Portugal enfrenta uma grave conjuntura política que é
parte da crise global em que nos encontramos. Em poucos dias, vários altos quadros da administração pública, assim como um ex-primeiro-ministro e pessoas que lhe são próximas, foram detidos e constituídos arguidos de
crimes de corrupção e(ou) fuga aos impostos e lavagem de dinheiro. Acresce a escandalosa violação do segredo de justiça, que tem sido explorada pela comunicação social para melhorar o negócio. Isto pouco depois da constituição como arguido do presidente do BES, aquele que passava por ser
o "dono disto tudo". Por estes dias, os portugueses tomaram consciência de que o
crime de colarinho branco pode ter chegado ao mais alto nível do Estado, em articulação com o sistema financeiro. Agravando a situação, temos o novo líder do PS atingido pelo
clima de suspeição associado a José Sócrates, seu apoiante de primeira linha, a que se juntam os
fumos de corrupção há muito também perceptíveis no campo político do actual governo. Está em causa a saúde da nossa democracia.
Esta crise da política portuguesa emerge das
relações promíscuas entre partidos, Estado e sistema económico financeirizado. Ao contrário do que os neoliberais querem fazer crer, não se trata apenas de delitos criminais e de falhas de regulação a resolver com melhor legislação.
É o sistema neoliberal que funciona assim, e hoje só pode funcionar assim. Em Portugal, as
políticas agressivamente promovidas por ideias e interesses ligados à finança, não só
produziram um enorme desastre social, económico e financeiro como
agravaram os problemas estruturais do país. Além do
ataque imoral aos rendimentos de funcionários públicos e pensionistas, além da
degradação criminosa do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública, o
neoliberalismo tem destroçado as vidas de centenas de milhares de desempregados, empobrecido a classe média, feito emigrar os seus jovens, delapidado o investimento feito em ciência, congelado o investimento público e privado e desprezado a cultura. O neoliberalismo inscrito
nos tratados da UE é uma armadilha mortal para o país, mas os
partidos do arco da (des)governação são parte integrante dessa mesma armadilha.
A saída deste desastre não será conduzida por estes partidos, nem pelas elites que prometeram o desenvolvimento do país com a sua participação no "pelotão da frente" da UE.
Venderam tranquilamente a nossa soberania a troco de "fundos estruturais", disfarçando o negócio com a retórica da "soberania partilhada" e da Europa "social". Na verdade, foram
responsáveis pela desindustrialização do país, o subdesenvolvimento da agricultura, das florestas e das pescas, assim como da desertificação do Interior. O dinheiro fácil comprou a sua
submissão à globalização sem freios, facilitou o investimento público sem critério,
financiou a especulação imobiliária, deixou em roda
livre o sistema financeiro e conduziu o país a um
dramático endividamento externo. Os partidos que governaram o país foram, no mínimo,
cúmplices do saque dos recursos do Estado. Toleraram a
criminalidade económica e fecharam os olhos à pequena e grande corrupção, dentro e fora dos partidos, nas autarquias e no poder central. Pior, contribuíram para a
desmoralização geral porque garantem aos cidadãos que, qualquer que seja o partido eleito, no essencial a política será a mesma.
Estes partidos decepcionaram o povo e
degradaram a nossa democracia. Portugal precisa de uma proposta inovadora e de novos protagonistas dispostos a
recuperar o sentido de serviço público na acção política. Uma proposta que formule um novo horizonte para Portugal: um país soberano,
aberto ao mundo, exigente na sua democracia, profundamente
solidário, respeitador do ambiente natural, preocupado com a
qualidade de vida dos seus cidadãos.
O povo português não se dá por vencido e não baixará os braços enquanto não
recuperar o controlo do seu destino. Portugal precisa de uma alternativa, não apenas de alternância. Vivemos um tempo de viragem.
(-por Jorge Bateira, 27.11.14, Ladrões de B.)