Vivo no campo ou perto do campo, na região centro, há já alguns anos. Há três Verões que me sento a trabalhar, enquanto a cinza cai de mansinho no meu teclado, em cima dos meus livros, no chão que piso. Não tenho culpa do que é hoje este país e o regime que o representa: militei e votei sempre em partidos que apregoavam querer outro tipo de regime e deixei de militar e de votar quando vi esses partidos tornarem-se tão legitimistas como os outros
Oterritório português que está a arder - que arde há vários anos - não é um território abstracto, caído do céu aos trambolhões: é o território criado pelo regime democrático instalado em Portugal desde as eleições de 1976 (a III República Portuguesa). Está a arder por causa daquilo que o regime fez, por culpa dos responsáveis do regime e dos eleitores que votaram neles.
Ardem, em Portugal, dois tipos de território: em primeiro lugar, a floresta de madeireiro, as grandes manchas arborizadas a pinheiro e eucalipto. A floresta arde porque as temperaturas não param de subir e porque, como toda a gente sabe, está suja e mal ordenada. Não foi sempre assim: este tipo de floresta começou a crescer nos últimos 50 anos, com a destruição progressiva da agricultura tradicional, ou seja, com a expropriação dos pequenos agricultores, obrigados em primeiro lugar a recorrer à floresta pela ruína da agricultura, para, depois, perderem tudo com os incêndios e desaparecerem do mapa social do país. Também isso está na matriz da III República: ela existe para "modernizar" o país, o que também quer dizer acabar com as camadas sociais de antigamente, nomeadamente os pequenos agricultores. Em 2005, os distritos de Portalegre, Castelo Branco e Faro ardem menos que os outros e não admira: já ardeu aí muita da grande mancha florestal que podia arder, já centenas de agricultores e silvicultores das serras do Caldeirão ou de S. Mamede perderam tudo o que podiam perder.
O segundo tipo de território que está a arder, em particular neste ano de 2005, é o território das matas periurbanas, características dos distritos mais feios e mais destruídos do país: os do litoral Centro e Norte. Os citadinos podem ver esse território nas imagens da televisão, a arder por detrás dos bombeiros exaustos e das mulheres desesperadas que gritam "valha-me Nossa Senhora!": é o território das casas espalhadas por todas as encostas e vales, uma aqui, outra acolá, encostadas umas às outras, sem espaço para passar um autotanque, separadas por caminhos serpenteantes, que ficaram em parte por alcatroar - é o território das oficinecas no meio de matos de restolho sujo de óleo, montanhas de papel amarelecido ao sol, garrafas de plástico rebentadas. É o território dos armazéns mais ou menos ilegais, cheios de materiais de obra, roupas, mobiliário, coisas de pirotecnia, encostados a casas ou escondidos nos eucaliptais, o território dos parques de sucata entre pinheiros, rodeados de charcos de óleo, poças de gasolina, garrafas de gás, o território dos lugares que nem aldeias são, debruados a lixeiras, paletes de madeira a apodrecer, bermas atafulhadas de papel velho, embalagens, ervas secas. É o território que os citadinos, leitores de jornais, jornalistas, ministros, nunca vêem porque só andam nas auto-estradas, o território, onde, à beira de cada estradeca, no sopé de casa encosta, convenientemente escondido dos olhares pelas silvas e os tufos espessos de arbustos, há milhares - literalmente milhares - de lixeiras clandestinas, mobília velha, garrafas de plástico, madeiras de obras (é verdade, embora poucos o saibam: o campo, em Portugal, é muito mais sujo que as cidades).
Este território foi criado, inteiramente criado, pela III República. Nasceu da conjugação entre um meio-enriquecimento das pessoas, que, 30 anos depois do 25 de Abril, não chega para lhes permitir uma verdadeira mudança de vida, e o colapso da autoridade do Estado central e local, este regime de desrespeito completo pela lei, que começa nos ministros e acaba no último dos cidadãos. É o território do incumprimento dos planos, das portarias e regulamentos camarários, o território da pequena e média corrupção, esse sangue, alma, nervo da III República.
É evidente que a tragédia dos campos e das periferias urbanas portuguesas se deve também ao aumento das temperaturas. Para isso, o regime tão-pouco oferece perspectivas. De facto, seria necessário mudar de vida para enfrentar o que aí vem, a alteração climatérica de que começamos a experimentar apenas os primeiros efeitos: por exemplo, seria necessário reordenar a paisagem, recorrendo à expropriação de casas, oficinas, armazéns, sucatas. Seria necessário proibir a plantação de eucaliptos e pinheiros. Na cidade, pensando sobretudo nas questões relativas ao consumo de energia, seria necessário pensar na mudança de horários de trabalho, fechando empresas, lojas e escolas entre o meio-dia e as cinco da tarde de Junho a Setembro, mantendo-as abertas até às oito ou nove da noite, de modo a poupar os ares condicionados - cuja factura vai subir em flecha. Modificar os regulamentos da construção civil, de modo a impor pés-direitos mais altos, menos janelas a poente, sistemas de arrefecimento não eléctricos.
Para alterações deste calibre - que são alterações quase de civilização -, seria preciso um regime muito diferente deste, um regime de dirigentes capazes de dizer a verdade, de mobilizar os cidadãos, de manter as mãos limpas.
Vivo no campo ou perto do campo, na região centro, há já alguns anos. Há três Verões que me sento a trabalhar, enquanto a cinza cai de mansinho no meu teclado, em cima dos meus livros, no chão que piso.
Não tenho culpa do que é hoje este país e o regime que o representa: militei e votei sempre em partidos que apregoavam querer outro tipo de regime e deixei de militar e de votar quando vi esses partidos tornarem-se tão legitimistas como os outros.
Espero um rebate de consciência política por parte destes políticos, ou o aparecimento de outros. Faço como muitos portugueses: espero por D. Sebastião, desempenho a minha profissão o melhor que posso, e penso em emigrar. Historiador (Podentes, concelho de Penela)
Escrito por Paulo Varela Gomes, em 2005, no Jornal "Público" e entretanto já falecido.
Não podia estar mais actual. Meditem!
Onde está a soberania do povo?
Muito evidentemente, se os deputados fazem as leis que fazem por alguma razão será.
São experientes “especialistas” nas matérias e têm as assessorias que lhes são convenientes visto que andam, há já muito tempo, nessas andanças além de, muitos deles, trabalharem nos escritórios de colegas advogados ou nos seus próprios.
Uma boa parte deles, também, se apoderou dos aparelhos dos respectivos partidos que o mesmo é dizer de toda a máquina autárquica e do clientelismo a ela vinculado. Isto é, controlam o próprio dito "regime democrático representativo".
Como o atual sistema, incluindo a própria Constituição da República, assenta, exclusivamente, na democracia representativa, na prática estamos perante uma perigosa ditadura embrulhada por um enganador pano democrático.
O artigo 1º (CR) diz que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular …” mais adiante afirma, no artigo 108º, que “O poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição”. Aqui reside o busílis porque a constituição trava toda e qualquer iniciativa, até a do próprio referendo que, nos termos do artigo 115º, "pode resultar da iniciativa dos cidadãos" mas tem de passar pelo crivo dos deputados e do próprio Presidente da República. O nº 4, do referido artigo, exclui, imperativamente, as matérias que o povo “soberano”, vejam bem, está vedado a pronunciar-se.
Esta “democracia”, exercida única e absolutamente através dos partidos que, por sua vez, se deixaram aprisionar por interesses corruptos e onde já não existem democratas, na verdadeira acepção da palavra (veja-se a realidade interna dos partidos) não é, na realidade uma democracia. Nos termos do artigo 151º da CR as candidaturas à AR só podem ser feitas através dos partidos políticos. Aos cidadãos está vedada qualquer iniciativa não partidária. Que rica soberania popular!
Enganam-nos quendo chamam à Assembleia da República a “casa da democracia”.
Enganam-nos quando nos dizem representar o povo e governarem em nosso nome.
Enganam-nos quando nos dizem que o sacrifício de hoje é para garantir um melhor futuro para o povo.
Com estes ditadores disfarçados de democratas a dita democracia está mais perigosa que a ditadura do Oliveira, na medida em que nos torna pacíficos, amorfos, confusos, vulneráveis e sem capacidade de vislumbrar o verdadeiro inimigo. O poder legislativo.
Esta “vacas sagradas” fazem leis como a da delimitação de mandatos dos autarcas sabendo, muito bem, o que estão a fazer e por que razões o fazem.
BLOGS
Ass. Moradores Bª. Cruz Vermelha
Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
MIC-Movimento de Intervenção e Cidadania
Um ecossistema político-empresarial
COMUNICAÇÃO SOCIAL
SERVIÇO PÚBLICO
Base - Contratos Públicos Online
Diário da República Electrónico
SERVIÇO CÍVICO