Participei recentemente em Lisboa na animação de uma oficina/atelier sobre precariedade laboral e ação sindical. A iniciativa foi da BASE-FUT e contou com vários trabalhadores que tiveram experiências de precariedade, alguns dos quais nunca conheceram outro tipo de relação laboral! O relato das experiências foram extremamente ricas e as conclusões muito interessantes. Saliento em particular um ponto da reflexão que focava a questão de muitos trabalhadores viverem hoje uma espécie de «carrocel laboral» em que entram num emprego precário que dura meses e depois caem no desemprego e após algum tempo voltam a mais um trabalho precário e assim vão passando os anos sem a mínima estabilidade de vida profissional e de rendimentos. Hoje a precariedade é transversal e ameaça todos os trabalhadores, ou seja, se tu cais no desemprego será muito difícil teres depois mais algum emprego estável! Claro que os empresários e os seus ideólogos (neoliberais) defendem as vantagens da precariedade que tem várias vantagens imediatas para os negócios! Todavia também tem muitas desvantagens em particular para os trabalhadores e suas famílias. O trabalhador que vive na precariedade laboral tem menos formação,menos auto-estima e menor empenhamento na empresa. Por outro lado nunca pode planificar a prazo a sua vida e constituir uma família com estabilidade em particular se a sociedade tiver uma alta taxa de desemprego. Hoje está bem estudada a relação entre precariedade laboral e saúde do trabalhador. Mais stresse diário, mais exposição ao assédio moral e sexual, melhores condições para a doença, quer física quer psicológica. A precariedade e o desemprego são os grandes inimigos dos trabalhadores modernos. Mas o que podem fazer os sindicatos para combater a precariedade laboral? Organizar os trabalhadores precários como um grupo específico de trabalhadores que exige uma ação particular. Dentro de cada sindicato devem existir grupos organizados de trabalhadores precários com ações específicas, com apoio aos delegados sindicais que sejam discriminados e despedidos por serem delegados, com apoio juurídico e psicológico. Uma ação sindical nos locais de trabalho, sendo possível, e no espaço público através de ações simbólicas de informação dos consumidores, denúncia de práticas esclavagistas, etc. O capital utiliza a precariedade para desvalorizar o trabalho, ter mais lucros e destruir os sindicatos. É uma guerra declarada cujo objetivo final é a inteira submissão e exploração dos trabalhadores à lógica do capital. Os trabalhadores precários são um novo e importante ator de resistência e transformação social!
A propósito de uma morte que deixa um lugar vago. (...) E (na entrevista) perpassou igualmente uma sensação de dissabor, de frustração, com tudo o que se estava a acontecer, a desmoronar pela Europa naquele ano maldito de 2012. Quatro anos passados, o ambiente mudou um pouco, mas tudo está ainda por fazer.
Entrevista a Anthony Atkinson: austeridade tem de passar por mais impostos e menos cortes de despesa(- por J.R. Almeida ,
"Interessante é notar que o país em que a pobreza se tornou mais importante foi a Alemanha". (-foto: Rui Gaudêncio)
O professor britânico Anthony Atkinson diz que a preocupação europeia de reduzir o fardo das dívidas públicas, em nome dos filhos e netos dos cidadãos, não vê que os cortes nas infra-estruturas públicas não tornarão as suas vidas mais fáceis. E defende que tem de haver outra (forma de) austeridade.
Anthony Atkinson (nascido em 1944) tem um dos mais impressionantes curricula vitae. Foi conselheiro do Parlamento britânico e do primeiro-ministro francês Jospin, é dos mais conceituados especialistas em distribuição do rendimento e, na semana passada, veio a Portugal receber o seu 19.º título de professor honoris causa, concedido pelo ISEG, de Lisboa.Escreve desde os anos 60 sobre a desigualdade na distribuição do rendimento. E o tema continua actual. É um combate perdido para si?
[risos] O que me está dizer é que perdi os últimos 50 anos... [risos] Bem, penso que a resposta é não, porque temos de nos perguntar se as coisas melhoraram ou pioraram. Felizmente, acho que melhoraram. E o mais importante é que o tema está no debate público. No princípio dos anos 60, no Reino Unido, pensava-se que não havia pobreza. Tínhamos Estado-providência, pleno-emprego, crescimento económico e ninguém era pobre. Uma das coisas que me fizeram estudar Economia foi ler um livro intitulado Os Pobres e os Mais Pobres [um livro de Brien Abel-Smith, então ministro do Trabalho, 1965]. Um estudo muito famoso que mostrou que, apesar disso, havia um problema sério, nomeadamente nas famílias com crianças. E desde aí as coisas melhoraram. E pioraram também. Mas penso que as pessoas já estão alertadas e discutem esse problema ao nível europeu.
E como vê o debate actual?
Há três ou quatro anos, em plena crise, pensava-se que a adopção da Estratégia 2020 (pela U.E.) era um sinal de que se estava consciente de que a Agenda de Lisboa [que queria tornar a Europa numa das zonas mais competitivas do mundo] era insuficiente. E, na maioria dos países, fomos particularmente bem-sucedidos, em termos de crescimento do emprego. Afinal, não se estava tão consciente disso. Interessante é notar que, nesse período, o país em que a pobreza se tornou mais importante foi... [Anthony Atkinson cria suspense] Qual pensa que foi?...
A Alemanha.
Exactamente. A Alemanha expandiu o emprego, criando muitos empregos mal pagos.
Como pôde isso acontecer?
Por política deliberada. Cortando nos subsídios de desemprego para encorajar as pessoas a aceitar salários mais baixos. Mas, ao mesmo tempo, criando empregos mal pagos. E também tomando medidas para que a negociação colectiva se tornasse menos importante. E ainda pela privatização de um número considerável de sectores.
Muitas dessas medidas fizeram, nos últimos dez anos, com que subissem os baixos níveis de pobreza da Alemanha. E como se trata de um grande país, isso significa que, no seu todo, o mesmo aconteceu à Europa. E acabou por encobrir as melhorias observadas, por exemplo, em Portugal, Reino Unido e num número considerável de países.
Mas diz-se que essas medidas ajudaram a Alemanha. Há um conflito entre competitividade e coesão social?
Não penso que tenha de haver. Os custos do que foi feito é que não foram tidos em conta. O que se pensou foi que era só necessário criar empregos. Acho que é perfeitamente possível combinar esses dois aspectos. Mas não acho que se consiga reduzindo a protecção social, como fizeram. E essa foi a receita política recomendada pela OCDE noutros países. Mas acho que a própria OCDE já se apercebeu de que não resultou. Há já uma mudança de opinião.
Acha mesmo?
Sim. Porque a OCDE produziu dois importantes relatórios nos últimos quatro a cinco anos. Um chama-se Divided We Stand, Why Inequality Keeps Raising, sobre a ineficácia em reduzir a protecção social.
Mas em Portugal todas essas medidas estão a ser tomadas.
Talvez o que se tenha de fazer é lembrar aos dirigentes governamentais que há um conjunto de objectivos de longo prazo, para lá da consolidação orçamental. E que já há movimentos a defender ideias novas que o tornam possível.
Em parte, é reconhecer que se queremos baixar o nível da dívida nacional – porque é um fardo para os filhos e netos - ter-se-á de reconhecer que também não é bom para eles caso se corte em infra-estruturas públicas, hospitais, estradas, escolas, etc. E que, se o fizerem, será muito gravoso para a educação. As crianças são quem mais vai sentir esse esforço de ajustamento. É desonesto reduzir a dívida nacional para ajudar os nossos filhos e netos e, ao mesmo tempo, passar-lhes um país sem bons hospitais, escolas ou estradas e onde não lhes são dadas oportunidades para trabalhar. As suas vidas serão afectadas para sempre. Há que reconhecer que, se estamos a alterar as regras orçamentais, as despesas de capital não deveriam fazer parte do cálculo do défice orçamental. Tal como, em certos países, as despesas em educação por criança. Seria uma forma de encorajar esses países a não cortar nas escolas, etc. Isso fará com que tenham mais crianças e ajudará, no futuro, esses países. E isso é também uma forma de olhar para o futuro da Europa.
Há uma visão curta na forma como se combate o défice?
Uma visão curta e socialmente injusta. Porque, como no meu país, os mais velhos têm sido protegidos. Tirámos vantagens do crescimento anterior e os nossos filhos estão a confrontar-se com dificuldades crescentes. Exemplo disso são as mudanças climáticas que, no futuro, trarão problemas consideráveis. Há uma questão muito séria em que é preciso pensar: não é apenas como introduzir austeridade, mas igualmente quem a paga. E o aumento de impostos é uma parte importante dessa questão. Começa-se já a reconhecer – pelo menos no Reino Unido – que os impostos são motivo de discussão moral. Nomeadamente, sobre quem evita a tributação. O primeiro-ministro já veio dizer que isso até pode ser legal, mas não é correcto. Todos devem pagar impostos. Pelo menos os mais ricos.
Mas a Estratégia 2020 ainda está no papel.
Está no papel, mas acho que... As pessoas acham que se trata de conversa barata. Não é inteiramente verdade. Acho que é um desafio para os nossos cidadãos também. “Vocês assinaram isto, querem reduzir a pobreza e exclusão social na Europa em 20 milhões de pessoas, como o vão fazer? Como o vão conseguir se cortam aquilo e ali?”
É possível combinar essa estratégia com a austeridade?
Penso que sim. O que é preciso é um pacto intergeracional ou algo parecido. Temos de lidar com finanças públicas, sim; mas isso significa aumento de impostos, mais do que cortes orçamentais. Temos de mudar a forma como a austeridade está a ser feita, tendo em conta quem é que a está a pagar. Ou seja, cobrar os impostos às pessoas que não estão a pagar. Fico chocado quando há tanto dinheiro envolvido em esquemas [de planeamento fiscal, evasão fiscal]. São literalmente milhares de milhões de euros que desaparecem. Mas os objectivos da Estratégia 2020 são bastante prospectivos. Por exemplo, expandir o número de postos de educação universitária. Mas isso não se pode fazer aumentando as propinas. Temos de encorajar as pessoas. Ter-se-á de desenhar um pacote de austeridade que ajude esse esforço, e não o inverso. Pode ser feito, por exemplo, com impostos na área ambiental. Ou com impostos sobre rendimentos mais elevados.
Mas isso não afectará a competitividade da economia?
Há poucas provas que sugiram esse efeito. Muito poucas.
E tributar a propriedade?
Essa é uma boa questão que geralmente é deixada de fora. Se olharmos para a riqueza não apenas como propriedade de terras ou imóveis, mas também como acções e outras formas, nos últimos 10/20 anos a quantidade dessa riqueza duplicou face ao rendimento nacional. Aconteceu no Reino Unido e nos Estados Unidos. Isto sem contar com as pensões. A riqueza tornou-se muito mais importante do que nos anos 80. Por isso, temos de voltar a olhar para como se tributa a riqueza. Mas, mais importante ainda, como se faz a transferência dessa riqueza, através dos herdeiros. Em França ou no Reino Unido, essa riqueza tem aumentado nos últimos 10-15 anos. As pessoas recebem somas consideráveis de dinheiro sem ter de trabalhar mais.
Tributar a “morte”?Quais as suas previsões sobre a desigualdade na Europa?
Há um relatório muito interessante sobre diversos países, sobre o período a seguir à crise de 2008. Nos primeiros dois/três anos, houve alguma quebra nos rendimentos mais altos na maioria dos países. Em parte, isso deveu-se ao que foi feito pelos Governos em todo o mundo – China, Estados Unidos, G20 – que, em 2009, aprovaram o pacote de estímulo, como forma de manter os rendimentos familiares e os rendimentos mais baixos. E foi um sucesso. Nunca percebi por que isso nunca foi sublinhado. Então o PIB caiu ao redor dos 5%, mas até 2011 os rendimentos familiares não caíram tanto. Agora estão a cair. O pacote de estímulo está a chegar ao fim e começam a cortar nos subsídios. Haverá um renascimento da pobreza e acho que as coisas tenderão a piorar. Portanto, a minha previsão não é muito boa. No longo prazo, depende de como se pretende atingir os objectivos.
--[veja-se a desgraça e problemas causados pelo «neoliberalismo»/ defensores/ apoiantes e políticos neoliberais, ...https://www.theguardian.com/books/2016/apr/15/neoliberalism-ideology-problem-george-monbiot]
Realidade pura e dura: o crescimento da dívida pública tem sido constante, tanto no anterior governo PSD/CDS, como no actual governo PS. É um indicador que continua mau, mesmo com aquele solavanco para baixo em Novembro passado.
A PAF lá vai procurando malhar na Geringonça com os números que ainda não se endireitaram, esperando que os portugueses se tenham esquecido que:
A dívida pública não parou de subir com a PAF;
E que, apesar dos vários aumentos (brutais) de impostos, não conseguiram uma única vez chegar aos resultados positivos que Costa conseguiu, como por exemplo controlar o défice.
Este crescimento da dívida é insustentável. Era-o no tempo de Passos Coelho e é-o agora com Costa – alguma coisa terá que mudar. Mas, para variar, nem tudo é negativo. Não precisamos de optimismo saltitante, pois a situação não dá para tanto, mas, sinceramente, está claríssimo que o rumo que a direita escolheu no passado não nos levaria, como não levou, a lado algum.
Ao mesmo tempo que 2016 foi um ano de paz social, também assistimos a uma intensa luta de classes dentro dos escalões do IRS. Se Passos Coelho conduziu uma política brutal de austeridade que visava superar a crise espoliando pensionistas e proletarizando a Função Pública, os partidos que suportam a Geringonça manifestaram grandes preocupações sociais com os dois primeiros escalões do IRS (os de menores rendimentos declarados).
A esquerda conservadora portuguesa insiste em ter esta abordagem quase religiosa da luta de classes, chamando ao seu regaço os que considera mais pobres, mesmo que algumas realidades eleitorais no estrangeiro sugiram que são estes grupos sociais os mais firmes apoiantes da extrema-direita. O próprio PS não resistiu a esta tentação e tem no secretário de Estado dos Assuntos Fiscais o seu guru ideológico, foi quem definiu quem era rico e ficava fora da sua generosidade, esses malandrecos que ganham 2000 euros/mês. Não só foram condenados a suportar a austeridade, agora em dose dupla, continuaram com cortes e IRS em sobre-dose, ao mesmo tempo que suportam o aumento dos IECs.
A luta de classes já não é o que era, já não se assaltam palácios de Inverno, agora tudo é feito de forma ordeira por via do IRS, imposto sobre os que trabalham. A nossa versão da palavra de ordem “os ricos que paguem a crise” tem uma abordagem que foi explicada pelo tal guru do PS, que isso faz-se por redistribuição fiscal dos rendimentos. Isto é, as famílias dos primeiros escalões são aligeiradas de impostos ou os seus rendimentos são financiados pelo Estado através da TSU, e tudo isto é suportado pelos burgueses dos outros escalões. (dos que pagam impostos)
O problema é que se a política pode funcionar às mil maravilhas com base numa geringonça, o mesmo já não sucede com uma economia. Se a situação económica já não é brilhante por causa da falta de investimento, pode mesmo gripar se os tais 'ricaços' dos 2000 euros continuarem a emigrar. A verdade é que esses 'ricaços' não são só os que ganham mais, são também os que produzem mais, os que viabilizam a realização dos investimentos que apostam em novas tecnologias e os que suportam a despesa pública com os seus impostos directos e com os impostos sobre o seu consumo. São também os que investem mais na educação dos filhos e que desta forma alimentam essa coisa tão apreciada que são as 'startups'. Se continuarem a asfixiar esses ricaços dos dois mil euros, um dia destes Portugal é um país de pensionistas pagos pelos impostos que incidem sobre ordenados mínimos, o que não deverá ser muito viável.
Talvez não seja má ideia pensar que há duas gerigonças, a geringonça da política e a geringonça da economia e que não é muito inteligente conseguir que uma funcione gripando a outra.
------------ Classe média vs indignidades sociais (-por Zé T., 2/10/2016) :
Delimitar a classe dos 'ricos', dos 'pobres', da 'classe média' e suas subclasses é sempre contestável ... mas isso não invalida a categorização até por comparação de rendimentos e bens (de que se é dono ou usufrutuário) que permitem (ou não) uma melhor (ou pior) qualidade de vida.
Existem critérios internacionais (nível de pobreza, desvio de rendimentos em relação à média ou à mediana, ...), existe a consciência/moral de que a sociedade só se mantem estável, coesa e solidária (como comunidade/ nação/ estado) se existir justiça e a maioria dos seus membros conseguir suprir as necessidades consideradas fundamentais (incluindo alimentação, habitação, saúde, educação/literacia, ...). Por isso é que os países com melhor qualidade de vida são aqueles em que existe menor desigualdade/ disparidade de salários/rendimentos e tem uma grande classe média (com poucos pobres e poucos ricos).
Como actualmente muitos 'ricos' usam empresas ('offshore' -quase isentos de impostos- e não só ... e tb fundações) para deter bens e receber pagamentos/ remunerações/ comissões/ rendas/ dividendos/ benefícios ... e, como usufrutuários, fazem vida de ricos mas, legalmente, esses indivíduos não têm rendimentos ou bens suficientes que possam ser taxados como ricos ... aliás (quase) não pagam IMI, IRS, IRC, ... e mesmo o IVA nas aquisições de bens ou serviços pessoais ou familiares é pago não por eles mas pela empresa... que abatem aos lucros, pelo que também por esta outra via (quase) não pagam IRC...
E como os pobres estão isentos de impostos IRS e IMI ... quem paga para o Estado funcionar (segurança, saúde, infraestruturas, ...) é apenas a 'classe média', especialmente os trabalhadores por conta de outrem (e do Estado) e os reformados, que não podem fugir ao IRS...
É necessário que aqueles que beneficiam de um elevado nível de vida também contribuam para a sociedade ... para isso é preciso taxar os fluxos mobiliários (dinheiro, acções, ...) e os bens imóveis (independentemente de serem detidas por empresas offshores ou isentadas e até subsidiadas!! por ex. a sede do cds -partido que recebe subsídios- está em imóvel da 'igreja', isentado de IMI).
Como humanamente se pretende que o conjunto da sociedade tenha boa qualidade de vida deve-se diminuir a pobreza e as desigualdades aplicando impostos progressivos e diminuindo a abismal disparidade de rendimentos nas empresas -em algumas os 'trabalhadores' de topo (accionistas, administradores, dirigentes) chegam a receber mais de 100x e 200x o rendimento dos trabalhadores de nível mais baixo (às vezes abaixo do salário mínimo) !! e outros trabalhadores nem sequer são pagos pela empresa, trabalham à comissão ou são estagiários não pagos ou pagos pelo Estado/iefp/ss !! ou são trabalhadores precários, sem contrato (de média/ longa duração ou 'amarrados' a empresas de trabalho temporário), obrigados a sujeitar-se a salários baixíssimos, a horários extra e/ou irregulares, a serem constantemente ameaçados com o desemprego (sem justa causa nem indemnização) são explorados, assediados e maltratados !!.
Quando ouço dizer que já não há luta de classes, aconselho a assistir a sessões no Parlamento relacionadas com questões laborais. Torna-se tudo muito mais claro. Anteontem à tarde, em plenário, discutiu-se vários projectos relacionados com o assédio: um do PAN, outro do PCP , outro do PS, e outro do BE. O assédioé algo que prejudica a vida de um trabalhador (ou, genericamente, de uma pessoa). O desigual da relação laboral entre a entidade patronal(ou quem o represente) e o trabalhadortorna igualmente desigual a forma de combater um acto injusto, com repercussões na sua vida profissional, que é a parcela da vida humana que o liga à sociedade, que lhe cria amor próprio e auto-estima, a sua vontade de viver com os outros. Quem já passou por situações dessas, compreende melhor. Esvaziamento de funções, procedimentos disciplinares que visam apenas perseguição, deslocação para um posto de trabalho numa sala vazia, sem telefone nem computador ou janela, denegrimento do trabalhador junto dos colegas, boatos postos a correr que nunca se sabe de onde vêm. Tudo isso são formas do mesmo fenómeno (assédio). Ora, em geral todos os deputados estariam de acordo em combater esses fenómenos. Mas o que é interessante é verificar o posicionamento de cada grupo parlamentar nessa equação. À esquerda, temos os deputados a tentar que a lei defenda quem seja alvo desses maus comportamentos e que se castigue as empresas que os praticam. Mas à direita, temos os deputados a vincar antes: 1) que os projectos "infermam de radicalismos ideológicos perigosos" (Sandra Pereira, deputada do PSD) 2) que os projectos em discussão "promovem falsas queixas" e que vêm "desequilibrar (...) porque as empresas é que têm de provar que não há assédio" (António Carlos Monteiro, deputado do CDS) que, de cada vez que surgir uma queixa, se está "a penalizar a empresa", com "penalização de danos, em vez de ser a Segurança Social" (Sandra Pereira); 3) que "a inversão do ónus da prova, não é compativel com a presunção de inocência" e que se trata de um "acto negativo" e que é necessário que "o ónus da prova recaia sobre o trabalhador" (Sandra Pereira) 4) que isso irá "prejudicar as vítimas" (António Carlos Monteiro); 5) que se deve "tentar que não haja castigos, mas antes sensibilização das entidades patronais" (Sandra Pereira), que se deve ir "pela pedagogia e sensibilização em detrimento da punição" e que haja "diagnósticos, uma melhor compreensão do tema" (António Carlos Monteiro) Nota: Pequena nuance no debate seguinte sobre o aumento de três dias no período de férias: os deputados de direita - deputados! - defenderam que esse tipo de temas não devia passar pelo Parlamento, mas antes surgir da discussão em concertação social. Na concertação social, os representantes das empresas (CIP, CAP, CCS), com o apoio de uma das centrais sindicais, estão sempre, de facto, em maioria! Os projectos (sobre o assédio) foram aprovados ontem pelo Parlamento, com os votos de toda a esquerda (i.e. CDS e PSD não). Já os dias de férias foram chumbados com os votos do PS, PSD e CDS.
Nos últimos dias a Autoridade para as Condições do Trabalho realizou nas regiões da Lezíria e Médio Tejo, Setúbal, Alentejo e Algarve um conjunto de ações inspetivas, tendo como objetivo o combate ao trabalho não declarado na agricultura e à cedência ilícita de trabalhadores. No decorrer das visitas os inspetores do trabalho inspecionaram um total 20 locais de trabalhoe analisaram asituação de 1.360 trabalhadores dos quais 85% de nacionalidade estrangeira.
No âmbito desta ação, que envolveu 86 inspetores do trabalho de 9 serviços da ACT, foram detetados 66 trabalhadores não declarados e 60 trabalhadores em situação de cedência ilícita, o que corresponde a 9% do total de trabalhadores abrangidos pela ação. Até ao momento foram adotados 43 procedimentos inspetivos. Como habitualmente a ACT vai acompanhar estas situações para que seja reposta por completo a legalidade das relações laborais. (Comunicado da ACT) . (-por A.Brandão Guedes, 30/5/2016, BemEstarNoTrabalho)
O Parlamento Europeu e o Conselho publicaram recentemente uma Decisão que cria uma Plataforma europeia para reforçar a cooperação no combate ao trabalho clandestino. A Plataforma não substitui a ação dos Estados membros.
A dado passo do documento podemos ler: «É necessário incentivar a cooperação entre os Estados-Membros ao nível da União para os ajudar a combater o trabalho não declarado com maior eficiência e eficácia. Nesse contexto, a Plataforma deverá ter por objetivo facilitar e apoiar o intercâmbio de melhores práticas e informações e fornecer um quadro ao nível da União que vise desenvolver um entendimento comum, competências e análises especializadas em matéria de trabalho não declarado.
A existência de definições partilhadas e de conceitos comuns de trabalho não declarado deverão refletir a evolução do mercado de trabalho. A Plataforma deverá também servir de incentivo à cooperação entre as diversas autoridades responsáveis pela aplicação da lei nos Estados-Membros que participem voluntariamente em tais ações transfronteiriças….»
Os conflitos sociais e laborais em Portugal ganharam contornos muito interessantes e estimulantes, em particular para os cientistas sociais! Desde que entrou em funções a nova maioria parlamentar que sustenta o governo PS, e à medida que esta solução vai ganhando consistência, mais os setores afetos aos grandes interesses económicos se manifestam por diversos modos em particular na imprensa com os já conhecidos comentadores económicos a prometerem vários apocalipses sempre adiados!
Mas agora no 1º de Maio alguns comentadores tiveram imensa piada ao comentarem que é grande a paz social e que pela primeira vez a CGTP não pediu a queda do governo, o que é uma grande mentira, esperando estes comentadores que a CGTP volte à sua tradição de luta! Não pude deixar de rir com estes comentadores mentirosos e manipuladores que, na sua maioria, odeiam mais o sindicalismo que os seus patrões e que agora estão preocupados com a acalmia social! Ou seja, esperam que a CGTP, porque a UGT esteve sempre bem obediente, volte a pressionar o governo, agora mais à esquerda do que numa passado recente! Não deixaram ainda de lamentar que esta Central tenha falado em pressionar as empresas na luta por melhores salários ao convocar para este mês uma semana de manifestações e greves! Pressionar o governo do Costa tudo bem mas agora as empresas, coitadas, isso é muito má política para estes comentadores que vivem das mordomias e privilégios do setor privado!
Disseram eles que os aumentos salariais médios no privado em 2015 foram dos mais baixos de que há história, cerca de 0,7%, inferior à inflação? Falaram eles nos grandes lucros das empresas como a EDP a Galp, a Repsol, setor de comunicações que nos esfolam a todos em cada mês que passa, do turismo, do calçado, etc, etc,? Não! Fizeram antes uma choradeira sobre as empresas que estão descapitalizadas, que tiveram que suportar o aumento miserável do salário mínimo, a competição com a China e com a India!
Esta gente esquece que existiu nos últimos anos uma enorme transferência histórica de rendimentos do trabalho para o capital, empobrecendo a generalidade dos trabalhadores e aprofundando as desigualdades!
Nos próximos tempos a luta dos trabalhadores não é apenas para repor direitos mas também e sobretudo aumentar os rendimentos de quem trabalha! E essa luta efetua-se fundamentalmente no setor privado. Hoje o primeiro conflito social é entre os trabalhadores e suas organizações e as grandes empresas que dominam Portugal e empobrecem os portugueses! (-por A.Brandão Guedes, Bestrabalho)
Patrões das grandes empresas ganham até 90 vezes mais do que os trabalhadores
Os salários dos líderes executivos das grandes empresas portuguesas, cotadas em bolsa, ganham cada vez mais do que os trabalhadores que dirigem. Há patrões que ganham 90 vezes mais do que os seus funcionários, de acordo com um estudo da DECO.
Um destes casos é o de Pedro Soares dos Santos, líder da Jerónimo Martins, que detém a cadeia de hipermercados Pingo Doce, que, em 2015, ganhou um total de 865 mil euros, “90 vezes mais do que o salário médio dos seus trabalhadores”, revela o Dinheiro Vivo, citando a análise da Proteste.
Este estudo apurou que a disparidade salarial entre trabalhadores e dirigentes das empresas se agravou, no ano passado, notando que os CEO foram aumentados, em média, em cerca de 14,2% e os trabalhadores em apenas 3,6%.
Entre as empresas analisadas, a DECO coloca a Jerónimo Martins como aquela onde há maior disparidade salarial, seguindo-se a Galp, onde o presidente executivo, Carlos Gomes da Silva, recebeu 72 vezes mais de salário do que os trabalhadores da petrolífera.
O patrão da Sonae, Paulo de Azevedo, ganhou, por seu turno, 69,1 vezes maisdo que os seus trabalhadores do grupo que detém o hipermercado Continente, no ano transacto.
Da análise da DECO ainda fazem parte as empresas Semapa, Ibersol, CTT, EDP, Mota–Engil, Portucel (nova Navigator) e NOS, concluindo-se que os seus trabalhadores ganham, em média, 30 vezes menos do que os seus chefes.
A Associação de Defesa do Consumidor também apurou que esta disparidade salarial tem vindo a crescer, tendo passado de 21,3 vezes, em 2014, para 23,5 vezes, em 2015.
“Em todos estes casos, o agravamento deveu-se quase exclusivamente a um significativo aumento do salário recebido pelo presidente executivo”, afiança a DECO.
“Apesar das políticas remuneratórias serem votadas em assembleia geral, as empresas levam princípios muito vagos e os accionistas acabam por votar remunerações em pouca consciência. Várias comissões (...) envolvem membros da família dos gestores que decidem em causa própria”, refere Rui Ribeiro, da Proteste, em declarações ao Dinheiro Vivo.
CEO (chief executive officer, gestor, administrador, presidente) das maiores cotadas da bolsa portuguesa receberam 15,4 milhões de euros em 2015. Administradoras recebem, em média, menos cerca de 30% que os homens. (29 de Maio, 2016)
A.Mexia, foto de J.S.Goulão, Lusa.
Segundo avança o Jornal de Negócios, entre remuneração fixa, variável, diferida, contribuições para PPR e outras remunerações, (e benefícios, prémios, comissões, consultorias, participações, acções, seguros, subsídios, ajudas de representação, habitação, férias, cartões dourados, ... e também esquemas jurídico-contabilísticos de fuga a impostos... em offshores) os presidentes executivos do PSI-20 arrecadaram 15,4 milhões de euros brutos no ano passado, o que representa um aumento de 20% face a 2014.
Se a Galp Energia foi a empresa que, em 2015, mais gastou com a sua presidência executiva, repartida entre Manuel Ferreira de Oliveira (1,19 milhões) e Carlos Gomes da Silva (1,36 milhões), já António Mexia, da EDP, destacou-se no primeiro lugar do pódio dos gestores mais bem pagos, tendo ganho um total de 1,82 milhões, mais 58% do que em 2014.
No PSI-20 (indicador das 20 maiores empresas cotadas na bolsa de Lisboa), a discriminação salarial entre homens e mulheres é notória. Tendo em conta as remunerações pagas tanto a administradores executivos como não-executivos, desde que tenham estado em funções durante todo o ano de 2015, a remuneração média das mulheres foi, no ano passado, 28% inferior à dos homens. Conforme refere o Negócios, as administradoras das maiores cotadas da bolsa portuguesa receberam, em média, 171.318 euros, contra os 255.880 euros auferidos pelos administradores.
Se for tido em conta o valor total pago pelas empresas aos administradores, independentemente do tempo que estiveram em funções, as mulheres ganharam somente 4,43 milhões dos 62,15 milhões destinados aos administradores, o que equivale a pouco mais de 7% do total.
O aumento do rendimento auferido pelos CEO do PSI traduziu-se no agravamento do fosso salarial entre trabalhadores e gestores. Os trabalhadores precisam de trabalhar, em média, de 25 anos para ganharem o mesmo que um gestor arrecada num ano.
---- Vamos ao que interessa. ... este senhor, (F.Ulrich, do BPI) que passou os últimos 5 anos a insultar os portugueses, vai, aos 62 anos de idade, fazer o que nenhum dos seus conterrâneos vai alguma vez conseguir: reformar-se. O aumento da esperança de vida, a sustentabilidade da Segurança Social e o coise.Este senhor, que passou os últimos 5 anos a insultar os portugueses, vai, aos 62 anos de idade, fazer uma coisa que, nem nos melhores sonhos sonhados, os seus conterrâneos vão alguma vez sonhar fazer: reformar-se com uma reforma milionária. O crescimento económico indexado, a produtividade e o coise também. De certeza que merece. "Auguenta, auguenta!" Auguentamos nós por ele. [Não, não é gralha, é assim que os coitados que auguentam falam].
---- Durante dezenas de anos Ricardo Salgado e o Banco Espírito Santo pagaram jornais inteiros, o Expresso incluído, por via da publicidade no jornal principal, nas revistas, revistinhas, cadernos e anexos do golfe e do ténis e da jardinagem e da casa e imobiliário, tudo ensacado num plástico com umas tiras verdes e publicidade ao BES. Os jornais, os jornalistas pegavam com pinças em tudo o que cheirasse, mesmo que ao de leve, a sagrada família, em nome do pai, dos filhos e do Espírito Santo que as vendas de jornais estavam/ estão pela hora do pessoal só ver as gordas nas bancas e nos quiosques ou no online com o adblock activado. A sério que ainda levam o Expresso a sério? Durante dezenas de anos, mais propriamente quarenta e dois, a contar desde o dia 25 de Abril de 1974 até à hora em que teclo estas linhas, jornalistas suspenderam, os que suspenderam, a carteira de jornalista e abraçaram, de corpo e alma e de conta bancária recheada, as causas de governos e de presidentes e de câmaras municipais e de embaixadas e de consulados diversos de países diversos para depois, terminada a comissão de serviço, regressarem aos jornais, como se nada tivesse acontecido, para continuarem a investigar e a informar, de forma isenta e imparcial os leitores, que a gente faz que acredita e há outros que gostam de ser comidos por parvos e jornalismo e jornalistas militantes é no Avante! .
Mas agora tudo muda porque o morto, ex-Dono Disto Tudo e da publicidade paga nos jornais também, que morreu mesmo mesmo mesmo antes de ser condecorado no Dia da Raça, foi azar, por um cadinho assim, parece que tinha um saco azul na cidade do Canal com o qual pagava, que neste contexto quer dizer comprava, autarcas, funcionários públicos, gestores, empresários e jornalistas. Jornalistas. Jornalistas nos Panamá Tretas. Isso é que não pode ser. A sério que levam os jornalistas e o sindicato dos jornalistas a sério?
---- Alto e bom som (-por F. Seixas da Costa, 2ou3coisas, 2/5/2016)
O documento sobre a Reconfiguração da Banca em Portugal, que subscrevi com outras 50 pessoas, fala por si. Não me compete interpretá-lo, sendo apenas proprietário das razões pessoais por que a ele aderi.
Considero que o texto faz um apelo necessário à assunção de responsabilidades, seja no âmbito dos atores políticos, seja no domínio da ação do regulador, seja na imperatividade da articulação virtuosa entre ambos. O momento do surgimento do texto pareceu-me adequado, porquanto os dias que a banca portuguesa atravessa são o que são e aproximam-se, neste domínio, decisões da maior relevância estratégica para o país.
Da parte do chefe do Estado, houve já sinais claros de atenção e preocupação com a crescente concentração da sede do poder bancário em Portugal, o que me pareceu muito positivo. Também o primeiro-ministro assinalou o seu desconforto com os constrangimentos europeus colocados às necessidades de capitalização do principal banco público, nomeadamente limitativos do exercício dos deveres de responsabilidade solidária que lhe são exigidos.
Incomoda-me que, da parte do Governador do Banco de Portugal, não tenham emergido, até agora, mais do que uns murmúrios ligeiros sobre a atitude das instituições europeias, em sede de comissão parlamentar, a propósito da saga Banif. É sabido que a parcimónia nas palavras é geralmente tida como a virtude idiossincrática maior da rua do Ouro. Mas, porque «o regulador nacional não é uma mera delegação do BCE», gostava que o presidente do banco que leva o nome do meu país, alguém que co-gere em Frankfurt uma fatia decisiva da nossa soberania, no seio de um processo atípico em que Portugal serve de «cobaia» no laboratório de uma União Bancária que, não por acaso, alguns se recusam a deixar completar, ecoasse em público as razōes do país que representa.
O dr. Carlos Costa fala, em geral, em tom baixo. O país ficar-lhe-ia grato se, por uma vez, exprimisse as graves preocupações nacionais, alto e bom som - quer o BCE ou a Comissão europeia gostem ou não. Lamento ter de dizer isto, mas, a título exclusivamente pessoal, se acaso entende que não tem condições para o fazer, então talvez fosse seu dever criar as condições naturais para que alguém o possa vir a fazer em seu lugar. (tb no "Diário de Notícias")
Os fanáticos do directório (neo)liberal têm feito das tripas coração para defender a existência destas verdadeiras organizações terroristas mas depois dos vários escândalos a que temos assistidos nos últimos anos, com o caso Panama Papers a assumir-se como cereja no topo do bolo, poucos argumentos restarão para defender a continuidade destes esquemas potenciadores de corrupção, evasão fiscal, branqueamento e crime generalizado.
O vídeo em baixo, da autoria do Expresso, oferece uma pequena explicação, que não revelando toda a complexidade da criminalidade com vestes de legalidade que os offshores representam, ajuda a perceber um pouco mais como o 1% nos continua a roubar a todos. Fácil e debaixo dos nossos narizes.
----- Os papéis do Panamá (Pacheco Pereira, in Sábado, 08/04/2016)
Um país que tem sido governado em nome dos “mercados”, através do Eurogrupo e do FMI por fora, e pelo PSD-CDS por dentro, não pode espantar-se com as revelações dos chamados Papéis do Panamá. Na verdade, o dinheiro sujo, semi-sujo, semilimpo, vagamente limpo que circula pelos offshores é também o mesmo que alimenta muita da finança internacional e circula pelos fundos que actuam no mercado.
Há algum tempo ouvi um antigo responsável da Bolsa francesa dizer que mais de 90% do dinheiro que alimenta os fundos de investimento não era “transparente” e que, no mais transparente dos “mercados”, o das obrigações, apenas 50% do capital tinha pai e mãe.
O que isto significa em termos políticos é que uma geração de políticos rendidos a uma certa concepção da economia, a que presidiu aos “ajustamentos” na Europa, permitiu que o controle das nações, endividadas ou não, passasse para uma entidade ex machina a que chamavam “os mercados”. “Os mercados” especulavam, dia sim, dia sim, e no intervalo dos dias, premiavam e puniam e, nesse mecanismo, ajudaram partidos e políticos a manterem o poder para prosseguirem a política que lhes era mais favorável. O poder político dobrou-se face ao poder económico, e, a prazo, os actores políticos tornaram-se instrumentos desse poder económico, muitos deles com a alegria desse serviço estampada no rosto como aconteceu por cá. Que esse dinheiro dos “mercados” era o resultado da fuga ao fisco, do esconder de fortunas, do roubo dos seus países e dos seus povos, do roubo dos seus trabalhadores cujos direitos laborais foram um dos alvos centrais dos últimos anos, do crime, importou pouco. Era dinheiro e todos os poderosos, cuja lista se começa agora a conhecer em detalhe, metiam a mão na massa. Cameron, cujo país alberga quase todos os paraísos fiscais onde trabalhava a Mossack Fonseca, Merkel e alguns dos seu servos no Eurogrupo tinham que saber, Juncker sabia bem demais porque fez a mesma coisa no Luxemburgo e isso não foi óbice para ser aquilo que é, Rajoy, idem e Passos e Portas, idem aspas. Poupem-nos ao espectáculo da surpresa ofendida.
Não é possível fazer nada? É, é. O que é que impede um país, ou melhor um grupo de países de impedir que nos seus territórios actuem empresas sediadas nas Ilhas Virgens, em Jersey, ou em Gibraltar (...), que se sabe serem fachadas de dinheiro dos offshores e cujos proprietários não se conhecem? O que impede de se colocar numa “lista negra” todas as empresas nestas circunstâncias que não aceitem uma auditoria fiscal a sério? O que impede que haja uma instituição internacional como acontece com o Tribunal Penal Internacional, dotada de poderes de banimento, de impedimento de circulação, de confisco, que faça de polícia fiscal e leve a um tribunal estes prevaricadores? No fundo são eles que estão do lado de lá da lei, não são coitadinhos. O que impede que o dinheiro obscuro cujo retrato aparece nestes Papéis do Panamá seja confiscado ou expropriado? O que é que impede de se actuar? Vontade, ou melhor, a falta dela.
Bem sei que a comoção seria grande nos meios financeiros, Putin invadiria as Ilhas Virgem, Messi deixaria de jogar, mil e um dos políticos (e gestores) que roubam os seus povos, da Islândia a Angola e ao Paquistão, teriam que ter vidas (, rendimentos) e reformas menos douradas. Bem sei que me vão dizer que todos estes instrumentos e leis já existem, mas não podem ignorar que, se existem, alguma coisa os torna ineficazes. O que é que impede de se actuar? Vontade, ou melhor, a falta dela. (...)
As revelações dos Panama Papers voltam a lembrar-nos de que só com o fim dos paraísos fiscais é que será possível acabar com os mecanismos e canais de fraude, evasão fiscal e lavagem de dinheiro que lhes estão associados.
Também nos lembram o enorme serviço prestado pelo jornalismo de investigação e pelos lançadores de alerta (whistleblowers), que assumem riscos consideráveis com as suas denúncias de interesse público. Depois dos LuxLeaks, SwissLeaks ou OffshoreLeaks, os Panamá Papers serão apenas mais um episódio num processo que se antecipa longo e com muitas mais revelações, dada a informação disponível. Seria importante que a democracia europeia clarificasse de uma vez por todas o tratamento que é devido a estes actores cívicos. As revelações sucessivas de escândalos destes despertaram um importante reconhecimento público do papel dos lançadores de alerta em prol da cidadania e da transparência. Não podemos por isso esquecer que ainda este mês, Antoine Deltour, ex-auditor na PwC e responsável por muitas das revelações dos LuxLeaks, vai ser julgado sob acusação de roubo e violação da legislação luxemburguesa de protecção do segredo profissional e comercial, arriscando pena de prisão e multa. Ao contrário dos Estados Unidos, onde os whistleblowers têm um estatuto claro de proteção e apoio judicial, e mesmo uma compensação monetária calculada em função do volume financeiro da fraude denunciada, nos países da União Europeia (UE) encontramos de tudo: penas de prisão, exclusão do mercado de trabalho e ruína financeira de alguns (provavelmente os mais sinceros), em contraponto com outros, que enriqueceram com a venda da informação. A clarificação do estatuto jurídico e do interesse público destas denúncias tem de ser urgentemente estabilizada.
Os mecanismos agora revelados nos Panama Papers são largamente conhecidos, e não constituem por isso uma surpresa. O que nos pode surpreender é a escala astronómica deste negócio a par da identidade das personalidades públicas e com responsabilidades que estão envolvidas. Mas estas revelações, que se referem apenas a uma única empresa de um pequeno país, não são mais do que a ponta de um enorme iceberg. Quantos mais Panama Papers haverá?
É inegável que, no seguimento da crise financeira, tem havido alguns progressos no combate à fraude e evasão fiscal. Os países do G20 (as economias mais desenvolvidas e as principais emergentes) encarregaram a OCDE de definir os princípios de transparência, incluindo para os paraísos fiscais, a aplicar à escala global. Este trabalho é importante e meritório, mas as directrizes da OCDE, além de frouxas, são apenas recomendações não vinculativas.
O argumento de que este problema requer uma resposta global tem indiscutivelmente alguma valia. Mas, nesse contexto, deverá a UE liderar, ou esperar ser liderada? Na verdade, a UE, tanto pelo seu grau de integração, como pelos valores que defende, não pode remeter-se a uma espera passiva de um hipotético consenso mundial. Para ser credível perante os seus próprios cidadãos, a União tem de consensualizar e implementar internamente os princípios pelos quais se rege. Cabe-lhe seguidamente assumir o papel - provavelmente com os Estados Unidos (e saúde-se a propósito as recentes declarações de Obama a respeito dos Panama Papers) - absolutamente fundamental de contribuir para a construção de uma "nova ordem mundial" em matéria de fiscalidade.
A dificuldade na construção desta agenda europeia é evidente: em 2011-2012 os Socialistas no Parlamento Europeu (PE) desenvolveram uma campanha pedindo o "fim dos paraísos fiscais”. A maioria parlamentar de direita resistiu, com o eterno argumento de que se o combate aos circuitos de fraude e evasão fiscal não for assumido à escala global, as empresas europeias ficarão em desvantagem face às concorrentes. Não é estranho a esta atitude o facto de algunsparaísos fiscais estarem exatamente dentro da própria União.
Mesmo assim, e graças à pressão da opinião pública, resultante em particular dos LuxLeaks, tem havido avanços. O relatório de que fui co-autora na comissão especial TAXE*, do PE, para investigar os acordos fiscais preferenciais (tax rulings) oferecidos por membros da UE às multinacionais para lhes permitir transferir rendimento tributável para países com menores taxas de imposto, e que foi aprovado por esmagadora maioria do PE, elenca com grande precisão as medidas que são necessárias ao nível europeu. Uma delas é, precisamente, tornar ilegais os paraísos fiscais - a começar por aqueles que existem no interior da UE - e aplicar sanções a quem os utiliza.
A Comissão Europeia (CE), sob a liderança do comissário socialista francês Pierre Moscovici, tem-se mostrado bem mais voluntarista do que era habitual, apresentando propostas legislativas ambiciosas para introduzir maior transparência na fiscalidade das empresas e reduzir as possibilidades de recurso a paraísos fiscais: tributação de lucros onde a actividade económica é realizada, obrigação de reporte -público- das informações que permitam perceber em que países cada empresa realiza lucros e paga impostos, e harmonização (na UE) da base tributável do imposto sobre os lucros para acabar com a actual concorrência fiscal agressiva entre países que partilham um mercado interno e uma moeda única. Estas e outras iniciativas esbarram no entanto contra fortes resistências no Conselho de Ministros da UE (onde os Governos estão representados). E como as decisões europeias em matéria de fiscalidade sobre as empresas estão sujeitas à regra da unanimidade, basta a objecção de um país para bloquear a decisão, o que é frequente da parte dos Estados que têm regimes especiais (offshores e ...) a defender.
O que se espera, agora, na sequência das revelações dos Panama Papers? No essencial, que a pressão pública dos cidadãos e da imprensa sobre os respetivos Governos seja suficientemente forte para os convencer a aceitar um salto qualitativo na forma como abordam as questões fiscais. É preciso que os Governos não caiam na tentação de bloquear a legislação essencial em nome de uma interpretação egoísta do respetivo "interesse nacional" (obscuro, dos grandes privados) e, mais importante ainda, que não cedam à pressão indireta (ou direta) dos poderosos atores (magnatas, bancos, transnacionais, gr. advocacia/auditoras/consultoras e seus lóbis, mídia e avençados) que beneficiam da actual opacidade.
É preciso que a CE mantenha o seu voluntarismo e continue a apresentar propostas legislativas para combater a fraude e a evasão fiscal, a começar pela prometida "lista negra" de paraísos fiscais com sanções para quem os utilizar. E que proceda a uma análise detalhada da eficácia da legislação europeia e da sua aplicação nos Estados membros, apresentando, se necessário, propostas para colmatar eventuais lacunas.
Esperemos que as revelações dos Panama Papers sejam o catalisador de um sobressalto de consciência por parte dos Estados membros que os leve a aceitar um salto qualitativo da UE em matéria fiscal. Para isso, é preciso que a Comissão e o Parlamento consigam limitar os interesses nacionalistas no Conselho para que a UE possa desempenhar o papel na cena mundial a que está obrigada pela sua história e pelo esforço que está neste momento a ser pedido aos cidadãos e às PMEs, os principais geradores das receitas fiscais dos Estados.
* Eurodeputada do PS, porta-voz dos socialistas europeus para os assuntos económicos e monetários e co-autora do relatório do Parlamento Europeu sobre os acordos fiscais preferenciais entre Estados e Multinacionais (TAXE).
Segundo a Tax Justice Network, uma organização pela defesa da justiça fiscal, a riqueza mundial depositada em offshoresrepresenta qualquer coisa entre os 21 e os 32 milhões de milhões de dólares (ou seja, aqueles números mais doze zeros). Se esse dinheiro fosse transformado em notas de um dólar dispostas em fila, o conjunto daria para completar três voltas do planeta Terra na sua órbita em torno do Sol. Aqueles valores verdadeiramente astronómicos correspondem a cerca de 1/4 do rendimento gerado anualmente em todo o mundo. É riqueza que permanece quase integralmente oculta, quase sempre com objectivos pouco honrados - que vão da evasão fiscal à lavagem de dinheiro com origem criminal, passando pelo financiamento da corrupção e do terrorismo. Os impostos que ficam por cobrar todos os anos correspondem a um valor próximo do PIB português (189 mil milhões de dólares). São receitas perdidas que têm de ser compensadas com mais impostos sobre quem efectivamente os paga e/ou com a redução dos serviços públicos.(e do estado social) Quem ainda julga que isto é um problema causado por práticas adoptadas em destinos exóticos - Panamá, Ilhas Caimão e outros que tais - desengane-se. Países como os EUA, o Reino Unido, a Suíça e o Luxemburgo são responsáveis por uma parte substancial dos impostos que ficam por cobrar devido à opacidade de alguns dos serviços financeiros que prestam.
É precisamente por terem os seus principais actores no seio dos países mais ricos que os offshores continuam a existir - e que as medidas anunciadas após cada escândalo (LuxLeaks, SwissLeaks, Panama Papers, etc.) ficam sempre muito aquém do que seria necessário para acabar com esta pouca-vergonha. É preciso lembrarmo-nos disto cada vez que nos exigirem que apertemos o cinto.
Enquanto vagueava na Internet encontrei um cartoon engraçado, ri-me um pouco. Mas parece-me que a versão apresentada como "verdadeira" revela tanta falta de lucidez como a versão "dos ricos". Peguei no cartoon e fiz algumas alterações:
Já agora, mantendo o tom "leve" e sem fazer uma análise muito profunda das causas do enriquecimento individual, diria que quem enriquece sem ser por herança precisa de cumprir duas das quatro condições apresentadas:
-Talento fora de série
-Trabalho duro, iniciativa, disposição para arriscar
-Muita sorte
Com a excepção dos vencedores do Euromilhões e afins, nenhum destes quatro factores é, isoladamente, suficiente para enriquecer.
-------------------
--F.M.: Concordo com a inclusão do castanho/"talento" e do amarelo/"trabalho duro" no teu gráfico (são uma minoria muito minoritária dos ricos, mas existem). Eu aumentaria significativamente o peso do setor verde/"falta de escrúpulos e exploração" (mesmo concordando com ser o azul o maioritário, mas menor que metade).
Pela explicação que dei abaixo da figura, cada um dos sectores não azuis tem o dobro do tamanho, mas isso não daria para pôr no gráfico circular. A não ser que dividisse o espaço de "não herança" em 6 categorias: -falta de escrúpulos+muita sorte -falta de escrúpulos+talento -falta de escrúpulos+trabalho, risco, iniciativa -talento + trabalho, risco, iniciativa -talento + sorte -trabalho, risco, iniciativa + sorte (mas o desenho perdia a piada) Ou seja:
a falta de escrúpulos/disposição para explorar os outros está mais do que o desenho dá a entender (ainda mais porque não têm todos a mesma dimensão). ... não chega para enriquecer, mas juntamente com algum dos outros factores já se torna possível. Nuns sítios está "sorte" e noutros "muita sorte", mas é sempre "muita sorte". A distinção foi por engano (e se a fizesse seria ao contrário - a última categoria é que precisa de mais sorte...).
-----------------Xa2:
O gráfico 'melhorado' dá uma ideia... mas, parece-me que, para favorecer o enriquecimento (de alguns, poucos), seria 'mais verdade': (dizer) «Falta de escrúpulos, incluindo disposição para 'contornar a lei', explorar o trabalho alheio e ou apropriar-se de bens comuns/ públicos»;
e se acrescentarmos o ambiente familiar (melhores condições monetárias, saúde, alimentação, acesso a melhor educação/ensino, nepotismo/acesso facilitado/ privilegiado a cargos e situações de poder ou a negociatas, ...);
e condições económico-sociais favoráveis (instabilidade que cria mais 'oportunidades' para 'empreender/ agarrar', impostos não crescentes, subsídios ao 'empreendorismo' e às empresas, desregulação ambiental, económica e laboral, corrupção ... e um Estado fraco), teremos uma visão melhor explicada.
Inversamente, em diferentes condições (...), não é/era tão fácil enriquecer (tanto nem para tão poucos) mas, provavelmente, conseguir-se-ia uma classe média mais ampla e com melhor nível de vidae uma menor desigualdade entre ricos e pobres, i.e., obtinha-se uma situação de 'desenvolvimento' para a maioria da sociedade, em vez de um 'crescimento' apenas benéfico para uma minoria e à custa/prejuízo da maioria.
----- Sejam coerentes e...... digam que é preciso proibir os DDT de comprar o passe social !
.Deve estar a fazer 30 anos - nos primeiros tempos de Cavaco Silva como primeiro-ministro - que nasceu uma milonga que dura até hoje. Trata-se nem mais nem menos do truque de proclamar que é um escândalo que os ricos também beneficiem de certas medidas sociais de carácter universal. É o que faz hoje no Público Manuel Carvalho desta forma : «Avançar com a ideia dos manuais escolares gratuitos é a prova acabada de que uma certa esquerda não percebeu que a igualdade nestes domínios pode favorecer os mais pobres, mas concede também benefícios injustificados aos mais ricos.»
Há séculos que eu e outros explicámos caridosamente que essa questão se resolve no plano dos impostos e não passando a impôr a todos os cidadãos que, para isto e para aquilo, andem com um cartão pendurado ao pescoço com o nível dos seus rendimentos. E, uma vez, quando ouvi um rico a clamar que não fazia sentido nenhum que ele, podendo pagar, tivesse acesso (quase) gratuito ao Serviço Nacional de Saúde, logo lembrei ao fingido indignado que nada o impedia de fazer doações financeiras ou de equipamento ao SNS (mas creio que a sugestão não foi seguida). Por isso, repito: sejam coerentes e exigam que Ricardo Salgado não possa comprar o L1 e que os netos de Américo Amorim não possam andar na escola pública (quase gratuita). (--por V.Dias, 20/3/2016, oTempoDasCerejas2)
Um estudo recente mostra que «Portugal é um dos piores países da OCDE para trabalhar», com elevados níveis «de insegurança no mercado de trabalho e sendo um dos dez piores países em termos de qualidade das remunerações». Aliás, na generalidade dos indicadores do relatório, Portugal surge de forma sistemática em posição desfavorável. Em 25 países, é o 3º com maior «risco de desemprego»; o 4º com maior «insegurança laboral» e «desigualdade de rendimentos»; o 9º com níveis mais elevados de «stress laboral»; o 19º em matéria de «qualidade do rendimento» e «rendimento médio»; o 16º na «protecção no desemprego». No indicador síntese da Qualidade do Mercado de Trabalho, estabelecido a partir deste conjunto de variáveis, Portugal ocupa a 20ª posição, apenas superando a Polónia, a Hungria, a Grécia, a Eslováquia e a Turquia.
À escala europeia, o retrato que o estudo permite traçar é bem revelador das assimetrias existentes e do fosso de diferenciação entre centro e periferia, relembrando os círculos concêntricos de Heinrich von Thünen. Os elevados níveis de qualificação do mercado de trabalho nos países do centro e Norte europeu têm como contraponto a desqualificação do mercado de trabalho nos países da periferia e do Sul, num processo de clivagem e divergência que as políticas de austeridade e empobrecimento acentuaram nos últimos anos. Não por acaso, de facto, muitos dos países pior posicionados no ranking de qualidade do mercado de trabalho são os que registam uma evolução particularmente negativa em termos de saldos migratórios (como sucede no caso de Portugal, Espanha ou Grécia). Do mesmo modo que muitos dos países melhor posicionados em termos de qualidade do mercado de trabalho são os que registam ganhos migratórios mais expressivos nos últimos anos (como é o caso do Luxemburgo, da Alemanha ou da Áustria).
O mercado de trabalho não é pois imune às leis da oferta e da procura, reagindo aos processos de desregulação laboral, empobrecimento e alegado «ajustamento» das economias. Como referia há tempos o Luís Gaspar, «baixam-se os salários no pressuposto que o trabalho é demasiado caro. O trabalho vai-se embora. Mesmo para o mais ortodoxo dos economistas, isto deveria querer dizer que o trabalho não estava caro. A única transformação estrutural da economia arrisca-se a ser esta: em vez de serem os salários que se "ajustam" à economia, é a economia que se ajusta aos salários baixos». Ou seja, as políticas de austeridade não são almoços grátis, como dizia o outro. Têm contradições e limites intrínsecos, que as tornam contraproducentes e que se pagam caro, no presente e no futuro. Talvez sejam dados como os deste estudo que levam João César das Neves a concluir, nas Jornadas Parlamentares do PSD, que é necessário diminuir a «rigidez do mercado laboral» de um país que considera «em vias de extinção», devido à falta de nascimentos e à emigração. Para enaltecer, logo a seguir, o facto de o anterior governo ter sido «o que mais liberalizou o mercado de trabalho» em Portugal, lamentando por não se ter, mesmo assim, conseguido aproximar o país dos seus parceiros europeus: em matéria de rigidez laboral, segundo César das Neves, «estamos à frente da tropa toda». Como os dados ali em cima permitem constatar, claro.
«Envenenada, mesquinha, inconsistente, vergonhosa - a decisão do Tribunal Constitucional as pensões dos titulares políticos.
É um assunto envenenado, antes de mais. Resulta de uma iniciativa de deputados até agora anónimos, mas certamente do PS ou do PS e do PSD. Se forem só do PS, problema para Nóvoa e Belém, que nos últimos dias disputam acirradamente o concurso de eu-é-que-sou-mais-PS-do-que-tu e vão ter que responder aos seus correlegionários. Se os deputados anónimos forem do PS e do PSD, pior ainda, é a casta a mover-se pelas sombras e a lembrar a sua unidade por cima de qualquer diferença. Podem aliás ter sido os mesmos que tentaram aprovar a restituição das pensões há um ano, que falharam no parlamento e na opinião pública e que agora se arriscaram a envenenar a campanha eleitoral com este assunto, sempre mantendo um prudente silêncio sobre os nomes dos autores da diligência junto do Tribunal.
É um assunto mesquinho, depois. Tudo se resume a isto: a norma agora em vigor determinava que um ex-titular de cargo público não receberia a pensão se já tivesse outros 2 mil euros mensais de rendimento (ou que receberia a diferença até esse valor) em vez de acumular com a pensão ou com o salário (porque, pela regra inicial e só abolida em 2005, até poderia ter havido um jovem de 26 ou de 30 anos com uma pensão vitalícia). Agora passam a poder acumular a pensão com qualquer outro rendimento, nos termos da decisão do Tribunal.
É uma posição inconsistente, ainda. Alguns e algumas destas deputadas defendem a alteração do regime eleitoral para os círculos uninominais, em nome da “aproximação aos eleitores”. No entanto, não hesitam, num assunto melindroso, em esconder-se dos seus eleitores, e menos hesitam em reclamar um direito especial para si próprios, bem longe da vida dos seus queridos eleitores.
É um assunto vergonhoso, finalmente. A ideia de que os ex-titulares de cargos públicos devem ter um regime especial de privilégio, ou que devem escapar às restrições da segurança social que abrange todos os cidadãos, é sinistra. É estúpida, alimenta o ódio populista contra os políticos e estes beneficiários merecem estar na berra. É errada, porque os autores das leis que se declaram universais criam uma lei só para si. Por isso, a lei acabou em 2005, mas ficou a lista dos que até então beneficiavam, alguns dos quais se batem ardorosamente pela salvação do seu pecúlio.
Tenho orgulho de ter feito parte do único grupo parlamentar que nunca aceitou privilégios deste tipo, como os subsídios de reintegração.
(Excluo desta lista, como sempre o fiz, os ex-presidentes da República, que acho como sempre achei que deviam ter um salário permanente depois de exercerem o cargo referencial do sistema democrático, para evitar que fiquem na condição de trabalhar para uma empresa ou de emprestar a sua imagem a uma marca ou a interesses particulares.)