Ouvir a Helena Garrido (HG) na Antena 1, esta manhã, fez-me perceber
o mote dos próximos tempos para o combate ideológico da direita. Citando de memória, disse ela sobre o futuro Governo Costa:
1) Vai ser extremamente interessante ver como vai o Governo Costa quadrar a distribuição de mais rendimento com a redução do défice orçamental e do défice externo;
2) Que o que importa é que o emprego cresça e que as desigualdades diminuam;
3) Todos nós gostamos de ter mais rendimento, mas a economia tem destas coisas: tem consequências. E não podemos distribuir o rendimento que não temos;
4) "Esperemos que tudo corra bem porque é importante manter o PS no espaço político português".
A primeira frase é interessante porque a HG foi das directores de jornais económicos e
opinion makers económicos que,
de 2010 a 2014, abraçou literalmente a vinda da troika e defendeu uma estratégia recessiva ("A recessão de que precisávamos vem aí. Falta chegar a governação que oriente o país para o regresso da prosperidade", 14/5/2010); pugnou por um
corte dos apoios sociais como única forma de equilibrar as contas orçamentais ("o congelamento dos apoios sociais, como o Rendimento Social de Inserção, reclama de todos nós o regresso a atitudes mais solidárias e menos dependentes do Estado no combate à pobreza", 22/3/2010); sustentou com veemência uma
redução da dimensão do Estado, criticou o Governo quando este titubeou na reforma do Estado ("Sabia-se há muito, há mais de uma década, que a correcção das contas públicas era impossível sem
reduzir salários, pensões e apoios sociais. A troika chegada com a ajuda externa parecia ser a salvação para o bloqueio em que se encontrava o regime político. Foi essa a esperança de nós. Vã esperança", 26/11/2013); defendeu até em 2014 a redução salarial (mesmo dos rendimentos brutos)
para aumentar a competitividade externa ("Os salários e as pensões terão inevitavelmente de ser reduzidos. É uma ilusão pensar que se consegue resolver o problema de outra forma. Não existe nenhuma despesa pública com dimensão suficiente para controlar a dinâmica da dívida pública", 19/6/2014; "Com inflação baixa, impedir que os preços e salários diminuam é condenar o país ao desemprego, é colocar Portugal a produzir menos do que aquilo que consegue", 17/12/2013; "Proibir
o despedimento, congelar rendimentos ou regras de aumentos salariais quando a empresa vende menos ou o Estado recebe menos impostos, ou tem de gastar mais para apoiar quem mais precisa, é reivindicar o direito a ter sol todos os dias", 7/3/2014). E
defendeu a austeridade como forma de clarificação ("Nós não estamos a empobrecer. A questão é que nunca enriquecemos. Estamos basicamente a regressar à dura realidade do rendimento que tínhamos antes de entrarmos para a moeda única", 21/2/2014). Uma austeridade que deveria prosseguir mesmo sem troika ("É da capacidade em disciplinar as contas do Estado que depende agora o nosso futuro e o sentido total dos sacrifícios que fizemos durante os últimos três anos", 1/1/2014).
No âmbito d
esta luta ideológica, é interessante ver que,
apesar dos falhanços económicos da estratégia (neoliberal) seguida pelo Governo (PSD-CDS) – fraca redução do défice orçamental e subida da dívida pública, aumento brutal do desemprego, subida da emigração, ampliação do fosso das desigualdades - e que apenas teve melhores resultados quando se atenuou a austeridade, ainda se pensa como dantes. Menos austeridade implica mais défice orçamental.
Na verdade, nada parece ter mudado na cabeça da HG,
apesar da sua responsabilidade sobre o que se passou em Portugal. Sim, responsabilidade.
A comunicação social é um fortíssimo meio de condicionamento social. E a comunicação social não deve afastar de si as
responsabilidades que igualmente teve neste país.
Portugal aplicou das mais brutais "receitas" de austeridade de que há memória na nossa História,
destruiu vidas profissionais e de famílias, empurrou – e ainda empurra -
milhares de pessoas para a emigração. Tudo
sob o lema "não há alternativa", um lema
falso e - pior que tudo -
ineficaz.
E apesar disso, tudo aponta para que a comunicação social, não só não tenha aprendido com esse seu fardo social, como ainda por cima
mantém de pé todo o edifício de crenças, de modelos económicos. Quando as dificuldades surgirem, não se tenha ilusões, todo o argumentário voltará intacto.
O jornalismo é assim: em geral, não há tempo para pensar, quanto mais para estudar. Mas
não podemos
ser inocentados por isso. Temos culpas no cartório.
Veja-se a frase "Não podemos distribuir o rendimento que não temos". O que está pressuposto é que o Governo vai lançar pela janela rendimento e, como não produzimos bem, será um rendimento artificial que vai encarecer o preço das mercadorias nacionais e dificultar a sua venda, provocando menos exportações, mais importações e mais desemprego. Na verdade,
este raciocínio em nada tem em conta a estrutura de custos das empresas, nem os impactos das medidas adoptadas, nem de uma nova redistribuição do rendimento. Pressupõe apenas
um primado das empresas, porque são elas que criam emprego, quando na verdade, as coisas são bem mais complexas. Não há sociedades saudáveis com empresas em que os trabalhadores não tenham vidas saudáveis. O mal não está na simplificação da realidade, mas no
pensamento distorcido sob a forma de lição para o povo.
Mas a HG tem razão num ponto: o desequilíbrio externo. Vai ser um berbicacho. E terá de ser resolvido. Aliás, gostaria de
ver este XXI Governo adoptar aquilo que nenhum outro o fez:
uma estratégia nacional de defesa da produção portuguesa, não apenas para exportação, mas de substituição de importações. [
Não é pôr barreiras físicas, 'técnicas' ou legais às entradas - proibidas pela UE e tratados comerciais-, mas sim melhorar/alargar valores, práticas e modelos. Os japoneses fazem-no há muitas décadas, sendo na sua cultura considerado 'de mau gosto', 'quase traidores' os que adquirem arroz e outros produtos e serviços estrangeiros havendo nacionais (e também o fazem os alemães, os americanos, ...)]. Mas durante décadas,
o pensamento económico de direita – adoptado igualmente pelo PS – desvalorizou essa questão, apoiando-se
no facilitismo de que mais comércio era igual a mais rendimento para todos. E na verdade
perdemos empresas, empregos, rendimento criado que passou a ser exportado.
Interessante é o remate sobre o PS. Pressupõe que, por detrás da ideia "queremos que isto corra bem" está a de que há uma elevada probabilidade de correr mal e que, nesse caso, o PS se vai desfazer, dilacerado entre a esquerda e a direita. Mais uma vez,
está subjacente aquilo que a HG sempre defendeu e que não vê como
o fim real do PS: um
pacto PS/PSD/CDS (“Como saímos desta embrulhada? Basta que PS e PSD tenham a coragem de tomar as medidas que são necessárias", 23/9/2010; "Nenhum político deseja para o seu povo uma austeridade contínua e feita de permanente instabilidade, em que não se sabe quanto se vai ganhar amanhã. E todos os políticos dos partidos
do arco da governação querem que Portugal se mantenha no euro (...). Eis uma base bastante sólida para um entendimento", 13/3/2014).
Eis o que vai ser defendido diariamente na Antena 1. (e na maioria dos outros media, academias, 'think tanks', consultoras, manifestações, associações patronais, ...)
C. Scarllaty: Tudo não passou de uma Golpada de Erdogan para conseguir uma revisão constitucional que o torne único e perpétuo ditador eleito! - ... se analisarmos bem todo o "filme" é por demais evidente. Além disso, os militares que encabeçariam a rebelião... onde estavam? Nunca apareceram!!! - Os soldados foram mandados para a rua ao "Deus dará". (nem procuraram tomar/controlar mídia, infraestruturas estratégicas, ...- foram simples 'peões' enganados e mandadas para 'abate' **- tal como os 'camisas castanhas' nazis depois substituídos pelas SS de Hitler.) Uma conspiração a sério nunca teria esse final, daí que os EUA e a UE tenham vindo deitar logo 'água na fervura'! Demasiado evidente, até para um leigo.
----- É um islamofascista mas é o nosso islamofascista (-j.simões, em 17.07.16, derTerrorist)
[A imagem é da primeira página do La Voz de Galicia]
---- O golpe de Erdogan (-Carlos Fino, 18/7/2016, jornalTornado)
… e levantou até suspeitas de que a aparente tentativa de golpe poderia afinal ter sido montada pelo próprio presidente do país.
Eleito chefe de Estado em 2014, depois de 11 anos consecutivos no poder como primeiro-ministro, à la Pútin, Recep Erdogan embarcou desde então numa deriva autocrática cada vez mais acentuada e pode agora, a pretexto da tentativa de golpe, reforçar exponencialmente o seu poder.
O imã muçulmano Fethullah Gulen, líder do Hizmet (Serviço), um movimento social e religioso com grande influência, que começou por apoiar Erdogan, mas depois se transformou num dos seus maiores opositores, foi um dos primeiros a levantar essa hipótese. Do seu auto-exílio na Pensilvânia, onde se refugiou no final dos anos 90 para escapar da perseguição do regime, Gulen afirmou: “É possível que estejamos perante um golpe montado a fim de justificar mais acusações”.
Inépcia ou engano?
Os militares chegaram a atacar a sede do Parlamento(*) e um helicóptero disparou contra os populares que vieram para as ruas protestar. Houve também aparentes tentativas de controlar a rádio e a televisão, mas – espantosamente! – a internet continuou a funcionar e foi através dela (FaceTime) que Erdogan se dirigiu aos seus apoiantes para virem para as ruas resistir.
Se a tentativa de golpe foi genuína, os militares envolvidos deram provas de grande descoordenação e inépcia, mais parecendo estarem a executar um acto desesperado do que uma acção bem pensada e planeada. E no momento da verdade parece não terem tido estômago (ao contrário do general Al-Sisi, no Egipto, em 2013) para enfrentar e reprimir em grande escala a população que protestava.
Ainda assim, dos confrontos resultaram quase três centenas de mortos, mais de cem entre os próprios militares, que baixaram as armas e passaram a ser perseguidos e atacados pelos populares.
Mas também não é de excluir que muitos dos membros das forças armadas envolvidos tenham sido induzidos em erro quanto à finalidade da operação. No sábado, alguns afirmaram terem sido enganados, dizendo que antes de saírem dos quartéis lhes comunicaram que se tratava de um simples exercício…
Uma “dádiva dos céus”
Real ou fictícia, a aparente tentativa de golpe conferiu a Erdogan um pretexto suplementar para intensificar a perseguição aos seus adversários que, numa espécie de golpe de Estado larvar, vem promovendo desde 2013, quando ainda primeiro-ministro, reprimiu violentamente as manifestações contra um polémico projecto urbanístico numa das praças centrais de Istambul.
Quando, em Dezembro desse mesmo ano, rebentou um escândalo de corrupção em que estariam envolvidos membros da sua própria família (um esquema em que eram violadas as sanções americanas contra o Irão), Erdogan fez saneamentos em massa no aparelho de Estado, em particular na polícia, ministério público e judiciário e praticamente suprimiu a liberdade de expressão e de imprensa no país. A Turquia é o quarto país do mundo com mais jornalistas presos.
Por outro lado, Erdogan voltou a reprimir severamente o movimento pela autonomia dos curdos, ao mesmo tempo que intensificava a participação do país na guerra da Síria (de facto contra os curdos e resistentes ao Daesh...), o que levou à reação dos islâmicos radicais, traduzida em sucessivos atentados terroristas.
Criou-se assim um clima de grande tensão e medo, com o país cada vez mais radicalizado e muito dividido entre os incondicionais do presidente e os seus adversários, quase em proporções idênticas.
Agora, real ou fictícia, a tentativa de golpe confere a Erdogan uma oportunidade de ouro (“uma dádiva dos céus”, na sua própria expressão) para intensificar o seu domínio, afastando o que resta da oposição no aparelho de Estado e criando no país um clima de intolerância, em que não há mais adversários, mas apenas inimigos e que em toda a oposição é tratada como um vírus que precisa de ser extirpado.
Desde que os militares regressaram aos quartéis, já foram detidas mais de 6000 pessoas e as autoridades estão inclusive a pensar alterar a lei para permitir a pena de morte para os golpistas, o que constituiria violação do princípio básico da não retroactividade do Direito. Também no sábado foram afastados quase três mil magistrados, incluindo pelo menos um do Supremo Tribunal. O objectivo parece ser o de substituir o regime parlamentar vigente por um regime presidencialista (absoluto/ ditatorial), em que todo o poder estaria concentrado nas mãos do chefe de Estado.
Depois da caça às bruxas e da limpeza radical da administração pública agora em curso, com as vozes da oposição silenciadas, Erdogan conta ter o caminho livre para fazer aprovar essa viragem, seja por votação no Legislativo, seja por via de um referendo, que no clima exacerbado actual certamente teria facilidade em ganhar.
Mais fácil dizê-lo, no entanto, do que concretizá-lo. A ideia – fomentada por razões estratégicas pelos Estados Unidos – sempre desagradou a algumas elites europeias, em particular na França, e agora, com a deriva autoritária de Erdogan, esses planos parecem cada vez mais remetidos para as calendas gregas. (...)