A coisa pode render cem milhões de euros. É impressionante como conseguimos perder tempo com o acessório. Os cortes que a troika exige são de tal magnitude que estamos a falar de trocos para dar boas notícias. Assim parecerem benignos. Para parecer que é mesmo nas "gorduras do Estado" - adoro esta linguagem dietética, que tanta gente repete sem pensar no que está a dizer - que se está a cortar. Os cortes que a troika exige - e que quem domina a Europa e as instituições que representam os interesses financeiros defende - só podem, pela sua dimensão, ir aos três principais destinatários das despesas públicas: saúde, educação e prestações sociais. Sozinhos, eles ficam com grande parte do bolo da despesa pública.
Podemos perder muito tempo com floreados, cargos dirigentes para aqui, despesas intermédias para acolá. O objetivo da ideologia da austeridade, que pretende tirar dos cidadãos para dar aos privados, é atacar estes três pilares fundamentais do Estado Social para os entregar a quem sabe que ali estão, por serem bens essenciais, negócios demasiado apetitosos para serem direitos universais e gratuitos.
É nisto que temos de falar. Mas é disso que o governo e os seus ideólogos querem falar menos. Porque quando falamos de reforma, de hospital público ou de escola pública tudo fica a parecer mais feio. Custa dizer que a segurança na velhice e o direito à saúde e a uma educação decente para todos são "gorduras", não custa? Mas enquanto discutimos as migalhas há quem vá preparando a distribuição do bolo.
Contar com um primeiro-ministro capaz de disciplinar os membros do governo, impedindo-os de entrar numa lógica de disputa dos recursos financeiros do Estado é meio caminho para assegurar uma boa imagem ao ministro das Finanças. Até Cavaco Silva, que promovia a imagem do “homem do leme”, foi incapaz de impedir as disputas entre ministros e o resultado foi a passagem pelo ministério das Finanças de vários economistas de mérito reconhecido que, apesar da reconhecida competência técnica, foram incapazes de se impor . É por isso que enquanto Sócrates só teve dois ministros das Finanças e teria tido apenas um se não fosse o erro de casting cometido com Luís Cunha, enquanto Cavaco coleccionou ministros nessa pasta, desde Miguel Cadilhe a Catroga.
Durante quatro anos a receita fiscal resultante de cobrança de dívidas e o aumento de eficácia induzido pela crescente informatização permitiu a muita gente do fisco ganhar a áurea de competência, à custa do trabalho de uma equipa reduzida e do empenho de muitos (não todos) os directores de finanças e chefes dos serviços de finanças. À conta do sucesso da cobrança das dívidas a receita fiscal foi empolada e declarou-se vitória no combate à fraude e evasão fiscais.
Por conta deste sucesso um director-geral mediano foi elevado a herói nacional com direito a prémios públicos e promoção no banco, os incompetentes nomeados por Manuela Ferreira Leite para altos cargos de onde foram saneados os que não faziam parte do PSD foram reconduzidos e louvados, as vozes críticas foram perseguidas em defesa do bom nome da instituição, os mais de milhares de funcionários do fisco foram vasculhados e chegou-se ao ridículo de pedir ajuda à Interpol para perseguir vozes críticas.
Só que não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe e, mais tarde ou mais cedo, a mina das dívidas de cobrança fácil haveria de acabar, as receitas extras já não vão dar para encobrir a incompetência, a prepotência, o desrespeito pelos direitos de cidadania. Passados cinco anos de gestão do actual ministro o fisco está como o encontrou, o PRACE passou ao lado e nem sequer se resolveram todos os problemas resultante da confusão lançada nas carreiras.
Agora sim o ministro vai perceber porque razão o fisco desempenha funções de soberania, algo que lhe foi retirado apesar de uma boa parte do discurso político se centrar nestas questões. Num país quase falido não incluir o fisco nas funções de soberania ou quase desmantelar a antiga Brigada Fiscal é quase um crime, mas como as receitas estavam em alta podia-se esquecer isso e até nem se preocuparem muito com a continuação da modernização da máquina fiscal, tudo corria bem.
Mas agora que se fala no fim da crise o país vai ser confrontado com um défice de 8%, com o desemprego a crescer e, consequentemente, com um aumento da despesa pública ao mesmo tempo que a receita vai continuar a descer, mesmo que a economia recupere tal só se reflectirá na receita alguns meses depois da recuperação económica.
Em Portugal nenhum governo sobreviveu a uma queda acentuada da receita fiscal, O PSD de Cavaco caiu quando a receita fiscal teve uma quebra acentuada, o PS de Guterres caiu (há quem diga que foi por cauda da queda da ponte) quando a receita caiu acentuadamente enquanto Pina Moura estruturava o seu poder pessoal juntando a Economia com as Finanças, o PSD voltou a cair quando, pela primeira desde 1980, a receita fiscal caiu em termos brutos, era então director-geral dos Impostos um tal Paulo Macedo, elevado pela comunicação social a guru da gestão.
Agora sim vamos saber se Teixeira dos Santos é o ministro competente de que se fala e que o país precisa, agora é a sua prova dos nove, vamos saber se é verdade que foi um sucesso o combate à fraude e evasão fiscais, se a gestão do fisco é mesmo moderna e se a passividade governamental e protecção de responsáveis incompetentes vão resultar em receita fiscal.
Em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão, é este o ambiente que Teixeira dos Santos vai ter de enfrentar e gerir. Só que não conta nem com receitas extraordinárias e vai perceber que o descontentamento do fisco é maior do que imaginava. [O Jumento-Fisco]
Um sector como a Administração Fiscal onde seria de esperar a estabilidade das regras e uma aposta total na sua eficiência tem sido sujeito a sucessivas reformas, adoptam-se reformas para iludir a má gestão. Isso explica que cada vez que sai um secretário de Estado se procure outro com estudos e doutoramentos na matéria como se alguém da Faculdade de Direito tivesse a poção para resolver os problemas.
A melhoria do sistema de cobrança de dívidas, resultado do empenho de meia dúzia de quadros e de muitos funcionários e chefes de finanças anónimos tem alimentado algumas mentiras, foram dados louvores a quem nada fez, promoveram-se incompetentes à sombra do trabalho alheio e propagou-se a mentira do sucesso no combate à evasão fiscal. Pior ainda, esta ilusão permitiu aos gangs que dominam a Administração Fiscal continuar a deter uma boa parte dos altos cargos do fisco.
Nos últimos anos pouco ou nada se fez pela modernização do fisco, nada se fez para combater a corrupção ou os esquemas de influências de gangs estabelecidos em escritórios de advocacia comandados por barões universitários, antigos assessores de Oliveira e Costa ou ex-secretários de Estado. O PRACE ou qualquer outra reestruturação passou ao lado, o SIMPLEX não chegou a domínios onde a actuação do fisco roça o vergonhoso (como o reembolso de impostos pagos indevidamente), o SIADAP apenas trouxe confusão, a reestruturação das carreiras está por concluir. Toda os dirigentes colocados na sequência do saneamento colectivo promovido por Manuela Ferreira Leite, uma boa parte deles incompetentes, foram mantidos, promovidos e até louvados, algumas das nomeações caíram que nem ginjas aos gangs estabelecidos.
Como é costume com a escolha de um novo secretário de Estado volta-se a falar de reformas, até porque os seus “altos estudos universitários” faz esperar que tenha a poção mágica que os seus antecessores, possuidores dos mesmos altos estudos não tiveram. Mas o problema do fisco não se situa nas leis mas sim numa organização arcaica que não as consegue aplicar com eficácia, disfarçando essa ineficácia com um aumento brutal da carga fiscal sobre a classe média e os mais pobres, os únicos que declaram tudo o que ganham, pagam as suas dívidas ao fisco e ainda assim são de vez em quando massacrados por vagas de multas que um qualquer funcionário mais zeloso decide cobrar.
O que a Administração Fiscal precisa é de melhorar a sua gestão, acabar com o poder de gangs que mandam mais nos serviços do que os ministros das Finanças, reestruturar um modelo orgânico ainda assente no municipalismo e em serviços geradores de burocracia, desmaterializar uma boa parte dessas burocracia e deslocar recursos para o combate à evasão fiscal.
Os últimos anos mostram como a modernização pode ter resultados perversos, seria de esperar que os investimentos na informatização desencadeassem um processo de ajustamento das estruturas e de mudança na gestão dos recursos humanos, mas sucedeu o inverso, serviu para muitas chefias que em nada contribuíram para o suposto sucesso do fisco pudessem consolidar o seu poder, impedindo qualquer mudança ficando à sombra da bananeira à custa do trabalho alheio.
Com a escolha de um novo secretário de Estado os corredores agitam-se, medem-se relações de poder, os gangs do fisco avaliam as relações que têm com o novo senhor. Mas os poderes ocultos da Administração Fiscal já ganharam uma primeira batalha, vindo dos corredores da Faculdade de Direito o novo secretário de Estado desconhece a máquina e apostará na estabilidade para não perigar resultados, isto é, tudo vai ficar na mesma. Só que um dia destes a mina da cobrança das dívidas velhas estará esgotada e nessa altura chegaremos à brilhante conclusão de que muito pouco se fez. Por enquanto estão com sorte, a crise está a disfarçar os maus resultados da máquina fiscal. [O Jumento]
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