacrifícios mas estamos a sair da crise, de que o "ajustamento" foi doloroso mas necessário e que agora - precisamente em ano de eleições - podemos finalmente resolver os problemas.   Todos sabemos que não passa de pura mistificação.   Mas a memória é curta e quem mexe os cordelinhos sabe que o uso e abuso de ('novilíngua') termos como "moderado" e "radical" condiciona a perceção da realidade e espartilha as escolhas e as opções.  Evidentemente, muitos dos que votaram PàF fizeram-no por acharem tratar-se do mal menor. Antes estes, que conhecemos, do que os outros, que não se sabe o que são e que - dizem - são "radicais"; e para desgraças já basta as que sofremos. Nada de ruturas. Deixa-nos cá ficar no nosso nichozinho, que é mau mas podia ser pior.

      O 3º foi o fracasso do Livre/Tempo de Avançar. Ao contrário dos desvarios de prosápia demagógica de Marinho e Pinto ou do caudilhismo Femen de Joana Amaral Dias, tratou-se de um verdadeiro projeto político participado, com processos de reflexão e debate e eleição de candidatos inéditos em Portugal.   O programa eleitoral era sólido e com propostas válidas e substanciais; quem quiser, que compare com a pobreza confrangedora do programa do PàF.  Tinha à sua frente pessoas dotadas de mérito e competência política.  Não é qualquer um que consegue ter como mandatário nacional uma figura como José Mattoso.   Nenhum outro "pequeno partido" teve empenho idêntico por parte dos seus membros ou ações de campanha de âmbito sequer, comparável.   Foi uma proposta verdadeiramente nova no panorama eleitoral.  No entanto, falhou em absoluto.   Ficar atrás do PAN, PDR, MRPP e não alcançar os 50 mil votos é um desaire total para quem tinha ambições e expectativas de se constituir como uma "ponte da esquerda".   Ora, este fracasso marcou igualmente o fim de qualquer sonho desse tipo, pelo menos num futuro próximo, num país onde "esquerda" e "direita" deixaram de ter qualquer significado, são meros chavões e rótulos vazios de conteúdo.   Pior, deixou bem claro que ideias bem formuladas, propostas inovadoras, projetos participativos e apelo aos valores da cidadania não ganham eleições em Portugal.   Nada que surpreenda num país com 4 milhões de abstencionistas.   Nada que surpreenda num país onde a PàF venceu as eleições.

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É que o problema é exactamente esse    (09/10/2015 por j.m.cordeiro, Aventar)

O perfil falso a vangloriar-se do trabalho feito

Consegue a esquerda fazer chegar as suas mensagens ao mais comum dos cidadãos? Será que apenas alcança – em debates, publicações e iniciativas – circuitos e universos («reais» ou «virtuais») demasiado restritos?    Com a ilusão de comunicar de forma ampla, quando na verdade não sai dos aquários em que se move, mobilizando essencialmente os «mesmos de sempre», as militâncias e os já convencidos?  [Nuno Serra]

Blogs e outros meios funcionam em circuito fechado, para um público que já está informado, seja ele de esquerda ou de direita. Trocam-se argumentos mas não se convence ninguém, já que cada um tem as suas posições bem cimentadas, tenha ou não razão. Ambos os lados esperam convencer uma suposta audiência, mas têm, eles mesmos, as suas opiniões congeladas.

Há uma enorme massa populacional que não acompanha o dia a dia do país. Possivelmente, com os pacotes de TV por cabo e com a Internet a comer audiência à televisão, nem sequer segue os noticiários dos canais abertos. E quando segue, convenhamos, pouco fica a saber, pois estes optam por um formato de repetidor de mensagens dos diversos protagonistas, sem um trabalho complementar de validação da mensagem. É mais barato. E poderá haver colagem ao poder, mas será sempre ao poder estabelecido, seja de direita ou de esquerda.

Como é que se chega a esta massa? Com mensagens simples e simplificadas. A coligação fê-lo com mensagens falsas. Contou com um verdadeiro exército, composto por três vértices:

1. Spin doctors: construção e difusão primária da mensagem, usando canais especializados, tais como o acesso aos meios de comunicação social,  os meios partidários (congressos, “universidades” de Verão, etc. ) e comentadores. O objectivo deste nível consiste em fazer chegar a mensagem a um público restrito mas empenhado na difusão (militantes e simpatizantes). A mensagem não tem que ser simples mas precisa de ter elementos que possam ser desenvolvidos e relacionados por outros (números, gráficos, teses,  posições oficiais sobre os temas da actualidade,  etc.).

2. Consolidadores da mensagem: aqui entra o Observador, mas também pessoas com acesso aos órgãos de comunicação social. Pegam na mensagem, desenvolvem-na e dão-lhe credibilidade. Esta camada da comunicação tem por objectivo criar um conjunto de referências (links, notícias, registos de vídeo,  artigos) que possam ser citados pelo nível três. O Twitter também tem um papel relevante neste nível como canal de distribuição mais elitista.

3. Este nível é responsável pela difusão em massa da mensagem. Fá-lo de forma simplificada mas usando as referências do nível 2 para lhe dar credibilidade. O Facebook foi central para a coligação atingir este objectivo. Demonstrou-se no Aventar que a coligação construiu, possivelmente a partir de 2012, uma rede de perfis falsos para, com ela, fazer chegar as mensagens simplificadas a um largo espectro. Mesmo quando esta rede foi desmascarada, a coligação deu o passo em frente e continuou como se nada se passasse, inclusivamente quando tal foi notícia na SIC. E, tirando a minoria informada, nada se passou. Esta rede de perfis falsos fez chegar a mensagem a uma camada populacional que se declara desinteressada da política e que tem no Facebook um importante meio de contacto com o mundo. Para esta camada, a televisão liga-se para filmes e séries, que isso da política “são todos iguais”. E quando calha dar-lhe para o sério, lá está o nível 2 em acção a comentar as teses do nível 1.

      Para dar um exemplo e não ficar pelas generalidades, vejamos o tema do desemprego. A tese oficial é que este baixou. O nível 1 preparou um discurso tendo como ponto de partida 2013, quando houve inversão no ciclo recessivo (a razão de tal ter acontecido é, ela mesma, outro tema, mas vamos manter o foco no desemprego). Como se sabe, fez-se de conta que o governo não estava em funções desde 2011, período de enorme queda do emprego. O nível 1 trabalhou também os números do IEFP, nomeadamente a questão da limpeza do número de inscritos no centro de emprego. O nível 2 tratou de fazer os anúncios em opinião e noticias. Neste aspecto, o Observador, mas também outros OCS (mídia), repetiram a mensagem sem análise ou contraditório. O nível três encarregou-se de fazer pequenos posts com grafismo e mensagens curtas a apontarem para as mensagens do nível 2. Estes posts chegaram directamente a milhares de “amigos” ligados pela rede de perfis falsos.

demontar a propaganda - emprego

Exemplo de uma das mensagens da PAF (à esquerda na imagem)

   O PS de Sócrates já tinha usado uma estratégia semelhante mas sem Facebook. Tinha o blog Câmara Corporativa como ponto central, à semelhança deste perfil falso “Maria Luz” da PAF, ao qual se ligava mais um conjunto de blogs perfeitamente identificados. Mas o fenómeno Facebook tem, agora, uma escala muito superior ao que tinham os blogs em 2009. E objectivo também não é exactamente o mesmo, pois em 2009 pretendia-se influenciar os influenciadores (bloggers, jornalistas, comentadores) para, através deles, fazer o spin chegar à população. Na PAF, além deste objectivo, houve, também, o uso do Facebook para chegar directamente às pessoas. Comparando com o comércio, cortou-se no canal de distribuição para chegar directamente aos consumidores, tal como fizeram as grandes superfícies indo comprar directamente aos produtores.

Outra diferença foi o fim de vozes claramente discordantes na televisão, como era o caso de Manuela Moura Guedes e outras. Questões de políticas editoriais e económicas, estas agravadas com a austeridade, acentuaram este fenómeno de ausência de contraditório.

Não chega um «'Observador' de esquerda». Este apenas é uma peça na engrenagem.



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Quarta-feira, 20.05.15

« Isto  já  não  vai  lá  com  política.  Só com psiquiatria.»   (- i, 19/5/2015, I. Tavares)

Marisa Matias, a única eurodeputada do BE diz que a esquerda tem de parar de olhar para o umbigo e unir esforços

Socióloga e investigadora da Universidade de Coimbra, é agora a única representante do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu. Neste segundo mandato é vice-presidente da Comissão Especial sobre as Decisões Fiscais Antecipadas e Outras Medidas de Natureza ou Efeitos (TAXE) e membro da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (ECON). Continua a batalha contra a austeridade.

O discurso da esquerda agrada: acabar com a austeridade é o que todos desejam. No entanto, o Bloco de Esquerda está em queda. Como explica?

Penso que há uma desconexão enorme entre a maioria civil e a maioria política que tem a ver com falhas de democracia, pelas quais os agentes políticos são grandemente responsáveis. Se se tentar fazer uma correspondência entre a maioria social e os representantes políticos, não bate certo.

Houve uma batalha de senso comum que a esquerda perdeu completamente para a direita. (Com grande iliteracia e elevadas doses de propaganda, demagogia e alienação) As pessoas acham mesmo que viveram acima das suas possibilidades, que têm de pagar a conta, alimentar os mercados financeiros.

O Bloco está cada vez mais dividido. Por se estar a polarizar?

Por várias razões. Por vaidade também. Falo em meu nome e digo isto tanto nas reuniões de partido como para fora: gostaria que se fizesse um exercício sobre as diferenças políticas reais entre os vários partidos, que não são quase nenhumas. Portanto, é por questões menores, por questões pessoais, por questões de ego (/ individualismo). Só que isso não resolve o problema de ninguém. E, na altura em que precisávamos de um bloco à esquerda mais coeso, mais consistente e afirmativo para responder pelos direitos sociais – e não pelos interesses particulares, que são os que estão nas forças (de direita e 'centrão') que governam –, é quando nos fragmentamos. É vergonhoso.

Como é que isso se resolve?

Penso que já não vai lá com política, só com psiquiatria, parece-me um problema patológico. Não é a criar mais e mais instrumentos – porque políticos e partidos são instrumentos, não são fins em si mesmos – que as coisas se resolvem, que se serve as pessoas. Há muitas coisas nas quais estou em minoria no BE, mas se o partido já ocupa um espaço, já representa uma base da mesma luta, chega. É lá que me revejo e penso que devia haver um reforço do Bloco de Esquerda.

E, no entanto, continuam a dividir-se…

Há muitos tiros nos pés. Mas volto a dizer que não é preciso inventar espaços políticos novos, é uma questão de o refundar, porque está a precisar de ser refundado. Mas a soma das partes vai ser sempre inferior. Fragmento a fragmento, a esquerda vai ter sempre uma representação menor em termos nacionais.

O que fazer?

Ganhar juízo era uma coisa boa, descentrar dos umbigos e olhar para fora. Se isto nos pode servir para alguma coisa, é para perceber que assim não dá para caminhar, que a estrada é estreita demais e que, mais cedo ou mais tarde, teremos de nos encontrar todos. O caminho é criar uma frente ampla como partido, obviamente sem obrigar ninguém a abdicar de princípios, de valores e de autonomia.

O que é que pode unir a esquerda?

O que era preciso para unir a esquerda era uma clara frente anti-austeridade e contra o Tratado Orçamental, é aí que está a linha divisória. Sem isso, não é possível defender emprego, política social.

O BE poderia aliar-se ao PS?

O PS, claramente, não defende isto. Basta ler o programa económico para a próxima década [”Uma década para Portugal”] para ver que não há abandono da austeridade. E o que defende em matéria de despedimentos individuais, a questão da justa causa, está nos antípodas do Bloco. Não acho que seja uma questão de cálculo matemático, a convergência tem de ser feita numa base programática: como se põe em prática um processo de transformação social. O resto é uma forma enviesada de olhar para os partidos.

Cinco palavras sobre António Costa…

Não devia voltar costas ao património da social-democracia.

Na Grécia, a esquerda ganhou. E agora? O primeiro-ministro, Alexis Tsipras, veio mostrar que existe um fosso entre a ficção, o que gostaríamos de ter, e a realidade, o que temos?

O apoio ao governo de Tsipras ainda é maioritário, dizem sondagens. O que se está a verificar não é por incumprimento de promessas, é por a Europa não permitir que as reformas prometidas sejam postas em prática. É chantagem. Por isso é que não basta um governo de esquerda na Grécia, é preciso que haja mais governos de esquerda na Europa. Os 1,9 mil milhões de euros de lucros com a dívida grega deviam ser transferidos para os cofres da Grécia mas, em vez disso, o Banco Central Europeu, que não foi eleito por ninguém, está a atrasar o pagamento até que a Grécia apresente as reformas que a troika quer. Os governos são marionetas. A Grécia já não aguenta mais cortes e isto mostra a obsessão das instituições europeias, que preferem deixar cair um país, deixá-lo numa crise humana, que é o contrário do que a União Europeia diz defender.

Tem a coordenação dos assuntos económicos e monetários. Quais são os seus objectivos para esta legislatura?

Os meus objectivos eram rever completamente o quadro da governação económica – uma coisa impossível, o que não significa que não esteja a lutar por isso. Estou a lutar desalmadamente pela mudança das regras, mas estamos numa situação complicada, com a direita, conservadores e liberais (PPE) a dizer que a crise continua e que é preciso castigar ainda mais, agravar as medidas,   e os socialistas (social democratas) a dizer que a solução é flexibilizar a aplicação das regras.   A minha tese é outra:   se 24 dos 28 países da União Europeia não conseguem cumprir os critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento, é porque, provavelmente, o que está mal são as regras, não os Estados.   Temos de adaptar as regras aos países e não o contrário. Há quem diga que as regras são para cumprir, mas então o que é que estamos aqui a fazer, se não é para definir novas regras, mudar regras ? O nosso papel de co-legislador até fica um pouco comprometido. Esta obsessão pelas regras está a destruir o projecto europeu.

Os socialistas também perderam terreno na Europa...

Perderam e, neste mandato, estão numa situação muito diferente da anterior, em que tudo se decidia entre o PPE [Partido Popular Europeu] e os socialistas (social democratas); não havia maiorias nem à esquerda nem à direita e tudo funcionava numa espécie de grande coligação. Acreditei que uma maioria de direita significaria que os socialistas tentariam aliar-se mais à esquerda, mas a sensação que tenho é que estão a tentar correr atrás do mandato anterior, fazer convergência com o PPE para manter viva a coligação, mesmo nos casos da governação económica, em que o PPE está a destruir o trabalho da relatora socialista.

Qual o seu ideal nesta matéria?

Desde logo, acabar com a lógica de divisão que se criou. Há uma leitura muito selectiva e parcial dos tratados: os países deficitários têm normas rígidas e estritas, por exemplo, relativamente ao cumprimento de metas como os 3% de défice e os 60% de dívida e, se não cumprirem, esta casa não só aprovou sanções de natureza macroeconómica, que podem ir até 2% do PIB em multas, como aplica duplas sanções para o mesmo crime: quem não cumpre pode ver suspensos os fundos estruturais ou de coesão. No entanto, os mesmos tratados proíbem excedentes acima dos 6%, mas não há uma única sanção, uma norma punitiva para os países excedentários. Os mais ricos podem fazer o que entenderem.

Era ou não necessário criar limites?

A questão é que o poder de decisão foi retirado aos parlamentos nacionais. Fala-se em reformas estruturais, mas são uma contradição nos termos, não têm nada de estrutural, e isso sim, seria fundamental. Basta olhar para as negociações com a Grécia. Não podem fechar um acordo porque os gregos não apresentam uma lista de reformas estruturais… Eu nunca vi um país apresentar uma lista de reformas tão estruturais como a Grécia, do combate à corrupção e evasão fiscal à reforma da administração pública.

Estão todos contra um?

Infelizmente, "reformas estruturais" para os países do sul, na cabeça da Europa (C.E./BCE), são cortes imediatos nos salários, nas pensões (e nos serviços públicos). O único instrumento que temos para tornar as economias mais competitivas, à luz da lógica europeia dominante, é continuar a desvalorizar o trabalho e a reduzir o Estado social. Só seremos competitivos quando tivermos salários e normas de trabalho equivalentes à Ásia. Este é um caminho que não sei se terá retorno.

Qual é a alternativa?

O que não falta são alternativas. Há imensas, mas ninguém as aceita. Quando se está a fazer uma coisa que nunca ninguém fez, como a reforma do Estado, não há como apresentar contas certas. Obviamente, é muito mais fácil ir buscar dinheiro onde ele já existe, a quem trabalha, a quem contribui. Estamos a cavar a desigualdade entre a periferia da zona euro e os países do centro e do norte, e esquecemos que há muito tempo que a transferência de dinheiro deixou de ser do centro para a periferia. Portugal vai receber 21 mil milhões de euros em fundos estruturais em sete anos, mas no mesmo período paga 60 mil milhões só em juros da dívida. Então, o dinheiro está a vir para Portugal ou a sair de Portugal? O PIB português encolheu 4,5% em três anos. O grego, 25%.

Já antes Portugal tinha recebido muito dinheiro em fundos. Para onde foi?

Houve muito mau uso dos fundos estruturais. E devia haver responsabilização por isso. Agora, não dá para fazer milagres numa economia que está completamente deprimida. E depois há um tabu completo em relação ao investimento público. O plano de investimentos do senhor Juncker [315 mil milhões] é mais um mecanismo de engenharia financeira com efeitos multiplicadores e de alavancagem que não existem nem em Marte, quanto mais no planeta Terra. Durão Barroso apresentou um plano de investimento muito mais modesto, e nem esse se cumpriu. O Plano Juncker é irrealista. O nível de especulação (um para 15 nem sequer é legalmente permitido aos bancos. Mas acha-se normal que as instituições europeias, com dinheiro público, o faça.

A que chama tabu do investimento público?

Era preciso tomar um conjunto de medidas que não são difíceis. Era fundamental o BCE emprestar dinheiro directamente aos Estados. Se isso tivesse acontecido – todos estes jogos especulativos, de compra de títulos de dívida no mercado secundário e de fazer lucros indevidos à custa da desgraça dos outros –, não precisávamos de troikas. Mas por causa das regras da concorrência, isso não se pode fazer. Está claro que teria de ser controlado, mas podia fazer-se. Há um problema gigantesco nesta casa, que é o medo das ajudas estatais. Mas ninguém questiona as ajudas estatais relativamente à banca – desde que começou a crise, a banca recebeu o equivalente a 10% do PIB europeu. Estamos a ser mortos pela obsessão. Isto nem é neoliberal, é ordoliberal, liberalismo com ordem: o Estado ao serviço dos mercados financeiros. Porque há muitos interesses, muitos rabos presos, muitas portas giratórias entre as várias forças políticas que têm estado nos governos e os mercados financeiros. Veja onde está o Tony Blair ou Vítor Gaspar; alimentam-se uns aos outros.

O que não falta são exemplos de como o investimento público correu mal. Os estaleiros de Viana são o último...

Mas nós precisamos de investimento. Temos é de ter mais controlo democrático, mais transparência, envolver as pessoas nas decisões. Isto está a tornar-se um clube de elite, muito restrito, em que o principal poder não tem rosto e de democracia já tem muito pouco.

Se tivesse de colocar um rosto neste poder, de quem seria?

O do BCE, à cabeça. É a instituição que mais poder tem na UE, mas não foi eleita por ninguém, não tem controlo democrático. Dizem que não podem agir fora do seu mandato e não fazem outra coisa todos os dias, como dar recomendações aos Estados sobre reformas estruturais, fazer chantagem sobre a Grécia. Aumentou as taxas de juro em 2011 porque a sua missão é controlar os preços (inflação), e agora estamos com uma crise de deflação. Fui relatora das actividades do BCE no mandato anterior, o único relatório da esquerda que passou na ECON. Devia ter ficado decidido em seis meses e levou um ano e oito meses, chantagem atrás de chantagem. Porque avaliar o BCE é, basicamente, poder dizer que são espectaculares; se não for assim, é o cabo dos trabalhos.

O que seria necessário para mudar?

Eu já disse isto: as instituições europeias converteram os países periféricos da zona euro em toxicodependentes de drogas duras. Nós, nesta lógica e nesta arquitectura, estamos totalmente dependentes da torneirinha que vão abrindo. Há mecanismos de funcionamento mas, depois, houve mecanismos que foram sendo adicionados, muitos deles com base numa grande chantagem.

Como se quebra a dependência?

A única forma de romper com a dependência é começar a questioná-la. Se não, não fazemos nenhuma desintoxicação. Há coisas em que se pode e deve voltar atrás, mas os indicadores sociais são absolutamente irrelevantes para qualquer análise, só interessa a folha de Excel. O primeiro passo era ter uma avaliação real e concreta destas políticas, baseada nos resultados. Isso é que mostra que estamos a aprender com os erros.



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Sábado, 16.05.15

Uberproblems   (-por D. Farinho, 07.05.2015, Jugular)

   A recente decisão de um tribunal sobre uma providência cautelar requerida pela ANTRAL contra a Uber  ('popular "ride-sharing" smartphone application'; 'Solicite, viaje e pague através do seu smartphone') trouxe para Portugal uma discussão que tem acontecido por todo mundo onde a Uber atua:    o que fazer quando um novo modelo de negócio subverte um mercado regulado? 

    Sou um utilizador da Uber desde os seus primeiros dias em Portugal e até já o utilizei no estrangeiro. Em todos os casos a minha experiência foi excelente e bem melhor do que a minha experiência média com táxis. Mas isso não me impede de olhar para o mercado dos táxis e reparar facilmente que é um dos mercados mais regulados que existe. Para começar é dos pouco produtos/serviços que tem os preços tabelados.   Além disso está sujeito a um conjunto de obrigações específicas em função da sua natureza da transporte público de passageiros (ver aqui).   Essas obrigações implicam custos que a Uber não tem, sendo irrelevante a invocação de que têm um modelo de negócio distinto uma vez que competem exatamente no mesmo mercado. O que lhes retira os custos não é o modelo de negócio, é a intervenção (negativa) do legislador. E este é o único ponto que será juridicamente relevante discutir, independentemente de questões processuais, quer da providência cautelar já conhecida, quer da ação principal que se seguirá.

    Se queremos que o modelo de negócio da Uber possa realmente brilhar temos que permitir que o mercado em que opera seja igual para todos. De outro modo, só nos resta, se formos justos, obrigar a Uber a conformar-se com as regras do mercado regulado que criámos para os táxis.  

   Como disse no início este não é um problema só nosso. Até os sensatos canadianos, de que tanto gosto, andam às voltas com ele. Muito do que se diz neste artigo aplica-se ao que temos que resolver em Portugal. Transcrevo apenas uma passagem:

    " The bottom line is that Uber makes municipalities confront inefficient regulation and, therefore, presents an opportunity to modernize taxi licensing. The end result may not be accepting Uber's model, but it should include measures to open up the industry and create better options for consumers. Uber may not be a perfect business model for the cab industry, but it creates an opportunity to provide for a more equitable relationship between consumers and operators."

     Os  taxistas  (e alguns truques/burlas)  (-por J.M. Cordeiro, 12/5/2015, Aventar)

---Isabel Atalaia:  Se gosto de ser vigarizada pelos taxistas?  Não, não gosto.  Mas gosto ainda menos da ideologia economicista neoliberal/ultra-capitalista da Uber (táxis), AirBnB (apartamentos), Homejoy (limpezas de casas), ... (e grande distribuição). Permita que lhe deixe aqui um excelente artigo sobre negócios da "economia partilhada" (investidores+ executivos+ 'applications' .vs. trabalhadores independentes/ auto-empregados/ 'small business owners'/ micro sócios-trabalhadores,  i.e. oligopólios/ empresas dominantes, com menos riscos e menos custos, obtêm mais lucros sobre-explorando e enganando 'auto-empregados' ou fornecedores seus "parceiros dependentes") :

 https://www.jacobinmag.com/2014/09/against-sharing/   (- por Avi Asher-Schapiro, 19/9/2014)

Sharing economy” companies like Uber shift risk from corporations to workers, weaken labor protections, and drive down wages.    (empresas da "economia partilhada" transferem os custos e riscos para os trabalhadores/micro-empresas, enfraquecem a protecção laboral, abaixam salários).

   Kazi drives a Toyota Prius for Uber in Los Angeles. He hates it. He barely makes minimum wage, and his back hurts after long shifts. But every time a passenger asks what it’s like working for Uber, he lies: “It’s like owning my own business; I love it.”

Kazi lies because his job depends on it. After passengers finish a ride, Uber asks them to rate their driver on a scale from one to five stars. Drivers with an average below 4.7 can be deactivated — tech-speak for fired.

Gabriele Lopez, an LA Uber driver, also lies. “We just sit there and smile, and tell everyone that the job’s awesome, because that’s what they want to hear,” said Lopez, who’s been driving for UberX, the company’s low-end car service, since it launched last summer.

In fact, if you ask Uber drivers off the clock what they think of the company, it often gets ugly fast. “Uber’s like an exploiting pimp,” said Arman, an Uber driver in LA who asked me to withhold his last name out of fear of retribution. “Uber takes 20 percent of my earnings, and they treat me like shit — they cut prices whenever they want. They can deactivate me whenever they feel like it, and if I complain, they tell me to fuck off.”

In LA, San Francisco, Seattle, and New York, tension between drivers and management has bubbled over in recent months. And even though Uber’s business model discourages collective action (each worker is technically in competition with each other), some drivers are banding together.

Uber drivers in LA, the largest ride-sharing market in the country, held dozens of protests over the summer to oppose rate cuts. Late last month, drivers working with Teamsters Local 986 launched the California App-based Drivers Association (CADA), a sort of Uber drivers union ('sindicato'). Uber workers in Seattle have staged their own protests and have formed the Seattle Ride-Share Drivers Association. Just last week in New York City, drivers for the luxury UberBlack service threatened to strike and successfully reversed a company decision that would have forced them to pick up cheaper and less lucrative UberX rides. On Monday, drivers protested again.

We want the company to understand that we are not just ants,”(formigas) Joseph DeWolf, a member of CADA’s leadership council, told me at the Teamsters Union hall in El Monte, California. “What we want is a living wage, an open channel of communication with the company, and basic respect.” DeWolf said CADA is signing up members, collecting dues, and plans to strike in LA if Uber refuses to come to the negotiating table.

It won’t be easy. Drivers are going up against a burgeoning goliath valued at around $18 billion. The company just hired David Plouffe, who managed Barack Obama’s presidential campaigns; it’s active in 130 cities; and if company executives are to be believed, it doubles its revenue (receitas) every six months.

Uber makes that money by relying on a network of thousands of drivers who are not technically employees of the company, but rather independent contractors — the company calls them “driver-partners” — who receive a percentage of its fares.

From the very beginning, Uber attracted drivers with a bait-and-switch. Take the company’s launch in LA: In May 2013, Uber charged customers a fare of $2.75 per mile (with an additional 60¢ per minute under eleven mph). Drivers got to keep 80 percent of the fare. Working full time, drivers could make a living wage: between $15 and $20 an hour.

Drivers rushed to sign up, and thousands leased and bought cars just to work for Uber — especially immigrants and low-income people desperate for a well-paying job in a terrible economy. But over the last year, the company has faced stiff competition from its arch-rival, Lyft. To raise demand and push Lyft out of the LA market, Uber has cut UberX fares nearly in half: to $1.10 per mile, plus 21¢ a minute.

Uber drivers have no say in the pricing, yet they must carry their own insurance and foot the bill for gas and repairsa cost of 56¢ per mile, according to IRS estimates. With Uber’s new pricing model, drivers are forced to work under razor-thin margins. Arman, for instance, made about $20 an hour just a year ago. And now? Some days he doesn’t even break minimum wage.

His experience is quite common among LA Uber drivers I spoke to. For many, driving for Uber has become a nightmare. Arman often works up to seventeen hours a day to bring home what he used to make in an eight-hour shift. When he emailed Uber to complain about his plummeting pay, he said the company blew him off. Uber’s attitude is that drivers are free to stop working if they are dissatisfied, but for drivers like Arman who’ve invested serious money in their cars, quitting isn’t an option.

“These drivers are very vulnerable if they do not band together.” Dan McKibbin, the Teamsters’ West Coast organizer, told me. “Right now they have no one to protect them.”

The company wouldn’t speak to me about CADA, the Teamsters, or how it deals with driver grievances. But it seems to brush off everyone else too. Earlier this summer, when CADA leader DeWolf met with William Barnes, Uber’s LA director, Barnes allegedly laughed in his face.

As DeWolf recounted, when he told Barnes that drivers planned to organize with the Teamsters, Barnes responded, “Uber would never negotiate with any group that claims to represent drivers.”

Uber repeatedly ignored my request for comment on this exchange. Instead, the company issued a statement accusing the Teamsters of trying to “line their coffers” with new Uber-driving members.

Uber claims there’s no need for a union; it instead asks drivers to trust that the company acts in their best interest. Uber refused to show me complete data detailing average hourly compensation for drivers. It does claim, however, that UberX drivers are making more money now than before this summer’s price cuts.

“The average fares per hour for a Los Angeles UberX driver-partner in the last four weeks were 21.4% higher than the December 2013 weekly average,” Uber spokesperson Eva Behrend told me. “And drivers on average have seen fares per hour increase 28% from where they were in May of this year.”

I couldn’t find a single driver who is making more money with the lower rates.

What’s clear is that for Uber drivers to get by, they’re going to have to take on more rides per shift. Uber implicitly concedes as much: “With price cuts, trips per hour for partner-drivers have increased with higher demand,” Behrend said.

So while drivers make less per fare, Uber suggests they recoup losses by just driving more miles. That may make sense for an Uber analyst crunching the numbers in Silicon Valley, but for drivers, more miles means hustling to cram as many runs into a shift as possible to make the small margins worthwhile.

“These days, I won’t even stop to take a shit, I just drive — sometimes for up to fifteen hours a day,” a driver named Dan told me after pulling an all-nighter bringing drunk people home from bars. “It’s humiliating.”

Lower rates also means they pay more out of their own pockets for gas, and their cars depreciate in value faster because they’re driving extra miles.

Meanwhile, Uber acts as if it’s doing drivers a favor by offering them work in the first place. Uber CEO Travis Kalanick, who loves giving inspirational talks about innovation, often claims that Uber helps people “become small business owners.” But working long shifts and forking over 20 percent of fares to a group of Silicon Valley app-engineers doesn’t really count as owning a small business.

“They think we are a bunch of losers who can’t find better jobs,” DeWolf said. “That’s why they treat us like robots — like we are replaceable.”

Uber, of course, disputes this characterization. “Uber succeeds when our partner-drivers succeed,” Behrend said.

But that is just empty spin: drivers aren’t partners — they are laborers exploited by their company. They have no say in business decisions and can be fired at any time. Instead of paying its employees a wage, Uber just pockets a portion of their earnings. Drivers take all the risks and front all the costs — the car, the gas, the insurance — yet it is executives and investors who get rich.

Uber is part of a new wave of corporations that make up what’s called the “sharing economy.” The premise is seductive in its simplicity: people have skills, and customers want services. Silicon Valley plays matchmaker, churning out apps that pair workers with work. Now, anyone can rent out an apartment with AirBnB, become a cabbie through Uber, or clean houses using Homejoy.

But under the guise of innovation and progress, companies are stripping away worker protections, pushing down wages, and flouting government regulations. At its core, the sharing economy is a scheme to shift risk from companies to workers, discourage labor organizing, and ensure that capitalists can reap huge profits with low fixed costs.  There’s nothing innovative or new about this business model. Uber is just capitalism, in its most naked form.



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Segunda-feira, 11.05.15

Herdeiros de 1945 ?         (- Entre as brumas, 9/5/2015)

  Excertos de um importante texto de Manuel Loff, no Público de hoje:
«É tão importante perceber como se transita de uma ditadura para uma democracia como o inverso. Os processos de degradação dos estados liberais (/pré-democratas), em transição para o autoritarismo, podem ser rápidos e bruscos (como o português, de 1926: "Estado Novo", 'corporativista'/ fascista, salazarento), ou graduais, nos quais a ditadura se institucionaliza gradualmente a partir de dentro de sistemas que se descrevem como democráticos (como o italiano, em 1922-26, Fascista, ou o alemão, com Hitler, em 1930-33, nacional-socialista/Nazi), nos quais se percebe, como na metáfora de Ingmar Bergman, a serpente dentro do ovo. Mas será que conseguimos mesmo perceber quando, apesar de não se mudar o nome, acaba a democracia e se instala o autoritarismo?
     Do nosso lado do mundo, gosta-se de dizer que os novos autoritarismos estão na Rússia, na Venezuela, na China, mas o que emerge das revelações de Assange e de Snowden é que também nós vivemos em sociedades que se dizem democráticas mas que estão sujeitas a condições de vigilância e de controlo totalitários. (...)
     70 anos depois da libertação de Auschwitz, o fundamento dos regimes em que vivemos é ainda a rejeição radical do fascismo e do racismo? A ilegitimidade de toda a dominação colonial? O reconhecimento de que não há liberdade sem bem-estar, de que não há democracia sem direitos sociais, sem igualdade efectiva entre homens e mulheres, com discriminação legal ou social de minorias étnicas ou de orientação sexual? Não.  Já não somos herdeiros de 1945. Desde que Thatcher proclamou que a “sociedade” era “uma invenção marxista”, e que, pelo contrário, nas relações sociais só existem “indivíduos”, começou, apesar de todas as resistências, a des-democratização, a inversão do caminho aberto em 1945.
     Retomou-se o caminho da desigualdade. As relações sociais no Ocidente voltam a estar saturadas de racismo e de xenofobia; ainda que não tenham nunca desaparecido, voltam a ser assumidos abertamente por governos, polícias, instituições, empresas, umas vezes em nome do que sempre se invocou para colonizar e/ou reprimir (a luta contra o terrorismo e a barbárie), outras invocando-se o mercado, sacralizado, para justificar condições de trabalho próximas da escravatura, a contaminação do planeta ou a expulsão populações do seu habitat.   Se, durante uns 30 anos, até ao fim dos anos 70, maiorias esmagadoras de eleitores reconheciam a utilidade do voto e forçaram a mudanças muito práticas nas suas vidas colectivas, hoje qualquer Governo diz ser legítimo (exactamente como há cem anos atrás, quando poucos tinham o direito de voto) mesmo que tenha tido o apoio de uns 20% dos inscritos, desde que a engenharia eleitoral em vigor invente maiorias absolutas a partir da abstenção maciça daqueles a quem se ensinou que não há alternativa.
     A história, contudo, não acaba aqui. É que, como se viu, também não acabou quando a Europa inteira achou que Hitler tinha ganho a guerra e que o fascismo era o fim da História.» 


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Quinta-feira, 12.06.14

                  sem título, 12/6/2014     (-por  f. câncio, Jugular)

     é a segunda vez em cinco anos.  da outra, estava na redacção no dia em que os escolhidos foram informados.  desta, não.  calhou estar de férias.  calhou que a primeira informação que tive foi de um amigo de fora do jornal, por sms, quando ainda nem tinha olhado para as notícias.

     não, não era uma surpresa.  sabiamos há meses, após a entrada de novos accionistas, e sobretudo depois de o jornal ter reduzido o número de páginas, que era expectável um despedimento colectivo.   cada um fez as suas contas de cabeça -- ou no site da autoridade das condições de trabalho (ACT) onde, sinal dos tempos, existe já até um simulador para indemnizações --, pensou nas hipóteses que tinha, nas despesas fixas, naquilo de que poderia prescindir, talvez até (pensamos essas coisas) que há males que podem vir por bem.   e esperou.   não há muito mais a fazer, pensámos (não haveria?).

      uma das pessoas que foi hoje despedida esteve comigo na grande reportagem, o meu segundo emprego.  conheço-a há 23 anos.   não somos propriamente amigos, mas quando recebi a primeira nota de culpa da minha vida, ofereceu-se para testemunhar por mim.  e eu, que posso fazer hoje por ela?

     duas das outras pessoas que foram despedidas estiveram comigo na notícias magazine.  há 17 anos.  as outras conheço-as do dn.  excepto uma.  essa conheci-a em 1992, numa reportagem.  conheci-a a fazer aquilo que faz: resistir.  jornalismo, se for a sério, é sempre uma forma de resistência, mas no lugar onde ela está é preciso resistir só para manter a cabeça direita.

      não vou pôr nomes aqui, porque não pedi autorização para isso e porque não faz sentido -- todas as pessoas a quem ontem comunicaram o despedimento têm um nome, uma história, uma vida, não apenas aquelas de quem gosto mais, que admiro mais, de quem me sinto mais próxima ou que fazem mais parte da minha narrativa pessoal.

      não tenho a pretensão de perceber o que estão a sentir, o que estão a passar; não sei o que lhes dizer.   eu, como todos os -- por enquanto -- poupados só posso saber o que sente quem sabe que ficou:  uma espécie de traição, tanto mais traidora quando sabemos que, mesmo que eventualmente de nada servindo fazer alguma coisa, não há coisa alguma que nos ocorra fazer a não dizer porra, ou merda, ou outro palavrão qualquer, sabendo que do outro lado só se pode pensar 'pois, estás muito sentida e solidária e tal mas tens o teu emprego, não é? e porque é que tens o teu emprego e eu deixei de ter?'

     e têm razão.  porque é só isso que lhes oferecemos: um ombro, um abraço de adeus.   e um não tão secreto suspiro: não foi ainda connosco. e a vertigem de saber que podia ser, que só por acaso não é, o quase desejo que fosse, para não sentir esta culpa, esta responsabilidade, este peso.   talvez invejemos a liberdade -- é fácil invejar a liberdade com um ordenado ao fim do mês.

     quando foi que nos habituámos a aceitar que somos impotentes?  que as coisas são o que são?  que as decisões dos conselhos de admnistração, como 'dos mercados', são tão inelutáveis como as forças da natureza?   quando foi que ficámos tão cobardes?

     que aconteceu às comissões de trabalhadores, às negociações entre trabalhadores e empresas, aos compromissos, aos acordos, à divisão de forças? que aconteceu à nossa voz? que aconteceu connosco?

     colectivo, nisto, só o despedimento.   é bom que pensemos nisso -- porque, na nossa hora, teremos por nós exactamente o que agora oferecemos.

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Calamos e ... não fazemos nada ?!!     (TV e jogos...) « Divirtam-se  ... »  que a seguir ... 

Lembrem-se do que dizia B.Brecht e Maiakovski: « Primeiro  levaram ...  depois ... »

   Incrível é que, após mais de cem anos, ainda nos encontremos tão desamparados, egoístas, inertes e submetidos aos caprichos da ruína moral dos governantes e poderosos, que vampirizam o erário e o salário, aniquilam as famílias e instituições, e deixam aos cidadãos o Medo e o Silêncio

   Mas, talvez pior que a Escalada do mal, é o silêncio dos justos e a não-acção dos cidadãos: «O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.»- Martin Luther King.

     - Até quando ? …

Acordemos antes que nos tirem a Dignidade e a Vida.

Acordemos todos... Acordemo-nos uns aos outros... e tragam mais cinco…

          NÓS  DECIDIMOS  AGIR   ( Roosevelt 2012 )

«Nós desejamos contribuir para a formação de um poderoso movimento de cidadania, para uma insurreição de consciências que possa engendrar uma política à altura das exigências» - Stéphane Hessel, Edgar Morin - 'O caminho da esperança'



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Sábado, 28.09.13

Discurso do presidente Pepe  Mujica  na  ONU  em 24/9/2013 (-por Clara Cuéllar)

  Amigos, todos,

  Sou do sul, venho do sul. Da esquina do Atlântico com o Rio Plata. O meu país é uma planície suave, temperada e que permite viver da pecuária. A sua história é de portos, de peles, de fumados, de lã e de carne. Teve décadas púrpuras de lanças e cavalos até que, finalmente, no início do século XX, decidiu ser vanguarda no que é o social, no Estado e na educação. Eu diria até: a social-democracia foi inventada no Uruguai.

   Durante quase cinquenta anos o Mundo olhou para nós como uma espécie de Suíça; fomos, na realidade, falando de economia, filhinhos bastardos do Império Britânico. Quando este sucumbiu, vivemos as passas do Algarve no que toca ao fim de mudanças funestas. Ficámos parados com saudades do passado. Passámos cinquenta anos a recordar Maracaná, a façanha desportiva. Hoje ressurgimos neste mundo globalizado e, talvez, aprendamos com a nossa dor. A minha história pessoal: a de um garoto ... em busca do sonho de uma sociedade liberta e sem classes.  Os meus erros: em parte são filhos do meu tempo, é obvio que os assumo, mas há momentos em que me grito com nostalgia: “Houvesse quem tivesse a força que nós tivemos quando éramos capazes de conter tanta utopia!”

    Não olho, no entanto, para trás, porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. ... Angustia-me (e de que forma) o futuro que aí vem e que não irei ver, mas pelo qual me comprometo.    É possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez hoje a primeira tarefa seja salvar a vida.

    ... Carrego ... com os bloqueios inúteis e tristes a ...Cuba. Carrego com as consequências da vigilância electrónica que não faz mais do que semear desconfianças que nos envenenam inutilmente. Carrego às costas uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazónia, os mares, os nossos grandes rios da América. Carrego às costas o dever de lutar por uma pátria para todos. Para que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz. E carrego também às costas o dever de lutar pela tolerância – a tolerância é necessária – para com os que são diferentes, e com os quais temos diferenças e discordamos... A tolerância é o fundamento para poder conviver em paz, entendendo que, no mundo, somos diferentes.

    [O combate à economia suja, ao tráfico de drogas, ao roubo e à fraude, à corrupção, pragas contemporâneas adoptadas pelo antivalor], o mesmo que sustém a crença de que somos mais felizes se enriquecermos, e de qualquer forma.

    Sacrificámos os velhos deuses imateriais e ocupámos o templo com o deus mercado. Ele organiza-nos a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia as quotas e os cartões de crédito, a aparência de felicidade. Poderia parecer que nascemos só para consumir e consumir e, quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza e até a auto-exclusão.

    O certo é que, hoje, para gastar e enterrar desperdícios, a chamada pegada de carbono pela ciência, se toda a humanidade aspirasse o consumo dum norte-americano médio, seriam imprescindíveis três planetas para poder viver. Por outras palavras: a nossa civilização montou um desafio mentiroso e, continuando assim, não nos será possível satisfazer para todos este sentido de desperdício que se deu à vida.

    Como uma cultura da nossa época, está a massificar-se, nas acções, a direcção pela acumulação e pelo mercado. Prometemos uma vida de desperdício e esbanjamento que, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a natureza e contra a humanidade como futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais. Pior do que isso, civilização contra a liberdade que pressupõe tempo para viver as relações humanas – a única coisa transcendente –, o amor, a amizade, a aventura, a solidariedade, a família. Civilização contra o tempo livre que não paga, que não se compra, e que nos permite contemplar e examinar minuciosamente o cenário da natureza.

   ... A política, a eterna mãe do acontecer humano, ficou acorrentada à economia e ao mercado.  ... A historieta humana anda fugidia, a comprar e a vender tudo e a inovar para poder negociar de alguma forma aquilo que não é negociável. Há marketing para tudo: os cemitérios e o serviço fúnebre; para as maternidades; marketing para pais, mães, avós e tios, passando pelas secretárias, os automóveis e as férias. Tudo, tudo é negócio. ... Sobram provas destas tecnologias bastante abomináveis que induzem, por vezes, frustrações, e que matam.

O homenzinho médio das nossas grandes cidades deambula entre as repartições de finanças e o tédio rotineiro dos escritórios temperados, às vezes, com ar condicionado. Sonha sempre com as férias e com a liberdade. Sonha sempre em conseguir pagar as contas até que, um dia, o coração pára e adeus

Haverá outro soldado a cobrir as garras do mercado e a assegurar a acumulação.

    ... A economia globalizada não tem outro objectivo que não seja o interesse privado de muito poucos; e ... o capitalismo produtivo, francamente produtivo, é prisioneiro da caixa dos bancos e, estes, são a ponta do poder mundial. Para esclarecer: acreditamos que o mundo exige a gritos regras globais que respeitem as conquistas da ciência, que abundam, mas não é a ciência a que governa o mundo.

    É necessário, por exemplo, uma longa agenda de definições: quantas horas de trabalho, na terra inteira; a possibilidade da convergência de moedas; como é que se poderá financiar a luta global pela água e contra a desertificação; como e o que é que se recicla e como é que se faz pressão contra o aquecimento global. Quais são os limites para cada grande “que fazer” humano. Seria imperioso conseguir consensos alargados para uma solidariedade com os mais oprimidos e para castigar impositivamente a fraude e a especulação. Mobilizar as grandes economias, não para criar coisas descartáveis com obsolescências calculadas, mas para criar bens úteis sem frivolidades, para ajudar a levantar aos mais pobres do mundo. Bens úteis contra a pobreza mundial. Muito mais rentável do que fazer guerras é despejar um Neokeynesianismo útil de escala planetária para abolir as vergonhas mais flagrantes do mundo.

     Talvez o nosso mundo precise de menos organismos, daqueles que organizam fóruns e conferências, que mais não servem do que cadeias hoteleiras e companhias aéreas nas quais, no melhor dos casos, ninguém ganha nem transforma nada em decisões. Sim, temos de mastigar muito o velho e o eterno da vida humana junto da ciência, essa ciência que se empenha pela humanidade e não por enriquecer. Com eles, de mãos dadas com os homens da ciência, primeiros conselheiros da humanidade, temos de criar acordos para o mundo inteiro. Nem os grandes estados nacionais, nem as empresas transnacionais e muito menos o sistema financeiro, deveriam governar o mundo humano. ...  requerem que o determinante seja a vida e não a acumulação. Não somos inocentes, estas coisas não irão passar, nem outras parecidas. Temos ainda pela frente muitos sacrifícios inúteis. Hoje o Mundo é incapaz de criar uma regulação planetária à globalização, o que se deve ao enfraquecer da alta política (aquela que se ocupa de tudo).

    Iremos assistir durante um tempo ao refúgio de acordos mais ou menos “reclamáveis”, que vão planear um mentiroso livre comércio interno, mas que, no fundo, vão acabar por construir parapeitos proteccionistas, supranacionais nalgumas regiões do planeta. A seu tempo irão crescer ramos industriais e de serviços dedicados à salvação o meio ambiente. Iremos, assim, consolar-nos. Continuará inabalável a acumulação, para regozijo do sistema financeiro. Irão continuar as guerras e, portanto, os fanatismos, até que a natureza os traga à ordem e torne inviável esta civilização.

    ... Volto a repetir, a crise ecológica do planeta é a consequência do triunfo avassalador da ambição humana. Esse é o nosso triunfo mas é também a nossa derrota], pela nossa impotência política de nos enquadrar numa nova época que construímos sem nos aperceber.

   ... O certo é que a população quadruplicou e o PIB cresceu pelo menos vinte vezes no último século. ...

   A cobiça tão negativa, e motor da história, que tanto nos empurrou para o progresso material, técnico e científico, apesar de fazer daquilo que é a nossa época e do nosso tempo um avanço fenomenal em muitas frentes; essa mesma ferramenta, a cobiça, paradoxalmente, empurrou-nos para uma domesticação da ciência acabando por a transformar em tecnologia. Essa cobiça precipita-nos para um abismo enevoado, para uma história que não conhecemos. Para uma época sem história, na qual estamos a ficar sem olhos nem inteligência colectiva para continuar a colonizar e a perpetuar-nos, transformando-nos. Porque há uma característica que este bicho humano tem: é um conquistador antropológico.

Parece que as coisas tomam autonomia e submetem os homens. ... Ou seja, a cobiça individual triunfou largamente sobre a cobiça superior da espécie.

    ... as repúblicas nascidas para afirmar que nós, os homens, somos iguais; que ninguém é mais do que ninguém; que os seus governos deveriam representar o bem comum, a justiça e a equidade, muitas vezes deformam-se e caem no esquecimento das pessoas que vivem, hoje, que andam pelas ruas das povoações comuns. ...

    Devido a reminiscências feudais, ...ou ainda à cultura consumista que a todos nos rodeia; as repúblicas, nas suas direcções, adoptam frequentemente um viver diário que exclui e põe em causa o homem da rua. ... Os governos republicanos deveriam parecer-se cada vez mais com os seus povos na forma de viver e na forma de se comprometer com a vida.

Temos o hábito de cultivar arcaísmos feudais, cortesanices consentidas, fazemos diferenciações hierárquicas, que, no fundo, arrancam o melhor que as repúblicas têm. O jogo destes e outros factores retêm-nos na pré-história, e, hoje, é impossível renunciar à guerra quando a política fracassa. É assim que se estrangula a economia e que desperdiçamos recursos.

     Ouçam bem, meus queridos amigos: por cada minuto gastam-se dois milhões de dólares em orçamentos militares no mundo. Dois milhões de dólares por minuto em orçamentos militares. ... a investigação (médica) cobre apenas uma quinta parte da investigação e do desenvolvimento militares. Este processo do qual não conseguimos sair, porque é cego, assegura o ódio e os fanatismos, desconfianças, que são fontes de novas guerras, o que também custa fortunas.

    ... é inocente planear, neste mundo, uma poupança nestes orçamentos e gastar noutras coisas… úteis. ...Há, nestes orçamentos (militares), enormes recursos para cortar e para poder resolver as maiores vergonhas na Terra, mas…  ...Porque não somos capazes de racionar como espécie. Apenas como indivíduo.

    As instituições mundiais de hoje em dia, particularmente, vegetam à sombra consentida das dissidências das grandes nações e, obviamente, como estas querem reter a sua quota parte de poder, bloqueiam, por acções, esta ONU que foi criada com uma esperança e com um sonho de paz para a humanidade. Pior do que isso, extirpam-na da democracia, no sentido planetário – porque não somos iguais, não podemos ser iguais neste mundo, onde há fortes e fracos. É, portanto, uma democracia planetária ferida que está a cortar da história um possível acordo mundial de paz, militante, combativo e que exista de facto. Remendam-se, mediante apeteça a algumas das grandes potências, doenças que eclodem aqui e acolá. Nós, os restantes, olhamos de longe. Não existimos.

    Amigos, a mim parece-me ser muito difícil inventar uma força que seja pior do que o nacionalismo chauvinista das grandes potências. A força, que é libertadora dos débeis. O nacionalismo, pai dos processos de descolonização, formidável para com os fracos, transforma-se numa ferramenta opressora nos braços dos fortes. ...

    A ... nossa ONU, definha e burocratiza-se por falta de poder e de autonomia, de reconhecimento e, sobretudo, de democracia para com o mundo mais débil – que é a esmagadora maioria do planeta. A título de exemplo, pequenino: o nosso país apresenta, em termos absolutos, a maior quantidade de soldados em missões de paz de todos os países da América Latina. Estamos ali, onde nos pedirem para estar. Mas somos pequenos e fracos. Onde se tomam as decisões e se repartem os recursos, não entramos nem para servir o café.

   ... A espécie deveria ter um governo para a humanidade que superasse o individualismo e lutasse por criar cabeças políticas que acudam ao caminho da ciência, e não só nos interesses imediatos que nos governam de momento e nos afogam.

   ... são da humanidade como um todo. Esta, como tal, globalizada, deve promover e empenhar-se no seu desenvolvimento, para que possam viver com decência sem depender de ninguém. Os recursos necessários existem, estão nesse saque de desperdícios da nossa civilização. 

    Há poucos dias prestaram ali, na Califórnia, numa agência de bombeiros, uma homenagem a uma lâmpada eléctrica que se mantém acesa há cem anos. Quantos milhões de dólares nos roubaram dos bolsos, para fazer, deliberadamente, coisas para que as pessoas comprem, e comprem, e comprem?

   ... Em lugar de governar a civilização, é ela que nos governa. Há mais de vinte anos que discutimos a humilde Taxa Tobin, mas é impossível aplicá-la em todo o planeta. Todos os bancos do poder financeiro levantam-se, feridos na sua propriedade privada e numa série de outras coisas. ...

   Contudo, com talento e trabalho colectivo, com ciência, o homem consegue, passo a passo, transformar os desertos em verdes. O homem consegue levar a agricultura ao mar. O homem pode desenvolver vegetais que vivam com água salgada. A humanidade concentra-se no essencial. É incomensurável. É ali que estão as mais portentosas fontes de energia. Que sabemos nós da fotossíntese? Quase nada. A energia que há no mundo sobra, se soubermos usá-la e trabalhar com ela.

    É possível arrancar de raiz toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e sê-lo-á possível para as gerações vindouras, caso sejam capazes de racionar como espécie (Humana) e não só como indivíduo. ... Para que todos estes sonhos sejam possíveis, temos de ser capazes de nos governar a nós mesmos. Caso contrário, acabaremos por sucumbir porque não somos capazes de estar à altura da civilização que nós próprios fomos desenvolvendo, através de acções.

Este é o nosso dilema. Não nos entretenhamos só a remendar consequências. Pensemos nas causas de fundo, na civilização do desperdício, na civilização do “usar e deitar fora”, que mais não faz do que deitar fora o tempo da vida humana, desperdiçando-se em questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por milagre e nada vale mais do que a vida. E que o nosso dever biológico é, acima de tudo, respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é o nosso nós.

Obrigado.     ( La República,  texto integral aqui.)



Publicado por Xa2 às 07:55 | link do post | comentar

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