
2. Ao sugerir que o país deve continuar no trilho de uma economia assente em baixos salários e no «empobrecimento competitivo» - em nome da obediência doentia e acrítica às regras europeias de disciplina orçamental - Cavaco parece não dar conta de alguns sinais interessantes que chegam do exterior, e que se somam à naturalidade com que «os mercados» acolhem a formação de um governo PS, com o apoio da maioria parlamentar que resultou das eleições de 4 de Outubro. Neste sentido, talvez o presidente devesse prestar mais atenção a declarações como as de Vítor Constâncio («a flexibilidade do PEC deve ser explorada totalmente»), ou ao recente reconhecimento, pelo BCE, de que «a política monetária está a falhar no essencial».
3. Mas não. Cavaco Silva prefere continuar a agitar fantasmas, rodeando-se em Belém de economistas - como Daniel Bessa - que se dispõem a rejeitar a vertente do «consumo interno», sem sequer reconhecer que a receita que defenderam, no início da crise, redundou num fracasso. Como bem lembra Pedro Lains, «repetir o repetido não faz uma verdade. A economia tem sempre pelo menos dois lados, oferta e procura, poupança e investimento, o interno e o externo e o que interessa são políticas equilibradas que tomem isso em consideração. É isso que o Programa económico do PS traz. O programa da troika adoptado com vigor pelo anterior Governo, esse, era seguramente para consumo externo. E falhou».
4. E «de onde vem o dinheiro?», perguntam muitos dos que querem que o eleitorado encare o acordo à esquerda como uma perigosa aventura de radicalismo e irresponsabilidade, congeminada na suposta capitulação do PS perante os devaneios do BE, PCP e PEV. O José Gusmão já respondeu, em artigo no Público que merece ser lido na íntegra. Detalhando as principais alterações introduzidas no programa eleitoral do PS, dele sobressaem, entre outras, três ideias essenciais: o acordo «foi negociado com base na premissa de que os compromissos financeiros de Estado português seriam observados»; as medidas acordadas «visam concentrar o estímulo económico nos rendimentos mais baixos, em detrimento de mais reduções contributivas para os empregadores»; «a folga orçamental obtida na TSU permitirá acomodar a mais do que provável derrapagem orçamental de 2015, protegendo por antecipação os rendimentos do trabalho e das pensões e o Estado social». Deixem pois de insistir em que não há alternativas consistentes e credíveis à agenda ideológica da austeridade. Elas existem, mesmo que o caminho seja estreito.