Segunda-feira, 29 de Junho de 2015

Trabalhos e escravidões     (-AMCD)

   Pouco tempo tem havido para escrever nos Trabalhos e os Dias. Os trabalhos têm tomado conta dos dias. Os dias afogam-se em trabalhos que não nos deixam respirar. Qualquer fuga episódica ao trabalho está condenada ao fracasso. Pagam-se caras as fugas com o acumular dos trabalhos aquando do regresso.
      São os tempos de uma ideologia para a qual o trabalho é um fim e não um meio.  Esta fé incondicional no trabalho como um fim em si mesmo*, no papel da empresa e no crescimento económico como panaceias para a resolução dos problemas sociais é completamente equívoca.   Se uma empresa puder realizar a sua produção com dois, não empregará quatro, nem que tenha de sobrecarregar os dois que emprega (Se tal lhe for permitido! E com estes que nos governam, diga-se de passagem, tudo lhes é permitido). Tão simples como isso.    E se necessário fá-lo-ão só com um, sobrecarregando-o mais ainda e baixando-lhe o salário, que é um "custo de produção".   As empresas não são a Santa Casa da Misericórdia nem a sua vocação é o combate aos problemas sociais.  E assim vamos sendo conduzidos à servidão por uma ideologia marcada pela fé cega na Empresa, no empresário e no empreendedorismo que resvala para a exploração do Homem pelo Homem. Esta sim, é a estrada que conduz à servidão. Num extremo, lá está a velha memória da escravatura, as mulheres e crianças das minas de carvão ou nas fábricas inglesas, exploradas por patrões humanos, muito humanos.            ***

     Alguns papagaios, comentadores do regime, afirmam por aí que o PSD não tem um programa e blá, blá, blá…e que já devia ter e blá, blá, blá… Como se precisasse.  Ainda não perceberam ao fim de quatro anos o programa (neoliberal) do PSD (com ou sem CDS)?    Ele é austeridadetarismo, redução de funcionários públicos, redução de salários e de pensões, congelamento de carreiras, desestruturação do Estado, retirada do Estado da economia (como se fosse possível colocar o Estado num compartimento estanque, desligado da economia) e a transferência dos seus serviços para os privados (os mercados), as privatizações, a precariedade, etc., etc., etc.   Claro que para realizar tudo isto é preciso criar um ambiente de desconfiança em relação aos serviços do Estado. E estes governantes desconfiam do Estado que governam e manifestam-no às claras. A empresa privada realiza melhor, acreditam dizem eles. É o cúmulo.

     E eis um dos resultados dantescos desta política: num dos países demograficamente mais velhos do mundo, os jovens foram, e ainda são, obrigados a emigrar em massa. Um desperdício de recursos humanos e dos esforços de uma sociedade que neles investiu, sendo agora outras as sociedades que colhem os frutos desse investimento. Há exemplo maior do que este acerca do que é um mau governo num período de paz?

   Enfim, prosseguem os dias afogados em trabalhos. São os trabalhos e os dias dos tempos que correm.   É sábado. Vou trabalhar que o trabalho já se acumula.

___ (*) Aos amantes do trabalho, fiquem sabendo:   os nazis tinham a política de extermínio pelo trabalho, a Vernichtung durch Arbeit. O trabalho não era um fim em si mesmo. O trabalho era o fim. O trabalho liberta ('Arbeit macht frei' dístico no campo de concentração nazi de Auschuitz)?  Talvez, se não for excessivo, caso contrário, mata. (outra forma de 'libertação', uma "solução final" para os indesejados !)

-------  francisco oneto

O que é verdadeiramente preocupante (para além de passarmos fins-de-semana a trabalhar...) é que esta "fé incondicional no trabalho e no crescimento económico como panaceias para a resolução dos problemas sociais" é partilhada à esquerda e à direita, o que nos deixa orfãos.    De um lado, os que insistem na ladaínha de achar que a Coreia do Norte é uma república "popular e democrática"; que apoiam a ocupação do Tibete pela China porque são "contra o feudalismo"; ou que achincalham o Syriza por este apoiar a legalização da canábis e no nosso parlamento votam ao lado do PSD e do CDS contra o uso livre desta planta - o "haxixe, que adormece a juventude", dizem... (devem preferir o futebol, para andarem mais acordadinhos...).   Destes, que endeusam o trabalho, até aos hipócitas liberais do centrão e da direita, que se especializaram em fabricar desempregados para depois os perseguirem e maltratarem com requintes de malvadez, uma única causa merece o aplauso partilhado de todos: o "crescimento".   Enquanto não houver, à esquerda, quem queira romper com este insano unanimismo e mudar de paradigma, nada feito. Como naquele sábio verso de Borges, "nem outro céu nem outro inferno esperes"...  Bom descanso.

------ 

Deixe a "fast food", a "fast lane", o 'crescimento" e procure o desenvolvimento, pela cultura da calma, ou "Slow down", valorize/ aprecie o seu Tempo e Vida, pois não terá outra.



Publicado por Xa2 às 07:46 | link do post | comentar

1 comentário:
De Emigração e q.futuro em Portugal e UE ?! a 14 de Outubro de 2015 às 12:27
http://aventar.eu/2015/10/14/desenrasquem-se/#more-1236659
Desenrasquem-se
... ...
...
... o seguinte: das 95% pessoas que deram como motivação para emigrar a carreira e a realização profissional, 80% considera que também houve razões económicas como melhores salários e fuga ao desemprego.
Ou seja, no fundo, só 15% das pessoas é que emigra “somente” por questões de realização. Só 15% das pessoas emigra sem nenhum tipo de pressão externa.
Isto é, a própria questão da realização profissional está, evidentemente, muito ligada a questões económicas.
Alguém que tirou um doutoramento mas que agora está a trabalhar num call center tem de facto um emprego, mas é evidente que não se sente realizado a nível profissional (e que não ganha o suficiente para compensar sete anos de estudos superiores).
Alguém que tem estudos universitários pode até ter um emprego bem renumerado mas não está a trabalhar na área que quer e portanto emigra.
É óbvio que se pode argumentar que a culpa é destas pessoas: elas emigram porque querem.
Se não quisessem emigrar que tivessem tirado um curso mais acessível.
Isto é um argumento que os fans do governo apreciam porque lhes retira alguma culpa:
porque razão é que alguém vai tirar um doutoramento em astrofísica ou em sociologia se em Portugal não há condições para trabalhar nessas áreas?
(Não há laboratórios, não há lugares nas universidades etc.)
É evidente que estas pessoas teriam de emigrar se quisessem trabalhar na área de estudo.
Isto é, devo dizer, uma argumentação legítima. É verdade. Mas também é verdade o seguinte: não interessa.
Não interessa de quem é a culpa porque quem perde é o país.
Se toda a gente que tira cursos “inúteis” ou que não vão dar trabalho (imensos, desde as ciências ás humanidades porque alguém que estuda matemática pura também não vai ter trabalho) se vai embora então o país vai ficar cada vez mais vazio.
Ou seja, trocando por miúdos:
o país gasta dinheiro a formar esta gente que depois aos 20 e poucos anos se vão embora e nunca mais voltam,
ou voltam na reforma, para gastar ainda mais dinheiro ao Estado (porque nem descontaram em Portugal).
Entretanto, estas pessoas casaram lá fora e tiveram filhos “lá fora” e esses filhos por lá fora vão ficar
e vêm a Portugal nas férias como agora acontece com os emigrantes franceses de segunda geração.

Resumindo:
temos um país que tem um problema gravíssimo de natalidade,
um país que não sabe quem é que daqui a 50 anos vai pagar reformas,
com uma crescente emigração de “cérebros”,
de pessoas que já custaram dinheiro ao Estado mas que nunca o vão pagar porque não planeiam trabalhar em Portugal.

Mas o que interessa no meio disto tudo é que a culpa, ao menos, "não é do Governo" PSD/CDS.
Portugal não está a garantir a sucessão geracional mas ao menos a culpa não
é dos partidos medíocres que temos mas das pessoas que tiram cursos que não servem para nada
em vez de Economia ou Gestão para depois serem muito empreendedores e fazerem start-ups companies que irão FALIR passados 3 meses.

Emigrar, meus amigos, não é fácil e esta romantização da emigração é no mínimo, insensível.
Alguém que vai para fora porque acha que devido ás qualificações que tem merece ganhar mais,
alguém que vai para fora porque não arranja trabalho na sua área não está a emigrar sem pressões externas.
Não está a emigrar porque “quer”.
Está a emigrar porque acha que merece mais, porque o esforço que depositou no seu percurso académico merece ser recompensado.
Isto não é o mesmo que emigrar de “livre vontade”.
A pressão, nestes casos, não é tão urgente como o “emigrar porque não tem o que comer ou onde viver” – mas é uma pressão à mesma.

Podemos culpar estas pessoas. Pode-se fazê-lo para evitar culpar os governos ou razões estruturais.
Eu estou-me a borrifar porque são estes partidos e respectivos cheerleaders que vão ter de lidar com o país do futuro.
E o país do futuro vai ter muitos problemas.
Nós em princípio é que já não vamos estar cá para ver.

Desenrasquem-se.
----------

Os “paradoxos” de Schengen

-- Tomada de posição de um grupo de cientistas sociais da área das migrações
http://www.observatorioemigracao.pt/np4/4612.html

-- Emigrantes, Refugiados; Fronteiras; geoestratégia; União Europeia; Neoliberal; agressão; terroris


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