Rigidez ideológica (-por João Rodrigues)
Ponto da situação sobre mais uma folha Excel da nossa austeridade: a troika quer, o governo e o banco que não são de Portugal sonham, os dados “parciais” nascem e a fraude da "rigidez laboral" mantém-se. O uso da expressão “rigidez laboral” indica, desde logo, que estamos em presença de uma manipulação ideológica, cujo objectivo, agora confessado, sempre foi o de transferir rendimentos do trabalho para certas fracções do capital, as que prosperam em tempos de crise de procura causada pela política de austeridade, a grande responsável pela colossal subida do desemprego nestes últimos anos.
Entretanto, deixo uma pergunta singela: por que é que se usa a expressão rigidez laboral para caracterizar uma situação em que ainda existem direitos laborais e correspondentes obrigações patronais e não se usa a expressão rigidez patronal, ao invés da expressão flexibilidade, para caracterizar uma situação em que existem demasiados direitos patronais e correspondentes obrigações laborais?
Seja como for, a sabedoria convencional tem, aqui e agora, dois lados: temos os que dizem, como o FMI, que é preciso continuar a mexer numa legislação laboral, que será sempre demasiado rígida, para continuar a descer salários – se há desemprego só pode ser porque os salários são demasiado elevados – e temos os que acham que a economia portuguesa já exibe uma grande “flexibilidade” laboral e salarial e que por isso já está em melhores condições para sair da crise. Ambos os lados, concordam que a rigidez patronal é boa, discordando apenas na avaliação que fazem da economia portuguesa.
E depois temos os que, por exemplo, por aqui têm dito que a chamada “rigidez laboral” não só não é responsável por um desemprego gerado pela austeridade, como é virtuosa, da contratação colectiva, a despedimentos legal e pecuniariamente custosos, passando por subsídios de desemprego decentes ou por salários mínimos em actualização real e que evitem a pobreza laboral: reequilibra as relações laborais, ajuda a combater a desigualdade, dificulta a transferência de custos sociais para os trabalhadores, penalizando os empresários medíocres, gera estabilidade que motiva e incentiva à formação, faz com que se pense duas vezes antes de se despedir, dificulta a redução dos salários e a correspondente quebra da procura, obstaculizando os círculos viciosos intensos, ainda para mais quando à quebra de rendimentos se junta o endividamento prévio e logo a insolvência.
Subjacente a esta visão está a superação da narrativa do mundo do trabalho visto pelo prisma de um mau manual de introdução à microeconomia, o que fala do trabalho numa lógica da batata e de supostas leis de oferta e procura.
Falar de
“mercado” serve apenas para ocultar as lógicas da assimetria de poder e da compulsão nas relações laborais, o desemprego como mecanismo disciplinar, o medo, a desmotivação, a desqualificação, os círculos viciosos da crise e da pobreza laboral, a falácia da composição visível em patrões que podem ser tentados a cortar nos salários dos “seus colaboradores” ao mesmo tempo que se queixam de que a quebra das vendas impede o investimento, apenas porque demasiados têm a mesma tentação. Felizmente, há bons
manuais [
Economia(s)] que abordam algumas destas coisas.
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Evidentemente que o que se está a passar hoje em dia é um crime de proporções colossais – Está-se a enviar a esmagadora maioria da população para a pobreza para enriquecer ainda mais os já super-ricos. Tem de se pôr um fim a isto, nem que seja pela forma mais drástica.
Agora, existe uma nova realidade que tem de ser encarada: a evolução tecnológica exponencial está a acabar com os empregos em todo o lado.
[aquilo (tecnologia/robots/TICs/R&D) que prometia dar melhor qualidade de vida para todos, maiores rendimentos, mais tempo livre (sim !!)... está a tornar-se um pesadelo para a maioria: desemprego, miséria, perda de liberdade e de direitos conseguidos por gerações de luta, esforço, cidadania e evolução da civilização.]
Donde, o paradigma económico (e social e político) tem necessariamente de mudar: a capacidade produtiva está a aumentar (devido à automação, à informatização e à inteligência artificial) e essa produção (rendimentos) tem de começar a ser dividida (distribuída) de outra maneira. A propriedade privada dos meios de produção e o emprego estarão mortos dentro muito pouco tempo. (- Diogo)