Daniel Oliveira no Expresso de 30.12.2016 :
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- -------- Salário mínimo, (in)segurança social e aumento da pobreza
Os trabalhadores que paguem a si próprios (-por J. Gusmão, 24.9.2014, Ladrões de B.)
Parece que a CIP já "admite" (sic) uma subida do salário mínimo para os 505 euros, mas sublinha que estes acréscimos têm de ser "compensados". Os representantes dos patrões querem uma descida da TSU para "compensar" o aumento "principesco".
Na mesma notícia recorda-se que, já em 2010, o aumento do salário mínimo foi "compensado" com uma redução de um ponto percentual na TSU (taxa social única, na componente dos patrões para a segurança social). A linguagem e raciocínio das nossas elites são todo um programa, que merece ser escrutinado:
1. Em primeiro lugar, aquilo a que se chama o "aumento do salário mínimo" é, na realidade, menos do que uma actualização. Mesmo que o comparemos a anos de referência mais recentes (2007 ou 2011), os valores em debate não chegam a repor o poder de compra perdido;
2. Nesse sentido, não se percebe porque é que os patrões hão-de ser compensados pela actualização do salário mínimo, ou mesmo, por um aumento real que acompanhasse o aumento da produtividade, como tanto têm pregado os economistas liberais.
3. A "compensação" que exige a CIP para "admitir" a menos-do-que-actualização do salário mínimo consiste na mobilização de recursos da segurança social, ou seja, da reforma, para pagar o salário actual. O trabalhador paga com a sua reforma a actualização do seu salário. Paga a si próprio. O saldo de tudo isto é uma redução real do salário mínimo associada a uma redução nominal da reforma futura.
4. Esta operação serve ainda dois propósitos políticos: (a) antecipa rendimento da reforma futura para o salário actual, (minora a miséria actual aumentando a miséria futura) e puxa ligeiramente pela procura actual à custa do Sistema de Segurança Social e (b) dá mais um contributo activo (com tantos outros) para a descapitalização da segurança social que continuará, claro, a ser atribuída a "factores demográficos".
Isto sem entrar noutros dossiers como a contratação colectiva ou as horas extra, que governo e patronato já prometeram por em cima da mesa como moeda de troca, sempre no espírito da "compensação": se os trabalhadores não quiserem continuar a perder (tanto) salário terão de perder direitos. Se for esta a proposta final, só espero que tenhamos unidade sindical na sua rejeição. A ver vamos...
------- Anónimos:
-- Vemos, não sem surpresas, alguns vociferarem contra o salário mínimo. Estes avanços civilizacionais são uma chatice. Sobretudo se são exactamente os mesmos que justificavam a fuga aos impostos do soares dos santos e a gestão de topo dos banqueiros e coisas afins. Ora vamos lá a colocar os pontos nos is.
-- Alguém fala em "produtividade" da forma superficial (e com manha?) a que nos habituou a imprensa fidelizada que repete as atoardas governamentais (que por sua vez replicam os desejos do grande patronato). É bom lembrar um post de Ricardo Paes Mamede (que devia ser repetido até à exaustão): http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2013/02/pela-n-esima-vez-produtividade-do.html
-- Quanto às "apressadas" tiradas sobre a segurança social e o véu nebuloso que cobre as negociatas do neoliberalismo em curso. Ou o silêncio (provavelmente da falta de memória que agora acomete os desbragados troikistas) das transferências dos fundos de pensões e outras jogadas próprias de telenovelas de baixo-nível: http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2012/STI-Viseu.pdf.
------- Reduzir a TSU dos trabalhadores: o início de uma reforma subversiva (-J.Bateira)
Nos anos '50, a Universidade de Chicago ('escola' neoLiberal) participou num programa de ajuda do governo dos EUA visando formar um grupo de economistas de alto nível para ensinarem na Universidade Católica de Santiago (do Chile) e enfrentarem a teoria económica de esquerda, preponderante na América Latina daquele tempo. (...) Começaram a defender publicamente o monetarismo e, anos mais tarde, no regime ditatorial de Pinochet, com a ajuda de colegas dos departamentos de economia de grandes universidades americanas, foram elaborando propostas para uma viragem radical na política económica do Chile [incluindo uma reforma das pensões]. (...) O novo sistema eliminou a velha segurança social substituindo-a por contas privadas individuais [descontos para si mesmo]. Quem tinha contribuído para o sistema anterior recebeu ‘títulos de dívida’ do Estado que foram depositados nas contas e rendiam quatro por cento. As receitas do novo sistema foram geridas por fundos de pensões privados. A taxa do desconto para a pensão foi fixada em 10% do salário, adicionada de 3% para um seguro de vida e invalidez. Isto reduziu substancialmente os descontos e aumentou o montante do salário líquido, o que tornou o novo sistema muito popular entre as classes trabalhadoras. ... -(
Mitchell Orenstein, 2005)
Um outro importante revés na campanha de privatização das pensões veio do Chile, aquele muitíssimo simbólico lugar, onde um governo de centro-esquerda da Presidente Michelle Bachelet iniciou em 2006 uma grande reforma do pioneiro sistema privado de pensões. Na introdução ao Relatório da Comissão de Reforma das Pensões, Bachelet anunciou que o sistema privatizado tinha “baixa cobertura ... pouca concorrência e grandes encargos em comissões ... e discriminava as mulheres”, uma incrível confissão para um país cujo sistema de pensões se tinha tornado um modelo internacional. -(
Mitchell Orenstein, 2011)
A TSU para além da neblina
A descida da TSU é , na minha opinião, uma decisão extremamente infeliz do atual Governo.
Mas a mim, mais do que o demérito induzido pela fragilidade dos argumentos que a sustentam e pela maior consistência da maior parte dos argumentos que a combatem, preocupa-me a ilusão que envolve o próprio plano em que a discussão se trava. Uma ilusão radicada numa relativa superficialidade teórica e doutrinária para a qual as esquerdas têm deslizado, de um modo geral, nas últimas décadas. Essa superficialidade que não é uniforme nem sequer idêntica relativamente a todas elas (mas em nenhuma está ausente), torna mais frágil qualquer entendimento que as congregue e mais incerto chegar-se sequer a consegui-lo.
Neste caso, para mim, o problema central que envolve a descida da TSU é o de que verdadeiramente isso significa uma redução do salário de todos os trabalhadores envolvidos. Na verdade, substancialmente, os descontos para a segurança social, quer sejam imputados juridicamente aos patrões quer aos trabalhadores, são salários diferidos. E só a superficialidade mistificatória que ignore isso mesmo, abre a porta a que se possa enveredar por essa via sem sequer se achar que desse modo se está a cair numa redução salarial.
Não esqueçamos: se deixarmos que as sombras ideológicas projetadas pelo neoliberalismo nos toldem os espíritos, dificilmente ficaremos a coberto da sua influência nefasta.
(-por Rui Namorado, 24/12/2016, http://ograndezoo.blogspot.pt/ )
Uma balança só funciona com pratos equilibrados
«Ao ler o Compromisso Tripartido para um acordo de médio prazo que consagrou o aumento do salário mínimo (SMN) para 2017, extrai-se a ideia de que o governo parece não querer ter um papel activo no desbloqueio da negociação colectiva (NC).
Ora, foi precisamente a intervenção de diversos governos que, invocando o objectivo de revitalizá-la, conduziu ao actual bloqueio. (...)
De 2 milhões de trabalhadores cobertos em 2010, chegou-se a 213 mil em 2014. Em 2016, eram uns 600 mil.
A duração média das convenções subiu de 12/24 meses até 45 meses.
Com uma política de desvalorização salarial, a individualização da relação laboral, os salários estagnaram
(a mediana era de 782 euros em 2015), condenando largas camadas da população ao empobrecimento, mesmo trabalhando.
Mais: o aniquilamento da NC teve dois efeitos demolidores.
O SMN tornou-se uma espécie de salário nacional.
Até setembro de 2016, mais de 37% dos novos contratados recebiam o SMN;
e quanto mais isso aconteceu, mais os patrões pressionaram o Estado (os contribuintes) para compensar o “esforço” de pagar o SMN, limitando qualquer governo que queira dar dignidade ao valor do SMN.
O SMN e a NC são, pois, dois temas de uma situação.
E, a julgar pelo acordo, o Governo deu sinais de se retirar do tabuleiro.
Primeiro, cortou-se essa abordagem articulada;
segundo, aceitou-se um insuficiente “compromisso bipartido de transmissão às estruturas integradas nos parceiros sociais” para adiar até meados de 2018 a denúncia de convenções colectivas;
terceiro, reforçou-se a subsidiação ao patronato:
maiores reduções da TSU patronal ao arrepio do acordo com o BE, PCP e PEV,
incidindo também sobre os contratos a tempo parcial e ainda sobre salários até 700 euros (incluindo trabalho suplementar e noturno);
quarto, retirou-se o compromisso para um SMN de 600 euros até 2019, havendo só para a “evolução progressiva do valor real”. (…)
Remeter a revitalização da NC para os parceiros sociais repetirá esse fracasso.
Nesta discussão, há que encontrar soluções que até poderão ser inovadoras se todos partidos da maioria parlamentar se empenharem na sua construção.
Impõe-se conhecer a fundo o impacto das retribuições salariais dos trabalhadores abrangidos pelo SMN, mas jamais se poderá aceitar a prática de o Estado financiar empresas para pagarem o SMN.
O legislador não pode ficar paralisado, perpetuando a situação que o Governo reconhece como desequilibrada:
deve garantir o mais rapidamente possível a reposição das condições de mínimo equilíbrio nas relações laborais,
e conduzir a concertação social para um novo patamar de contributo estratégico para o desenvolvimento económico e progresso social do país.»
(-por Maria da Paz Campos Lima e João Ramos de Almeida, via Entre as brumas, 11/1/2017)
De .Taxa Social Única (trabalh.+patron)... a 27 de Janeiro de 2017 às 10:05
'Reformas' neoLiberais subvertem segurança social
--- Reduzir a TSU dos trabalhadores: o início de uma reforma subversiva
(-J.Bateira, 22/5/2015, Ladrões de b.)
Nos anos '50, a Universidade de Chicago ('escola' neoLiberal) participou num programa de ajuda do governo dos EUA visando formar um grupo de economistas de alto nível para ensinarem na Universidade Católica de Santiago (do Chile) e enfrentarem a teoria económica de esquerda, preponderante na América Latina daquele tempo. (...)
Começaram a defender publicamente o monetarismo e, anos mais tarde, no regime ditatorial de Pinochet,
com a ajuda de colegas dos departamentos de economia de grandes universidades americanas,
foram elaborando propostas para uma viragem radical na política económica do Chile [incluindo uma reforma das pensões].
(...) O novo sistema eliminou a velha segurança social substituindo-a por contas privadas individuais [descontos para si mesmo].
Quem tinha contribuído para o sistema anterior recebeu ‘títulos de dívida’ do Estado que foram depositados nas contas e rendiam quatro por cento.
As receitas do novo sistema foram geridas por fundos de pensões privados.
A taxa do desconto para a pensão foi fixada em 10% do salário, adicionada de 3% para um seguro de vida e invalidez.
Isto reduziu substancialmente os descontos e aumentou o montante do salário líquido, o que tornou o novo sistema muito popular entre as classes trabalhadoras. ... -(Mitchell Orenstein, 2005)
Um outro importante revés na campanha de privatização das pensões veio do Chile, aquele muitíssimo simbólico lugar, onde um governo de centro-esquerda da Presidente Michelle Bachelet iniciou em 2006 uma grande reforma do pioneiro sistema privado de pensões.
Na introdução ao Relatório da Comissão de Reforma das Pensões, Bachelet anunciou que o sistema privatizado tinha “baixa cobertura ... pouca concorrência e grandes encargos em comissões ... e discriminava as mulheres”,
uma incrível confissão para um país cujo sistema de pensões se tinha tornado um modelo internacional. -(Mitchell Orenstein, 2011)
----- Os nossos Trumps (-por L.Moura, via Entre as brumas..., 28/1/2017)
«Quem conhece a América sabe que tem o melhor e o pior. Está cheia de gente civilizada, culta, criativa, empreendedora, dos melhores cientistas, dos maiores artistas. Mas tem igualmente o que há de mais atrasado, a ignorância profunda, o fanatismo religioso e racista. (…)
Infelizmente, os Trumps abundam no planeta. Mais ditadores ou mais democratas estão em maioria. São muito poucos os países governados por gente civilizada.
Temos a sorte de viver num. Mas não faltam por cá os nossos Trumps. O atual PSD está cheio deles. No Governo alimentaram a ideia de que era preciso empobrecer o país para o tornar mais competitivo. Apesar do fracasso, e da evidência de que outra política é possível com melhores resultados, continuam a pensar o mesmo. (…)
Recentemente tornou-se viral uma entrevista a um dos donos da Padaria Portuguesa.
O homem disse que a questão do salário mínimo era pouco relevante. Aliás, a sua "organização" "só" pagava o "regime de transição", vulgo salário mínimo, a 25% dos seus "colaboradores".
Se é este jargão que se ensina no ISEG, onde ele tirou um curso de Gestão, vou ali e já venho. Mas o pior foi o que se seguiu.
O homem quer políticas de futuro, ou seja, poder despedir sem restrições, prolongar o horário de trabalho além das 40 horas e pagar o que lhe apetece. É, sem sombra de dúvidas, o nosso Trump da semana.
Não está só. A maioria dos empresários portugueses só consegue montar negócios com base nos baixíssimos salários. Argumentam que se deve à fraca produtividade.
Esquecem contudo que a produtividade é precisamente a parte que lhes compete.
A baixa produtividade do nosso tecido empresarial é da responsabilidade exclusiva dos patrões.
Ponto. (…)
Agora que temos um Governo de esquerda, apoiado por toda a esquerda, seria a altura ideal para se discutir seriamente porque é que as empresas portuguesas só conseguem ser competitivas com salários baixos. Mais.
Porque é que são tão mal geridas e como é que se pode superar essa evidente deficiência.
Existem casos que demonstram que não é uma fatalidade. Nos têxteis, calçado, alimentação, TIC. É aprender.
Ninguém é contra o sucesso das empresas. Mas não se pode aceitar que ele seja feito à custa dos que nelas e para elas trabalham.» --Leonel Moura
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--- 31/1/2017:
Isabel Jonet: não me parece que seja síria
-Não quererá emigrar para os EUA para não termos de a ler ou ouvir?
Isabel Jonet põe em causa aumento do salário mínimo nacional.
. -https://eco.pt/2017/01/29/isabel-jonet-poe-em-causa-salario-minimo-nacional/
A presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares diz ver como positiva a subida do salário mínimo (SMN) decidida pelo Governo com o apoio dos partidos à sua esquerda parlamentar, até porque “há muitas pessoas com salários muito baixos”. No entanto, alerta que a sua formação de base de economista a leva a questionar-se sobre se a medida não terá consequências ao nível dos despedimentos.
Para Isabel Jonet, mais importante do que aumentar o salário mínimo são as políticas ativas de emprego, que conduzam à criação de postos de trabalho na população mais velha e menos qualificada que, de repente, viu jovens licenciados a ocuparem os seus lugares.
A responsável do Banco Alimentar diz assim que o ideal seria equilibrar o aumento do salário mínimo nacional (SMN) com estímulos diretos à criação de emprego.
O empresário
28/01/2017 por António Alves
O “empresário” da Padaria Portuguesa, na sua incomensurável ignorância, criou o melhor argumento possível para defender o aumento do salário mínimo.
Se as pessoas têm dois empregos de 40 horas e prefeririam trabalhar 60 horas para ele se pagasse horas extras, isso só significa que os salários que paga não são suficientes para as pessoas terem uma vida digna.
E tal como Roosevelt disse,
uma empresa que não é capaz de pagar um salário mínimo que permita uma vida digna não tem direito a existir.
A esquerda devia dar-lhe uma medalha.
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E se o trabalho não traz dignidade, não há progresso nem Humanidade.
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