Dom Quixote, quando partiu em busca de aventuras, confundiu os moinhos com inimigos e investiu contra eles julgando que eram ajudantes da feitiçaria. Séculos depois, sem Sancho Pança, Manuela Ferreira Leite investe contra o TGV com as certezas do fidalgo que cavalgava o Rocinante.
O TGV é o moinho de vento de Manuela. A líder do PSD faz da leitura dos livros de cavalaria a sua política. Se quer ser a versão portuguesa do Dom Quixote, Manuela comete os equívocos daquele e confunde uma manada de ovelhas com um exército inimigo.
Nada que não possa acontecer: um político que, podendo ser contra o TGV, necessita de arranjar argumentos para defender a sua ideia. Porém, considerar o TGV uma obra do demónio é uma coisa. Dizer que ele é o disfarce do lobo espanhol para devorar as ovelhinhas portuguesas é uma obra de ficção. Portugal só faz fronteira com Espanha e, cada vez mais, ela é dos mais importantes parceiros comerciais e sociais do nosso País.
Depois, há acordos que foram firmados (incluindo por Manuela Ferreira Leite) com Espanha por causa do TGV. A ideia que transparece é que a palavra do Estado só é para cumprir quando dá jeito. Pior, ao querer reconduzir a discussão do TGV a uma questão de patriotismo, Manuela Ferreira Leite parece o desengonçado D. Quixote a investir contra os moinhos, alucinada pelos fantasmas espanhóis.
Manuela Ferreira Leite está a abrir a caixa de Pandora do nacionalismo e do populismo. A pior receita que se conhece para curar os males da democracia. [Jornal de Negócios, Fernando Sobral]
O despertar dos ódios antiespanhóis por Manuela Ferreira Leite é apenas lamentável. A catástrofe está em ela poder ganhar votos com isso.
Em França chamam-lhe TGV, em Espanha é AVE e em Portugal não tem sigla porque pode nem existir. Mas a decisão de construir ou engavetar a alta velocidade ferroviária só é bem tomada se o for em função de uma análise de custo/benefício descontaminada.
Quanto custa, quem paga, como se financia, o que se importa, que emprego cria, impacto na rede de transportes, etc. Construí-la é, e foi, uma opção política, contratualizada com o governo espanhol.
As razões pelas quais o PSD vinha questionando o TGV eram fundadas. O projecto é economicamente inviável, o investimento jamais será recuperado com "cash flows" futuros. Mesmo esquecendo o investimento, que é, em parte, subsidiado por Bruxelas, os estudos oficiais do Governo admitem que as receitas de exploração podem não ser suficientes para suportar os custos de operação. Só as (subjectivas) externalidades ambientais e de desenvolvimento económico nas zonas adjacentes fazem os planos do Governo cubicar. E se é verdade que em Espanha o AVE é um enorme sucesso que superou todas as estimativas de tráfego, comparar a eficiência das empresas ferroviárias de Espanha com as de Portugal é como colocar mulas em corridas de cavalos: o descalabro nos investimentos recentes da ferrovia e os buracos negros nas contas da Refer e na CP mostram a qualidade da gestão da ferrovia em Portugal.
Até aqui, o PSD vinha enfatizando estas razões e argumentando com o "timing": não é o melhor. Pois não, mas como o grande filósofo Cristiano Ronaldo citou aquando de um convite de Madrid, "o comboio não passa duas vezes". Queiramos ou não, é agora que a União Europeia subsidia, é agora que Espanha está a construir. E é agora a data com que nos comprometemos, por contrato, com gente que nos julga séria. É possível renegociar condições de um contrato, não é desejável rasgá-lo. Não é uma questão de imagem, é uma questão de lei.
O lóbi da construção tem má fama, mas neste assunto tem razão: Portugal não pode ser um país que não se respeita, em que os contratos são para rasgar e a palavra de estadista é adereço. Não se pode num dia prometer tudo aos estrangeiros para que cá invistam e no dia seguinte dizer que não os gramamos, que nos querem explorar e que afinal o prometido não é devido, é de vidro - quebrável.
Manuela Ferreira Leite invocou o pior dos argumentos para se opor ao TGV. O que os espanhóis perdem com o fim do TGV é o mesmo que perdem os portugueses: apoios comunitários. Pior: Ferreira Leite usou o argumento de "Portugal, província espanhola" como um charlatão invoca fantasmas numa sessão mediúnica: para fazer medo.
Andamos nisto há décadas. A economia já venceu os mitos, com trocas comerciais em larga escala; os negócios já passaram da fase em que os espanhóis não eram (oficialmente) idóneos para gerir bancos; a sociedade já atravessa a fronteira sem dar conta. Só os políticos mantêm activo este preconceito que há século e meio nos fez ter uma distância entre carris de comboio diferente: para que não nos invadissem.
Os espanhóis são um mau exemplo de proteccionismo empresarial. Mas com tantas coisas boas que têm, escusamos de imitá-los no que têm de mau. [Jornal de Negócios, Pedro Santos Guerreiro]
Manuela Ferreira Leite pegou nas relações Portugal-Espanha para fazer campanha eleitoral. A coberto do tema TGV referiu-se a Espanha num tom a que o país já não estava habituado, nomeadamente quando disse que Portugal "não é uma província de Espanha".
Que comentário merecem as suas palavras? Não foi uma declaração em falso, resultado de um empolgamento fortuito no debate com Sócrates. Foi um "statement" planeado (só não se percebe o impacte que as suas declarações tiveram em Espanha - talvez a Imprensa espanhola ainda estivesse a viver a sua "silly season")… E, por isso, a atitude de Ferreira Leite merece uma reflexão. Porque ao desenterrar uma velha questão das relações Portugal-Espanha (quem manda em quem), a líder do PSD pôs-se a jeito. Das críticas de quem a vai acusar de estar virada para o passado (como fez Sócrates ontem), repescando velhos mitos que nos faziam olhar para Espanha como um "papão"; e das críticas de quem olhar para a atitude da líder do PSD como a manifestação de um complexo de inferioridade face ao país vizinho. Algo como: "Se os espanhóis já não olham para nós como o território que falta conquistar, mas como uma oportunidade de negócio, o que leva uma candidata a primeiro-ministro a desenterrar velhos demónios?".
É a esta imagem que Ferreira Leite ameaça ficar ligada. O que, convenhamos, não é um bom cartão-de-visita para um país que em vez de reviver os maus exemplos do passado com Espanha devia estar a ouvir Ferreira Leite propor medidas para… passarmos à frente dos espanhóis nos próximos anos. [Jornal de Negócios, Camilo Lourenço]
Ainda nem foi a votos e já despertou uma crise que pode ter impacto internacional... trata-se de Manuela Ferreira Leite, claro! A líder do PSD, escudada num nacionalismo bacoco que pretende justificar-se com custos e benefícios para o país, decidiu investir contra um acordo de Estados, causando perplexidades e declarações públicas do Ministro do Fomento e das autoridades regionais extremenhas de Espanha que deixaram claro não poder vir a confiar num Estado que rompe unilateralmente com os acordos, a palavra e a cooperação. Como se não bastasse, a artificial polémica sobre o TGV (que o PSD defendeu e de que não prescindiria se fosse Governo) implica, no caso da desistência nacional deste investimento no calendário previsto, uma perda de 333 milhões de euros para Portugal... e assim cai por terra mais um dos argumentos da senhora que insiste em querer liderar o Governo de um país que não tem estrutura económico-social para falhar investimentos desta ordem à conta de "gaffes" e irreponsabilidades cujos efeitos nem do ponto de vista político são acautelados. Envergonhados devem também ficar muitos dos jornalistas da "nossa praça" que se têm empenhado, na campanha eleitoral em curso, em construir de Manuela Ferreira Leite uma imagem em tudo contrária ao que a mais simples observação do senso comum constata... enfim... cada um olha e vê o mundo com a côr das lentes que se lhe assemelha conveniente... o que é inegável é que não se vislumbram, entre parte significativa da comunicação social e no maior partido da oposição, efectivos sinais de preocupação com o interesse nacional. É pena! [A Nossa Candeia, Ana Paula Fitas]
Porque será que quem está na oposição é sempre contra e quer sempre renegociações das grandes obras publicas quando chegar ao governo.
Afinal não são contra os projectos, são é contra o negócio das adjudicações não ser feito por eles.
Fazer a obra só custa dinheiro e dá problemas a um governo, mas negociá-la dá poder, fazem-se amigos importantes e até há quem enriqueça.
Claro que quem queria fazer a obra, quando volta a ser oposição só encontra problemas na sua realização e passa a ser contra gastar dinheiro, que não há, em projectos megalómanos.
Surpreendente, como o poder e o dinheiro mudam a opinião das pessoas.
A análise custo-benefício de um grande projecto pressupõe o domínio de vários conceitos: o investimento implícito, as receitas esperadas, o horizonte temporal, a taxa de desconto, etc.
Desconheço as entidades que o analisaram o TGV - Lisboa-Porto, Porto-Vigo e Lisboa-Madrid. Mas não tenho razões para duvidar da competência e da honorabilidade dos seus autores. Vou admitir que a análise foi bem feita.
Estudos recentes apontam para que o TGV custe € 7,5 mil milhões, dos quais apenas 36% serão suportados pelo Estado. E o impacto económico-financeiro, num horizonte de 30 anos, será de €126 mil milhões de PIB, de €64 mil milhões de receita fiscal e de 56 mil novos empregos permanentes.
A que se juntam aqueles benefícios mais dificilmente mensuráveis ligados ao ambiente, à mobilidade e ao desenvolvimento regional. É pouco? É o que é.
Ao longo de uma década, o TGV passou por todos os crivos: foi estudado ao milímetro, foi aprovado pelo PSD/CDS, esteve em duas Cimeiras com a Espanha, foi confirmado pelo PS, é prioritário em Bruxelas e pode ser financiado pelo BEI. Mais: foi "vendido" ao país como exemplo modelo de uma Parceria Público-Privada em regime de concessão. Quando agora nos dizem que é preciso parar para pensar - querem dizer o quê?
Um projecto como o TGV é composto por duas fases: a fase de financiamento e de construção; e a fase de exploração e de reembolso. Os custos são suportados pelos utilizadores. A esta luz, o modelo é análogo ao das auto-estradas com portagem. Gritar aos quatro ventos que há uma sobrecarga para as gerações futuras é o mesmo que ir tomar banho ao mar e concluir que a água é salgada. Como é que queriam que fosse?
Dito isto, é preciso acrescentar que, sendo o dinheiro um bem escasso, escolher um investimento é preterir investimentos alternativos. E não me custa admitir que possa haver outros melhores. Pois bem, onde estão as alternativas ao TGV? Quem as estudou? Não sei de qualquer resposta a estas perguntas. Mas sei de muita gente a reclamar estudos. É uma obsessão doentia: estudos e mais estudos, sempre os estudos...
A dança do TGV é a imagem de Portugal ao espelho. Perdemos tanto tempo a fazer estudos que ficamos sem tempo para os materializar.
[Daniel Amaral, Diário Económico]
Com a posição claríssima tomada, de incentivo aos pequenos projectos públicos, na sequência da hipótese da decisão final do TGV ser adiada, o Presidente da República dificilmente terá outra hipótese de usar a mesma linguagem de Ferreira Leite.
Se isto não é uma identificação com a linha do maior partido da oposição, não sei mesmo como poderá ser melhor.
O Presidente pode e deve ter as suas posições e actuar segundo o que pensa, mas em alturas de pré campanha como a que estamos a viver, deveria ser mais comedido e isento abstendo-se de certos comentários altamente favoráveis à direita e ao PSD em particular.
[João Abel de Freitas, Puxa Palavra]
A discussão sobre o TGV é saloia e oportunista. Quem anda pelo mundo não tem dúvidas de que esta obra tem de se fazer, e já. É importante para o País e para o espaço comum a que pertencemos, como a União Europeia, que nos pagou a maior parte das nossas grandes obras nas últimas décadas, nos lembra e lembrará. Portugal precisa de duas ligações de alta velocidade, uma a partir de Lisboa e outra do Porto (via Vigo) para a Europa. Só não as fará, e eu acredito que obviamente até o PSD as fará, com mais ou menos demora, se a sociedade nacional se exceder no provincianismo, na baixa política e no contabilismo mais miserabilista.
[João Marcelino, Diário de Notícias]
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