Finalmente, todos os partidos representados na Assembleia Legislativa da Madeira (e até deputados independentes) se puseram de acordo. E sem bandeiras nazis, abandonos do hemiciclo ou ameaças de pancadaria.
O suave milagre foi conseguido pelo Ministério Público, que reclama dos partidos madeirenses a devolução de verbas recebidas nos anos de 2006 e 2007 para a actividade parlamentar e que, segundo o "Público", foram desviadas "para pagar propaganda partidária e a campanha das regionais de 2007, ou até para comprar e reparar viaturas de uso privado".
O festim financeiro envolve algo como 6,3 milhões de euros, generosamente distribuídos pelo PSD (4,4 milhões), PS (1,3 milhões), CDS (229 mil), dois deputados independentes (170 mil), PCP (159 mil), BE (62 mil) e PND (25 mil). O MP aplicou ainda aos líderes parlamentares, todos suspeitos de crime de peculato, multas de 9 800 euros.
Obviamente ninguém pagou. As razões são ponderosas (são mesmo as mais ponderosas de todas) e os partidos da Madeira esqueceram divergências e juntaram a voz num coro por uma vez unânime: "Não devolvemos o dinheiro! Já o gastámos!". Apoiados no parecer de um dos escritórios de advogados do costume, querem responder perante o Tribunal Constitucional. Aí, ao menos, 10 dos 13 juízes são escolhidos pelos partidos e os outros 3 cooptados por esses 10. [JN]
E nós a vê-los contratar
In [JN]
De vez em quando vem a público, e logo é esquecida, a notícia de mais uma dessas inúmeras heterotopias jurídicas que é de uso designar de parcerias público-privadas, através das quais, sempre da mesma maneira, dinheiros públicos acabam em bolsos privados.
Desta vez é a Fagar, empresa de águas e resíduos sólidos de Faro criada há sete anos pela Câmara com capitais maioritariamente municipais e em parceria com a AGS (grupo Somague, detido pela espanhola Sacyr).
Uma auditoria do Tribunal de Contas descobriu que a Fagar representou, de 2006 a 2010, uma hemorragia de dinheiros públicos da ordem dos 3,6 milhões de euros, sendo que, a manter-se a "tendência crescente" de derrapagem, serão precisos 25,6 milhões para reequilibrar as contas até ao termo da parceria entre a Câmara e a Sacyr. O curioso do negócio é o mesmo curioso (chamemos-lhe assim, embora haja palavra mais adequada) de outros negócios do género: os riscos correm todos por conta do sector público; o capital privado, mesmo que a coisa dê prejuízo, tem contratualmente assegurada uma rentabilidade de 8,41% (paga adivinhe o leitor por quem).
Como se vê, não são só os chineses que fazem em Portugal negócios da China. Quando se trata de capital privado a render à sombra da árvore das patacas pública, os nossos eleitos não descriminam ninguém, dos espanhóis da Sacyr aos angolanos do BPN. Até porque o dinheiro não é seu e a impunidade está garantida.
Que pensaria um cidadão comum se alguém em quem tivesse confiado e com quem tivesse feito um acordo, apanhando-se com o acordo na mão, violasse todos os compromissos assumidos fazendo exactamente o contrário daquilo a que se comprometera?
Imagine agora o leitor que esse alguém é um político que obteve o seu voto jurando-lhe repetidamente que faria determinadas coisas e nunca, nunca!, faria outras ("Dizer que o PSD quer acabar com o 13º mês é um disparate"; "Do nosso lado não contem com mais impostos"; "O IVA, já o referi, não é para subir").
Um político que lhe jurou que "ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam" e que fez o que a própria CE já reconheceu, que em Portugal as medidas de austeridade estão a exigir aos pobres um esforço financeiro (6%) superior ao que é pedido aos ricos (3%, metade).
Um político que lhe garantiu que "não quero ser eleito para dar emprego aos amigos; quero libertar o Estado e a sociedade civil dos poderes partidários" e cujos amigos aparecem, como que por milagre, com empregos de dezenas e centenas de milhares de euros na EDP, na CGD, na Águas de Portugal, nas direcções hospitalares e em tudo o que é empresa ou instituto público.
Quando os eleitos actuam impunemente à margem de valores elementares da sociedade como o da honra e o do respeito pela palavra dada não é só o seu carácter moral que está em causa mas a própria credibilidade do sistema democrático.
In [JN]
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