Sábado, 07.01.17

MárioSoaares.jpg

Mário Soares: laico, republicano, socialista.

obrigadoooo.png

Conclusão da intervenção de M. Soares no debate final global da Constituição da Rep. Portuguesa na Ass. Constituinte, a 2 de Abril de 1976.  - Obrigado    (-por D.Crisóstomo, 365forte.)

-- Coragem, liberdade, democracia e tolerância

 Obrigado Mário Soares    (-por N.Serra, Lad.Bic.)

-- Como recordo Mário Soares.     (-por J.Semedo; via J.Lopes, Entre as brumas)

       «Não há vidas sem mácula. A vida longa, intensa e plena de Mário Soares não é excepção, mesmo sendo ele uma figura excepcional. De que Mário Soares falamos, que Mário Soares recordamos hoje? O Mário Soares da Fonte Luminosa e do socialismo na gaveta, o líder do PS que arrastou toda a direita atrás de si? Ou o Mário Soares da luta antifascista e do exílio e que, mais tarde, nos apertos da democracia, se levantou contra a direita, quer no combate a Cavaco quer, tempos depois, na oposição à troika e ao governo de Passos e Portas?

        Não podemos falar de um e ignorar o outro, o próprio não nos perdoaria, como um dia me disse, sem ponta de arrependimento: “Eu fui isso tudo, eu fiz isso tudo, para o bem e para o mal”, a meio de um longo desabafo sobre a amargura e a inquietação com que olhava para os caminhos seguidos pela social-democracia europeia e o seu PS, sem esconder a sua irritação com as facilidades oferecidas aos mercados e à alta-finança pelos governos europeus liderados por partidos socialistas ou trabalhistas, tratados por ele com dureza e alguns palavrões.»
 
 -- PCP: Face ao falecimento do Dr. Mário Soares.
 «Mário Soares, fundador do Partido Socialista, seu Secretário-geral, personalidade relevante da vida política nacional, participante no combate à ditadura fascista, no apoio aos presos políticos, desempenhou após o 25 de Abril os mais altos cargos políticos, designadamente como Primeiro-Ministro, como Presidente da República e membro do Conselho de Estado. 
    Lembrando o seu passado de antifascista, o PCP regista as profundas e conhecidas divergências que marcaram as relações do PCP com o Dr. Mário Soares, designadamente pelo seu papel destacado no combate ao rumo emancipador da Revolução de Abril e às suas conquistas, incluindo a soberania nacional.»
 
      «Mário Soares foi um dos maiores protagonistas da política portuguesa e marcou o século XX. Foi combatente anticolonial e antifascista, preso político e exilado. Foi constituinte e fundador do regime constitucional de 76, ministro de governos provisórios, Primeiro-Ministro e Presidente da República. Socialista, republicano e laico, como ele próprio se definiu, foi o mais comprometido obreiro da integração de Portugal na União Europeia.
       Ao longo da sua vida, Mário Soares foi contraditório e frontal nas lutas que escolheu. Marcou todos os momentos determinantes da vida do país, por vezes em conflito e outras vezes em aliança com forças de esquerda. No tempo mais recente, levantou-se contra a invasão do Iraque e as guerras no Médio Oriente, assim como na defesa da Constituição da República Portuguesa contra as novas regras sociais impostas pela troika. Opôs-se às políticas de austeridade do governo PSD-CDS e saudou a mudança imposta pelas eleições de 2015.
       O Bloco de Esquerda saúda a sua memória, dirigindo os seus pêsames a toda a família de Mário Soares e aos militantes do Partido Socialista.» 

 

-- Passos Coelho esteve bem     (-por OJumento)
Depois de tudo o que Mário Soares disse dele e dos seu governo, Passos Coelho esteve à altura das circunstâncias, falou de Soares da forma que devia falar, sem ressentimentos, sem afirmação de divergências e sem julgamentos sumários. Depois disso assinou o livro de condolências na sede do PS, de onde saiu sem protagonismos jornalísticos oportunistas, numa demonstração de respeito.   ...

--Mário Soares  (pessoa, cidadão, político)      [-por M.E.Cardoso, Público].
   «Mário Soares não levou nada com ele. Deixou tudo connosco. É essa a maior generosidade que uma pessoa pode ter: querer tudo para os outros e dedicar a vida a lutar por isso — e por nós.
    Mário Soares não se importava que não gostassem dele. Ia em frente, achassem o que achassem. É essa a coragem maravilhosa que deixou: serviu de exemplo da liberdade mais importante de todas, que é a liberdade de sermos como somos e acreditarmos no que acreditamos.
    Até ao fim da vida, Mário Soares exerceu essa liberdade da maneira mais desobediente, imprevisível e desconcertante. Falava alto quando queríamos que se calasse. Quanto mais queríamos que se calasse, mais alto falava.
     Mário Soares foi um rebelde e um inconveniente. Era um grande erro tratá-lo com condescendência ou passar-lhe a mão pelo pêlo. Ele reagia com arrogância não só à arrogância como aos excessos de humildade. Não era nenhum santo, graças a Deus. E nunca nos deixava esquecer isso.
     No final de cada batalha — a grande maioria das quais perdeu descaradamennte — Mário Soares parava para dar lugar aos vencedores, saudando-os de igual para igual, como se também tivessem perdido.
     Pouco importava na estima dele. Mário Soares era uma pessoa profundamente civilizada e humana. Revia-se nas fraquezas que todos herdamos mas poucos reconhecem. Era mimado mas recusava-se a mimar. Respeitava os outros não porque os outros tinham alguma coisa de especial — mas porque não tinham. Eram seres humanos, cidadãos, compatriotas. E isso chega. Isso deveria sempre chegar se todos nós tivéssemos a ideia generosa de democracia que Mário Soares tinha, pôs em prática e deixou para que nos habituássemos a ela e fôssemos, por nossa vez, libertados por ela.
     Mário Soares deixou a pessoa dele nas gerações de camaradas e opositores que ele directa ou indirectamente inspirou. Podemos não reconhecer essa dívida — tanto faz. A liberdade de cada um de nós não cai nem cresce por causa do mal ou do bem que pensamos dela. É essa a única liberdade valiosa: a que não depende da nossa aceitação; a que é
independente da nossa vontade de exercê-la ou reprimi-la.
     Pode-se dizer mal de Mário Soares, o mal que se quiser. Não há nada que ele não tivesse ouvido em vida — e verdadeiramente tolerado, não com sobranceira indiferença, mas com o respeito democrático que vem dar ao mesmo. Encolher os ombros faz parte da liberdade. Foi Mário Soares que nos ensinou isso, tanto quando ergueu o punho como quando encolheu os ombros.
      Mário Soares era o político que era uma pessoa. Recusou-se sempre a ser um salvador ou uma figura acima da multidão. Ele era o político que era de um partido — o Partido Socialista — e com muita honra. Ele era um laico convicto, capaz de dar tudo pela liberdade religiosa de todos aqueles que têm religiões diferentes da grande maioria. Ele era um republicano honrado que sabia falar com monárquicos, que os monárquicos respeitavam por ter sempre consciência de que tudo depende
sempre do que sente cada um de nós e que as nossas crenças, nunca sólidas ou imutáveis, são tão nossas como a nossa humanidade.
     É essa semelhança no que nos distingue que nos dá razão para acreditar na humanidade e em ideais tão antigos e modernos como a liberdade, a fraternidade, a justiça e o progresso económico, social e político.
     Mário Soares era um revolucionário burguês. Os burgueses criticaram-no por ser revolucionário e os revolucionários criticaram-no por ser burguês. Era por isso que ele é tão refrescantemente moderno: ainda não nos aproximámos do que ele queria para nós.». 

-----

M.Soares no histórico frente-a-frente televisivo ("Olhe que não, .../ olhe que sim, ...") com Álvaro Cunhal, em 6.11.1975. 



Publicado por Xa2 às 19:00 | link do post | comentar | comentários (3)

Sexta-feira, 03.06.16

França:   a  Carta  da  Laicidade      (.17/9/2013)

 
 
Será afixada a partir de hoje em todas as escolas públicas de França a Carta da Laicidade aqui reproduzida. É uma excelente notícia.
    Uma Carta idêntica em Portugal seria a prova que os Portugueses são cidadãos plenos ("à part entière"), o que não é o caso!     A educação, o civismo, o interesse pela coisa pública (a «res pública»), o que quer dizer literacia e formação política, são suplantados pelo futebol. No dia em que os Portugueses se apaixonarem pelo debate de ideias como o fazem pelo desporto-rei, então sim, poderá começar a reconstrução do nosso país.
-----------

Governo britânico abre debate sobre a proibição do véu

   Há quase dez anos, a proibição do véu nas escolas francesas era uma coisa estranha, uma mania, quiçá autoritária, só explicável porque «os gauleses são loucos». Os ingleses, diziam-me, esses sim, defendiam a liberdade das pessoas de se vestirem como a cultura e a religião lhes mandava. Passaram os anos, e hoje o governo britânico abriu o debate sobre a proibição do véu nas escolas, pela voz do Ministro da Administração Interna. Ouçamos Jeremy Browne:
     «Sinto-me instintivamente desconfortável com restrições à liberdade dos indivíduos de seguirem a religião da sua escolha. (...) Mas há um debate genuíno sobre se as raparigas devem sentir uma compulsão para usar um véu quando a sociedade considera as crianças incapazes de expressarem as suas escolhas noutros assuntos como comprar álcool, fumar ou casarem-se.»
    Registe-se que, na Europa, o véu está proibido nas escolas francesas e turcas (a alunas e professoras), em escolas de vários Estados alemães (às professoras), e... na Albânia.
--------

--- NÃO  a  fundos públicos para  templos e cultos  privados  (-R.Alves, 25/5/2016,E.Republicana)

    A Câmara Municipal de Lisboa não deveria construir uma mesquita pelas mesmas razões porque não deve construir igrejas católicas ou templos de qualquer outra religião. Infelizmente, é isso mesmo que está a acontecer neste momento na Mouraria. Porquê?
    Não pode ser com certeza por um critério de representatividade: os muçulmanos serão talvez a quarta comunidade religiosa de Lisboa, atrás dos católicos, dos evangélicos e das testemunhas de Jeová. E não há memória de a CML alguma vez ter financiado a construção de igrejas evangélicas ou de «Salões do Reino».  Os precedentes de apoio - mas creio que não de assumir totalmente os custos (!!), como parece ser agora o caso - são curiosamente de comunidades ainda mais pequenas, como o centro hindu de Telheiras ou a mesquita (ismaelita) das Laranjeiras. Há portanto comunidades religiosas que merecem o apoio camarário (as «antigas» ou «históricas») e outras que não merecem (se a IURD pedisse um espacinho à CML, duvido muito que tivesse resposta positiva).
    O porquê de a CML gastar três milhões de euros na mesquita da Mouraria é claramente outro: quer dar um «sinal de tolerância», de «repúdio pela islamofobia». Será uma intenção louvável. Simplesmente, não é discriminando positivamente o Islão que se atenua ou previne uma discriminação negativa que em Portugal não existe (a islamofobia em Portugal não tem expressão relevante). E uma discriminação positiva a favor de alguns é uma discriminação negativa dos outros.  (Pelo que deve ser muito ponderada  e parcimoniosamente usada). 
   Neste caso, os cidadãos republicanos e contribuintes, devem sentir-se espoliados dos seus impostos e taxas municipais, e os ateus, para além disso, devem sentir-se ofendidos.
  Há sempre quem argumente que financiar uma igreja ou uma mesquita é como financiar um pavilhão polidesportivo, uma sala de teatro ou um museu. É falso: as comunidades religiosas têm uma lógica política e social tendencialmente hegemónica (ou «totalizante») e naturalmente sectária. O desporto e a cultura são para todos, são abertos e não obrigam a defender (ou sequer aceitar) preceitos religioso-políticos; as religiões são para quem acredita naquela fé específica e têm ensinamentos (sobre os direitos das mulheres ou a liberdade sexual, para não ir mais longe) que raramente estão abertos à discussão. É por essa singela razão que a Constituição separa explicitamente o Estado das igrejas e comunidades religiosas e encarrega o Estado de promover a cultura. Apoiar uma e outra coisa não é o mesmo. Quem quer participar num culto religioso deve pagá-lo, não ser pago pelo Estado.
      Há 100 anos atrás, a construção de templos religiosos às custas do Estado estava proibida (e bem): «A República não reconhece, não sustenta, nem subsidia culto algum; e por isso, a partir do dia 1 de Julho próximo futuro, serão suprimidas nos orçamentos do estado, dos corpos administrativos locais e de quaisquer estabelecimentos públicos todas as despesas relativas ao exercício dos cultos» (artigo 4º da Lei de Separação).


Publicado por Xa2 às 07:43 | link do post | comentar | comentários (4)

Terça-feira, 08.09.15

       Privatização do ensino público   (-V.Moreira, 25/8/2015, CausaNossa)

1. Começa a ser posto em prática ostensivamente o grande desígnio da direita desde há muito, que é a privatização do ensino público, substituindo a escola pública pelo financiamento público de escolas privadas.
     Até agora, isso só poderia ocorrer em caso de falta de escolas públicas, portanto a titulo subsidiário. Mas esse requisito legal desapareceu com o atual Governo, passando a ser uma decisão discricionária o número de escolas privadas a financiar com dinheiro dos contribuintes, à custa da escola pública, em flagrante contradição com o direito constitucional de todos à escola pública e com a obrigação constitucional do Estado de o assegurar.

   2. Vejo a esquerda alarmada com o risco de privatização da segurança social e do SNS. Não vejo a mesma denúncia em relação à privatização do ensino público, apesar de esta estar efetivamente em curso e ser muito mais grave do que aquelas, por permitir o financiamento público do ensino confessional, que está constitucionalmente afastado no ensino público.
     Os sindicatos de professores, normalmente tão lestos a invocar em vão a defesa da escola pública quando se trata de defender os seus interesse corporativos, "não tugem nem mugem";   e tampouco o fazem os partidos de esquerda, a começar pelo PS, que deveriam estar na primeira linha de defesa da Constituição e do principio republicano do ensino público.
          Mistificação
Só a habitual mistificação política deste Governo é que pode explicar o argumento do Ministro da Educação de que os governos PS "gastavam mais dinheiro a financiar escolas privadas", na tentativa de justificar o subsídio de cerca de 150 milhões de euros que ele agora lhes disponibiliza.
      Primeiro, ele não cita números para provar o que diz, o que também é habitual.  
      Segundo, o mínimo que se exigiria é que ele tivesse cortado nesses subsídios pelo menos numa proporção igual à do corte orçamental da educação, que como se sabe foi enorme, sob pena de a austeridade orçamental só afetar a escola pública mas não o financiamento público das escolas privadas.
     Terceiro, enquanto anteriormente o financiamento dos colégios privados só podia ser dado a título supletivo, em caso de insuficiência de oferta da escola pública (situação que deve ser hoje muito excecional, dada a redução do número global de alunos), o Ministro revogou esse requisito legal, para ficar com mãos livres para subsidiar qualquer colégio privado, mesmo em caso de redundância da oferta pública.
      Trata-se portanto de uma mudança radical de filosofia. Como decorre claramento das declarações do presidente do grupo de interesse em causa, a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo, o propósito é dar ao financiamento público dos colégios privados “uma expressão sistémica e não apenas um carácter residual, como agora é o caso”.
     Quem tivesse dúvidas de que estamos perante uma verdadeira privatização do ensino público, bem pode perdê-las.
      
             Desperdício público   (V.Moreira, 31/8/2015)
 1. Segundo o Expresso, reproduzindo números oficiais, «o Estado é proprietário de 22.957 imóveis, entre edifícios e terrenos, dos quais 75% estão ocupados. Para além destes, os vários ministérios da máquina estatal arrendam a privados 2033 imóveis que custam ao erário público 123 milhões de euros.»
    Ou seja, o Estado mantém desocupados mais de 5000 imóveis (edifícios e terrenos), mais do dobro dos que tomou arrendados a privados por mais de 120 milhões de euros.   Uma gestão patrimonial verdadeiramente ruinosa!   Acresce que muitos dos edifícios abandonados do Estado estão a degradar-se e a perder valor.  Se o Estado não precisa deles, por que os não vende ou arrenda?
   (Só no local litoral onde costumo passar férias de verão existem pelo menos cinco edifícios abandonados pertencente à Marinha ou aos Portos).

2. Desde há muito defendo uma gestão integrada do património imobiliário do Estado, afetando-o a uma entidade de gestão centralizada, a quem os serviços pagariam uma renda.  Orçamentalmente neutro (porque o Estado receberia de um lado as rendas que pagaria por outro), este sistema permitiria não somente racionalizar o uso dos edifícios afetos ao Estado mas também revelar mais cabalmente os custos dos serviços públicos, independentemente de funcionarem em edifícios públicos ou arrendados.
    Além disso acabaria com o atual "feudalismo patrimonial", segundo o qual cada ministério considera ciosamente como sua propriedade exclusiva os imóveis do Estado que estão a seu cargo.
           Desperdício público (2)
Nem de propósito, o Público de hoje revela que os edifícios dos tribunais encerrados na reforma do mapa judiciário continuam desocupados e sem destino.    É um escândalo. Trata-se em geral de edifícios nobres, espaçosos e bem localizados nas povoações. Em suma, valiosos.   Se o Ministério da Justiça não tem serventia para eles, deve ser obrigado a cedê-los para outros usos públicos ou a colocá-los no mercado.
    Infelizmente o mesmo se passa com muitas das escolas encerradas. E os exemplos poderiam multiplicar-se (como, por exemplo, o antigo hospital pediátrico de Coimbra).     Se há exemplo gritante de incúria e incompetência no setor público ele está justamente na gestão do património imobiliário.


Publicado por Xa2 às 07:46 | link do post | comentar

Terça-feira, 28.04.15

Neo-fundamentalismo cristão   (-23/03/2015 por J.Mendes, Aventar)

dementes

     Por estes dias, o João José Cardoso chamou-me a atenção para uns indivíduos que, simpatia a dele, considerou mentecaptos. Confesso que, ao ver tamanhos primatas em semelhante êxtase fundamentalista, algo que pelos vistos até foi saudado por algumas camadas adeptas do nacional-socialismo cá da terra, que criticam as manifestações e os pedidos de demissão que vão sendo dedicados a alguns dos nossos parasitas governamentais mas que pelos vistos até vêm com bons olhos uma intervenção militar do Estado mais violento do planeta contra um governo que, corrupto ou não, foi democraticamente eleito, fico ainda mais certo que não há sebastianismo que se equipare ao saudosismo fascista que alguns idiotas por cá cultivam. Deus nosso senhor tenha misericórdia da sua alma e que a cada um cresça uma pequena Cerejeira no rabiote.

     Por falar em fundamentalistas, e na falta de quem entre as hostes cristãs rivalize com os paranóicos bombistas que acreditam na fábula das 40 virgens, o meu amigo Simão, homem de bons devaneios que apesar de inúteis oferece de forma gratuita, apresentou-me estes lunáticos da Igreja Universal do Reino de Deus e o seu exército de seres inenarráveis auto-denominados Gladiadores do Altar. Felizmente ainda ninguém lhes parece ter dado uma arma para a mão, mas, considerando o crescente poder da IURD e de outros paranóicos evangelistas no Brasil (Ig.Mundial do Poder de D.; Assembleia de D., ig. pentecostal; Ig.Internacional da Graça de D.; Ig. Apostólica Renascer em Cristo; ...), não deve faltar muito tempo até que este grupo de radicais se transforme numa espécie de força paramilitar ao serviço de homens que se dizem ao serviço de Deus mas que estão apenas ao serviço deles próprios, tal como as contas bancárias destes “profetas” revelam.

     Saudações suspeitas com o braço direito em riste, formações militares e marchas, uniforme verde-tropa e palavras de ordem, e tudo isto dentro de uma igreja. Ou lá o que aquilo é. Chega a ser assustadora a naturalidade com que um batalhão de tropas da IURD entra pela igreja a marchar e bate continência ao pastor-general. Até Dilma Rousseff bate continência ao controverso fundador da IURD, Edir Macedo, homem que pede o dízimo ao pé descalço e se desloca de helicóptero, tal é o seu desprendimento dos bens terrenos.

     Já imaginou reunir a rigidez das Forças Armadas com a religião? O poder dessa conjunção já é conhecido mundo afora, mais recentemente entre organizações do fundamentalismo islâmico, como a Al Qaeda e o Estado Islâmico. Mas não é preciso ir tão longe. No Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus fez o mesmo, mas lançando mão da fé evangélica e cristã.

     Intitulados ‘Gladiadores do Altar’, esse grupo ganhou uma série de vídeos no YouTube, os quais mostram homens sendo preparados para a obra de Deus, segundo o bispo Renato Lucas, em vídeo gravado em um encontro no Piauí. O adversário? “O inferno”, de acordo com o mesmo bispo, sem dar detalhes sobre quem seriam esses ‘demônios’.

     Segundo o site da Universal, o programa Gladiadores do Altar está ligado à Força Jovem Universal e foi lançado em 2014, sendo voltado para a preparação de rapazes de “diversas idades para servir a Deus no Altar”. Durante toda a manhã desta terça-feira, a igreja retirou do ar vários vídeos de cultos do grupo. Ainda é possível encontrar alguns no YouTube.

     O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) postou uma foto dos Gladiadores do Altar em seu perfil do Instagram, com um texto no qual se diz chocado com a “milícia” que, segundo ele, vem sendo formada pelo “fundamentalismo religioso do País”.

     “O fundamentalismo cristão no Brasil (e na América latina, nos EUA, em Portugal, Angola, ...) tem ameaçado as liberdades individuais, a participação/opção política, a justiça, a educação/ ensino, a diversidade sexual e as manifestações culturais laicas. Agora ele está formando uma milícia que, por enquanto, atende pelo nome de ‘Gladiadores do Altar’”, escreveu o parlamentar.

     “Quando começarem a executar os ‘infiéis’ e ateus e empurrarem os homossexuais de torres altas como vem fazendo o fundamentalismo islâmico no Oriente Médio? Não é porque tem a palavra ‘cristão’ na expressão que o fundamentalismo cristão deixa de ser perigoso e não fará o que já faz o fundamentalismo islâmico”, acrescentou Wyllys.



Publicado por Xa2 às 07:29 | link do post | comentar | comentários (2)

Quinta-feira, 05.11.09

No topo do ranking das escolas: o ''meu'' colégio Mira Rio ou o meu mergulho na Opus Dei

Passei os olhos por aqui e fiquei a saber que o colégio que frequentei entre os 3 e os 14 anos, este ano, ficou no topo do ranking das escolas. Cada pessoa é um mundo. Cada pessoa tem a sua experiência. Os pais são livres, naturalmente, de escolherem a escola dos seus filhos. Mas nem sempre os filhos, quando são pequenos, bastante pequenos, contam aos pais o que os amedronta. Lembro-me da provocação do C. Hitchens ao perguntar se a religião é abuso de menores. Às vezes é.

No Mira Rio onde cresci, nunca ouvi falar de um deus misericordioso, de um deus pai, nunca ouvi falar de amor. A religião foi-me essencialmente incutida por duas vias:

a via dogmática, que se traduzia em muito cedo já saber declamar as provas extra-bíblicas da existência de Cristo;

e a via do medo, esta muito eficaz, porque o pecado, venial e mortal, nas suas consequências, se não sanados, eram ilustrados até à náusea.

Insistia-se bastante no limbo, mas, sobretudo, e este é o aspecto fulcral do meu Mira Rio, havia uma atenção doentia, por parte do colégio e do preceptorado, aos pecados da carne. De resto, os sacerdotes do opus dei ajudavam no terror.

A primeira aproximação que tive às consequências do fenómeno do desenvolvimento (futuro) do meu corpo e da minha cabeça pecadora foi a explicação de que o dito corpo era o templo do espírito santo. Ora, o templo não pode sentir o que quer que seja. Isto foi terrivelmente explorado ao ponto de ser convocada uma reunião com a directora do colégio no dia em que a mesma entendeu que nós, a minha turma, já teríamos sido visitadas por um acontecimento que inicia fatalmente a inclinação para o pecado da carne, de resto bastante provocado por uma espécie que nos era estranha - os rapazes. Esse acontecimento era a menstruação. Sim, ele foi-nos explicado em associação com o pecado.

A tarde estava amena, eu era muito pequena, mais do que as outras, e pela primeira vez na vida percebi a dor da diferença. É que eu ainda não era menstruada. Eu nunca tinha pensado em sexo. Quando a directora desatou a falar no fenómeno sanguinário, no pecado, na gravidez fora do santo matrimónio, na propensão masculina para nos atrair para o pecado, senti-me uma ilha e, claro, comecei, nesse dia, a pensar em sexo.

Na confissão, precedida de uma lista de presença pública semanal, recebíamos uma folha com os dez mandamentos e para cada um, sugestões de pecados. Assim, o nosso exame de consciência seria induzido e mais completo. No sexto mandamento, o fatídico da castidade, perguntava-se, por exemplo: demoro-me, no banho, a contemplar o meu corpo?

Lembro-me de ser muito nova e de pensar demoradamente nesta pergunta. Lembro-me de tomar banho em dois minutos para não pecar. E lembro-me de pensar demoradamente noutras perguntas do mesmo calibre.

Tal como na inquisição, a sugestão é tão minuciosa que a criança acaba por acreditar que fez aquilo, mesmo que o não tenha feito, e que se o fez cometeu o tal pecado digno do fogo que a Virgem Maria fez a graça de mostrar aos três pastorinhos e que a professora nos deu a ver ilustrado num desenho.

O sacerdote fez-me perguntas de uma minúcia que nunca vi, como advogada, serem feitas em tribunal. O meu corpo, o corpo de uma criança, foi escrutinado atrás de uns quadradinhos de madeira, o confessionário. Havia também a professora Sofia, que depois de uma asneira grande que fiz com 9 anos, vendo-me comungar, me levou para uma sala fechada e explicou-me que eu recebera do corpo de Cristo em pecado mortal. Convenceu-me, sem apelo nem agravo, de que estava condenada ao inferno.

Passei muitas noites da minha quarta classe a adormecer com medo, com uma ideia da esperança de vida, tendo a minha por inútil, já que fatalmente condenada ao inferno. A professora Sofia torturou-me de muitas outras maneiras.

O ensino era bom? Sim. Havia professoras boas? Sim. Havia boas pessoas? Sim. Fiz amigas e apesar de tudo, com elas, recordações felizes? Claro.

Mas às vezes a religião é abuso de menores. Este é apenas uma parte do meu relato pessoal. Não é um relato de ensino de sucesso.

Aos 14 anos fui para a escola pública. Fiquei em choque durante um mês. Descobri rapazes, pobres, ateus, conflitos sociais e debate livre de ideias. Ao mesmo tempo, descobri outros católicos.

Católicos que me falaram pela primeira vez em amor em vez de pecado, em perdão em vez de castigo, em fazer em vez de apenas rezar. Descobri, com esses católicos, a acção social. Descobri que há um deus de todos que a todos ama e que a todos aceita. Na verdade, um pai, que nunca, por natureza, renega um filho.

Foi assim, na escola pública, no meu Rainha Dona Amélia, que não ficou no topo do ranking das escolas, que me deram a dimensão de pessoa. Mais tarde disse adeus a Deus. Mas sem mágoa, porque foi de outro deus que me despedi.

[Jugular, Isabel Moreira  via  Esquerda Republicana]



Publicado por Xa2 às 07:44 | link do post | comentar | comentários (1)

MARCADORES

administração pública

alternativas

ambiente

análise

austeridade

autarquias

banca

bancocracia

bancos

bangsters

capitalismo

cavaco silva

cidadania

classe média

comunicação social

corrupção

crime

crise

crise?

cultura

democracia

desemprego

desgoverno

desigualdade

direita

direitos

direitos humanos

ditadura

dívida

economia

educação

eleições

empresas

esquerda

estado

estado social

estado-capturado

euro

europa

exploração

fascismo

finança

fisco

globalização

governo

grécia

humor

impostos

interesses obscuros

internacional

jornalismo

justiça

legislação

legislativas

liberdade

lisboa

lobbies

manifestação

manipulação

medo

mercados

mfl

mídia

multinacionais

neoliberal

offshores

oligarquia

orçamento

parlamento

partido socialista

partidos

pobreza

poder

política

politica

políticos

portugal

precariedade

presidente da república

privados

privatização

privatizações

propaganda

ps

psd

público

saúde

segurança

sindicalismo

soberania

sociedade

sócrates

solidariedade

trabalhadores

trabalho

transnacionais

transparência

troika

união europeia

valores

todas as tags

ARQUIVO

Janeiro 2022

Novembro 2019

Junho 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

RSS